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terça-feira, 20 de maio de 2014

2613 - Getúlio Rousseff da Silva



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4863                                       Data: 04 de  maio de 2014
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SABADOIDO DE SINDICALISTAS A GETÚLIO

-O Paulinho não devia dizer que o lugar da Dilma é na Papuda. - criticou meu irmão a parte do discurso do líder da Força Sindical nas comemorações do Dia do Trabalhador.
-Li, hoje, que ele mal se continha em pé, de tão bêbado.
-Querendo ou não, ela é a Presidente do Brasil, não pode ser ofendida assim. - insistiu na crítica. (*)
-Não espere educação refinada dos sindicalistas, Claudio. Tenho um colega de trabalho que, devido a um trauma, um acidente de carro, ficou com uma voz roufenha, cavernosa, que mal se escuta. Certa vez, fui com ele ao porto de Vitória entrevistar o chefe do OGMO.
-O que é isso? - estranhou.
-Órgão Gestor de Mão de Obra, onde se encontram os representantes dos trabalhadores portuários. Lá, quando esse meu colega, mal abriu a boca, o sindicalista bradou: “O que é isso, muita cachaça?”
-Ele falou isso? - reagiu meu irmão, surpreendido.
-Pois é; poderia até ser um câncer na garganta, mas essa turma não tem a menor sensibilidade, seja agredindo ou brincando. Ele, por sinal, brincava.
Claudio se encontrava na sua cadeira de descascar laranja, pois o Globo, nesse sábado, chegou cedo.
-Claudio, por acaso, me deparei com o Roberto D' Ávila entrevistando o Mário Soares de Portugal.
-Ele já está bem velho.
-Mário Soares está com 89 anos; cabeça ótima, lembrando-se de quase tudo... A entrevista se deu no enorme escritório dele, em Portugal, no meio de uma imensa biblioteca.
-Por que ele foi até lá entrevistá-lo?
-Porque, em 25 de abril, fez 40 anos da Revolução dos Cravos.
-Mário Soares era muito amigo do Brizola e do Darcy Ribeiro.
-O Roberto D' Ávila estranhou que se destacava lá, no escritório, a figura esculpida do Tiradentes, Mário Soares explicou que soube, pelo Itamar Franco, quando embaixador do Brasil em terras lusitanas, da história do Tiradentes. Como era uma figura histórica que lutou pela liberdade, nada mais justo que o homenageasse também – foi a sua explicação.
-Carlão, assistiu ao programa sobre o Aírton Senna no Sport TV? - era o Daniel irrompendo cozinha a dentro.
-Foi a pergunta que o meu chefe me fez ontem?
-Você trabalhou?... Lá, na Casa da Moeda, o dia espremido entre feriado e dia de semana vai obrigatoriamente para a forca.
-Como o Tiradentes. - não deixou o Claudio a piada escapar.
-Só vi uns dez minutos do programa.
-Carlão, transmitiram onze corridas do Aírton Senna da partida à bandeirada de chegada.
-Não vai me dizer que você ficou mais de quinze horas defronte a televisão, Daniel?
-Vi e gravei tudo.
Pretendia falar que não me detive com essa recordação dos vinte anos da morte do grande piloto brasileiro por causa do travo de amargura que volta como uma regurgitação, mas ele, muito animado, se antecipou:
-Muito bom!... Parecia que todo aquele tempo retornava.
E foi adiante:
-A corrida no Japão em que o Prost e o Senna bateram, na largada, ficando o título com o Senna, poderia parar ali, mas a Sport TV passou a corrida inteira.
-E aquela corrida em que o Senna passou por oito carros na primeira volta?...
-É claro que eles passaram? - não me deixou terminar.
E repetiu, o que fazia desde garoto, como se fosse um mantra, as palavras do locutor Galvão Bueno, quando celebrou a  vitória nessa corrida:
“Senna deu um show no seco, no molhado, no arrojo, na estratégia, na capacidade...” - a retórica prosseguiu, mas nós, diferentemente dele, não conseguimos memorizá-la.
Nesse instante, a Gina fez a sua entrada na cozinha, com um tablet e se dirigiu ao filho.
-Se vai pedalar na Lagoa, volta logo para não sairmos tarde para o almoço.
-Vou, então, me vestir.
Com a saída do Daniel, eu e Claudio falamos de cantores, enquanto a Gina convergiu a sua atenção para o visor de um tablet.
-Ouvi, Claudio, aquela música que o Luca costuma cantarolar: “eu bebo para ter argumento...”
-”Palavras ao vento”, do Cristóvão Bastos e Aldir Blanc. - identificou-a.
-Ouvi essa canção com a Nana Caymmi, e...
-Ela canta muito bem; é afinada. - interrompeu-me.
-É uma voz diferenciada, um timbre único. - completei.
Depois de ele pegar uma laranja na geladeira, continuamos com o canto.
-Dormi e acordei no meio do programa de jazz do Nélson Tolipan na Rádio MEC; ouvi, então, uma voz parecida com a do Frank Sinatra, mas a impressão digital dele.
