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sexta-feira, 2 de maio de 2014

2602 - mau humor nos transportes públicos

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4852                          Data: 17  de  abril de 2014
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178ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

Sexta-feira, mal atravesso o portal de entrada e saída da estação de Maria da Graça, olho e vejo um senhor de pé, junto ao banco de espera, e nenhum táxi, mau sinal. Nos dois minutos de descida de rampa até lá, aparecerão os táxis, foi o meu pensamento quando olhei o relógio. Ao descer uma das rampas, não vi mais o senhor, indício de que um táxi o levara.
-Terei de sentar no banco de espera. - disse quando lá cheguei.
Impaciente, saquei o celular da mochila e liguei para a cooperativa. Estranho: nenhum sinal de vida.  Quando liguei pela segunda vez, uma senhora preencheu uma parte do espaço que havia no banco de espera. Nada do outro lado da linha, de novo.
-Não tem táxi aqui? - perguntou-me ela.
-A esta hora costuma haver uns três táxis no mínimo. Creio que, ontem, havia uns dez.
-Eu não venho muito para cá.
Ela falava enquanto eu fazia mais uma tentativa.
-É a terceira vez que tento falar com a central da cooperativa e ninguém responde.
-Será que acabou?... - alarmou-se.
-Chegou mais um trem do metrô. - disse-lhe, quando avistei uma leva de pessoas descendo as rampas que eu descera uns dez minutos antes.
Assustado com o número de passageiros que se juntariam a nós dois, liguei outra vez. Uma voz, enfim, soou do outro lado. Era  voz de homem, mais um fato inusitado, pois só mulheres atendem na central da cooperativa, mas aquela não era hora para estranhamentos, pedi táxis para a rua Domingo de Magalhães frisando que muitos cidadãos estavam à espera.
Depois de tanto me fixar nos veículos que dobravam a rua Miguel Ângelo, pouquíssimos, aliás, vibrei quando apareceu um táxi. Apesar de o taxista diminuir a velocidade, mostrando que ia parar, estendi o braço para mostrar que eu era um passageiro em potencial.
Tudo era incomum, o taxista, embora fosse da cooperativa, era inteiramente desconhecido para mim; ainda assim, tentei conversar com ele.
-O que está ocorrendo  com os táxis?
Cuspiu um “não sei”, e preferi, então, represar a minha curiosidade por alguns dias.

Segunda-feira, tudo estava normal. O 140, um taxista de fala mansa, sempre com um sorriso saudável nos comentários, ponteava a fila no ponto da Domingo de Magalhães. Mal me acomodei no banco do carona, requentei a pergunta que fizera ao mal-humorado:
-O que aconteceu com os táxis de vocês na sexta-feira?
-Foi a desapropriação dos moradores da favela da TELERJ.
-Eu sei que os traficantes se envolveram na desapropriação, que ônibus foram queimados... Mas isso foi no Engenho Novo, refletiu-se aqui?
-Sim, porque as empresas recolheram os ônibus para que não fossem incendiados.
-Mesmo os que não passam pelo Engenho de Novo, como o Méier-Maria da Graça, Méier-Grotão?...
-Rapaz, a confusão se alastrou, chegou `a Avenida Suburbana.
-Eu vi as fotos das criancinhas chorando nos colos das mães, no meio da fumaceira de gás lacrimogêneo, que, penalizado, afastei o jornal de mim.- confessei.
-Foi isso; a coisa se espalhou com gente do tráfico se metendo, queimando tudo, que as linhas de ônibus retornaram para a garagem.
-O pessoal que vem do metrô para pegar o ônibus na Domingo de Magalhães ficou a pé.- deduzi.
-Muitos correram para os nossos táxis, por isso, você não viu nenhum.
Percebo, agora, o porquê de eu ter ficado na espera, sexta-feira, mas ainda não entendo uma coisa: por que uma voz de homem me atendeu na central da cooperativa?
Não soube explicar.

No dia seguinte, o taxista que me levou à rua Modigliani foi o Bob Esponja.
Como na última vez, quando me referi ao carnaval, não deixei que ele tomasse a iniciativa da conversa.
-E a médica dos sábados que pede táxi para Campo Grande, ainda está muito disputada pelos seus colegas?
-É uma corrida de 90 reais; não faz mal a ninguém.
-Pelo que dizem, ela vai ao hospital, demora poucas horas e volta para casa.
-É por isso que, quando a corrida é comigo, eu combino com a médica que ficarei à disposição dela, pois será uma receita de 180 reais numa só manhã, um bom dinheiro.
-Não resta dúvida – concordei. Por isso, sábado de manhã, todos ficam, na rua Van Gogh, ansiosos para levá-la.
-Meus colegas ficam contentes quando fazem uma corrida longa.
-Todos taxistas que conheço se sentem realizados com uma corrida, por exemplo, daqui ao Centro.- disse-lhe.
-Sentem-se porque não fazem as contas.
Que elucubrações serão essas do Bob Esponja? - perguntei-me.
-Uma corrida daqui ao Centro dá uns 50 reais. Eu prefiro cinco corridas por aqui de 10 reais.
E demonstrou por que.
-O taxímetro já parte com R$ 4,70; ou seja, eu já ganho uns 23 reais sem sair do lugar. E tem mais: não perco tempo em engarrafamentos que até podem surgir, mas são em menor número do que uma viagem ao Centro.
O Bob Esponja não é tão criançona quanto os outros taxistas da Metrô-Taxi falam. - constatei enquanto saltava do seu carro.

-E o governador de São Paulo querendo roubar a nossa água. -provoquei o Paizão.
-Não chove, e quando São Pedro abre as torneiras é no lugar errado. - comentou.
-Tem de chover nos reservatórios do sistema Cantareira, se não a grande São Paulo fica com as bicas secas.
E acrescentei, voltando a provocar o Paizão:
-Mas daí a querer mexer na água que vem para o Rio de Janeiro...
-Já sofri muito na pele, no passado, com a falta d'água. Não quero que esse tempo volte.
-Li na seção “GLOBO HÁ 50 ANOS”, muitos e muitos meses atrás, que, quando o prefeito Dulcídio do Espírito Santo Cardoso, tio do Fernando Henrique Cardoso, foi ao estádio do Maracanã e anunciaram o seu nome, torcedores de todas as cores gritaram em uníssono: “Água...  Queremos água”.- lembrei.
-Era isso mesmo: uma seca. Você não pegou esse tempo.
-Como não? Morei na Rua Cachambi, quando garoto e, por diversas vezes, ia para a fila da biquinha do nosso prédio com um balde.
Eu apanhava água como a Cosette de “Os Miseráveis”. - pensei, mas sem me manifestar. 
-Mesmo chovendo três dias sem parar, como na marchinha de carnaval, não resolvia o problema.- afirmou.
-Quando vi, na televisão, que a água não chegava, em São Paulo, às casas em lugares com mais de 15 metros de elevação, veio-me logo à  mente, a nossa mudança da Rua Cachambi para a São Gabriel.
-A São Gabriel tem uma boa subida. - comentou.
-Porque morávamos numa casa de vila lá no alto, a água não vinha até a bica. Como o meu pai ainda estava com as chaves da casa anterior, eu e ele íamos de baldes na mão, antes das 7 horas da manhã, pegar a água de lá para nos abastecer.
-A casa anterior  ainda era de vocês. - ponderou o Paizão.
-Pois é, mas o Rio de Janeiro não é a casa do governador de São Paulo.- disse-lhe enquanto saltava do carro.

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