E antes de alguma gozação, acrescentei:
-A voz, como o dedo, identifica a pessoa.
-E quem cantava?
-Soube, depois, que era o Frank Sinatra Júnior.
-Ele foi sequestrado pelos amigos mafiosos do Sinatra, para alcançar a fama, mas não conseguiu.
-A Maria Rita tem a voz parecida com a da mãe, mas a plateia percebe que falta alguma coisa indizível. - disse-lhe.
-A Ellis Regina foi uma grande cantora, mas não tudo isso que dizem.
-Claudio, ela foi excelente.
-Prefiro a Clara Nunes.
-Eu coloco a Ellis Regina num patamar acima junto com a Elizete Cardoso, a...
-Outra grande cantora é a Gal Costa.
-Era a cantora que o Tom Jobim convocava para cantar as músicas dele. A cantora tinha de ser refinada para as criações dele. A voz dela é de cristal.
-Cristal quebrado. - entrou a Gina na conversa embora estivesse com os olhos ainda pregados no visor do tablet.
-Quanto à Maria Betânia, canta mais com o útero do que a garganta, ou seja, é cantora para canções com carga emocional. Resumindo: não gosto dela. - comentei.
-Não é grande coisa. - concordou meu irmão.
-A grande cantora da música popular brasileira é a Dalva de Oliveira.
-Com aquela voz anasalada, Carlinhos.- interveio de novo a Gina.
Para tonificar a sua opinião, mexeu umas teclas do tablet, e brotou a voz da Dalva de Oliveira. Diante de tanto poderio vocal, percebi que ela balançou:
-Tudo bem: a voz é forte, mas anasalada.
Quando o Luca chegou para mais uma sessão do Sabadoido, o assunto foi cinema.
-Viu Getúlio?
-Vi Getúlio, Henrique, Manuel, Joaquim... quem mais Luca?- Gina, nesse sábado estava impossível.
-O filme – esclareceu, rindo.
Saímos eu e Claudio por poucos minutos; retornamos, ele com dois copos de caipiroska, e eu com a bexiga esvaziada.
-Luca, você sabe muito que eu não gosto do cinema nacional. - frisou a Gina.
-Eu gosto. - retrucou.
-Eu também. - juntou-se a ele meu irmão.
-Carlinhos não tem ido mais ao cinema?
-Espero que as fitas saiam em DVD ou que levem na televisão. Já bastam as películas a que assisti, sentindo o cheiro nauseabundo de baldes de pipoca e ouvindo pessoas sem educação falando no celular.
-Aquela época dos anos 50, as músicas, os carros e mais coisas exercem atração sobre mim. (**)
-Bem, Luca, mas são retratados apenas os últimos dezenove dias da vida do Getúlio Vargas. - assinalou o Claudio.
-Vou me aprontar porque o Daniel chega daqui a pouco. - justificou-se Gina para se retirar desse Sabadoido.
-Quem faz o Carlos Lacerda? - perguntei, embora tivesse lido a reportagem sobre o lançamento do filme no dia anterior.
-Aquele ator que fez o Luís Cláudio na minissérie “Engraçadinha depois dos 30.” - circunvagou o Luca.
-Alexandre Borges. - foi mais incisivo o Claudio.
-Muito elogiado como Getúlio Vargas vem sendo o Toni Ramos.
Às palavras do Luca, seguiram-se as minhas.
-Li boas referências à atuação do Toni Ramos, até mesmo ótimas, mas um crítico fez umas ressalvas.
-Que ressalvas?
-O Toni Ramos não pronuncia o “l” acastelhanado, como os gaúchos, e, nas vogais, também comete algumas falhas.
-Isso é ortoépia, como diz a Rosa Grieco? - interrompeu-me.
-Esse crítico escreveu que Daniel Day Lewis viajou para Kentucky, antes das filmagens e, assim, incorporou o Abraham Lincoln.
-Carlinhos, qual o ator que, hoje, supera o Daniel Day Lewis? - interveio meu irmão com veemência.
-É verdade; Daniel Day Lewis se encontra em outro patamar. A comparação é injusta.
Mal terminei de falar, e um estrondo nos sacudiu das cadeiras; era Daniel, o da Gina, que chegava da Lagoa chutando o portão.

(*) Todo e qualquer Presidente da República merece respeito, porém não é falta ao respeito sugerir que determinada pessoa, seja ela quem for, possa ou deva estar presa. No caso em questão, não deve ser difícil comprovar que há crime suficiente para enjaular a Presidente Dilma, com respeito e após o devido processo criminal.
(**) Há pelo menos um erro crasso em relação aos automóveis: as Mercedes-Benz que aparecem são de 1956 em diante, enquanto a fita retrata 1954. Quando se depara com uma escorregadela deste nível, deve se esperar muito mais coisa errada.

2 comentários:

  1. O nome da canção com a antológica letra do Aldir Blanc é "Resposta ao Tempo", e não "Palavras ao Vento".

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  2. "Uma voz parecida com a do Frank Sinatra, mas sem a impressão digital dele."
    Foi omitida a preposição "sem" no texto.

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