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sexta-feira, 28 de março de 2014

2583 - O Educandário



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4383                         Data: 14   de março de 2014
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SABADOIDO VARIADO
2ª PARTE

Claudio trouxe os copos de caipiroska dele e do Luca e comunicou ao Vagner que a água gelada viria a seguir, justificando-se com o fato de não ter três mãos.
Luca, que pegara o recorte da Folha de São Paulo, que a Rosa enviara para mim através dele, e passou a lê-lo:
“Obras de Modigliani carecem de inventário, por Patrícia Cohen.”
Notei que os olhos do Vagner se perderam no vazio, enquanto o Luca prosseguia na leitura.
“Qualquer interessado em comprar uma obra de Amadeo Modigliani se confronta com três fatos desanimadores. As telas tendem a custar muitos milhões de dólares, elas estão entre os alvos favoritos dos falsificadores de arte e, não obstante, a abundância de especialistas, nenhum inventário das obras de Modigliani é considerado digno de confiança.”
Claudio, que retornava da cozinha, dirigiu-se ao Luca em tom de aborrecimento:
-Você não vai ler isso tudo?...
-Toma, Carlinhos. - entregou-me o Luca o recorte, contrariado.
Enquanto isso, Vagner pegava o copo que lhe era entregue.
Assisti ao filme sobre a vida de Modigliani, o Andy Garcia atuou como protagonista. - manifestei-me com o recorte de jornal sob meus olhos.
-Ele se projetou mesmo com “Os Intocáveis” e “O Poderoso Chefão III”. - afirmou meu irmão.
-Poucas vezes, eu bebo água. - disse o Luca, olhando para o Vagner, que já esvaziara o seu copo.
-A minha mãe é igual a você, só a vejo com o copo d' água quando vai tomar remédio.
-Eu bebo, mas não muito. - seguiram-se as palavras do Claudio às minhas.
-Você não bebe muito o quê?... aparteou o Vagner que, nessa sessão do Sabadoido, estava com a veia irônica estufada.
-Um colega meu de trabalho costumava me mostrar as receitas em que um médico sempre escrevia “forçar a ingesta hídrica”, ou seja, beber muita água.- manifestei-me.
-Eu tinha de tomar bastante líquido, pois suo bastante nas partidas de pingue-pongue.
-Mas você bebe bastante líquido, Luquinha; agora, mesmo, está com uma caipiroska na mão. - brincou o Claudio.
-O álcool desidrata. - intervim;
-Fica um lago de suor nos meus pés, quando jogo. A Tereza me trouxe da Inglaterra um tênis muito bom, antiderrapante.
-Aqui, diz-se que são tantas as obras de Modigliani, que ele, morto, está pintando mais do que vivo.- voltei ao recorte de jornal da Rosa.
Minhas palavras se perderam, pois ninguém pretendia, naquele momento, falar de pintura.
-O calor de janeiro foi terrível, o de fevereiro não ficou muito atrás...
-Sabe, Luca -, interrompeu-o o Claudio – eu prefiro este verão ao frio dos países do hemisfério norte.
-Eu também. - concordou.
-Nós temos mais recursos para neutralizar o calor. - manifestou-se o Claudio.
-No verão de 2003, na França, ocorreram 14.800 mortes, a grande maioria de idosos. É verdade que nos asilos, quase todos, de lá, não existe ar condicionado. - lembrei.
-Acostumados com o frio, eles não se preparam para o calorão. - afirmou meu irmão, voltando-se para mim.
-Eu nem quero saber da conta de luz, deixo o ar ligado o tempo todo. - disse o Luca.
-Mas temos de sair de casa e, lá fora não há ar condicionado.
-Sim, Claudio, mas quando sentimos uma brisa, não existe ar condicionado que se compare a ela. - garanti.
-Com tudo asfaltado, com prédios subindo a toda hora, o calor ficou muito pior. - aduziu meu irmão.
-Eu levo a Kiarinha para a piscina do prédio. Ela não sai da água. Certa vez, rebocava três crianças naqueles macarrões.
Mal acabou de falar, fiz-lhe uma pergunta:
-E esse calor, Luca, não freia o ímpeto dos seus amigos para jogarem tênis de mesa?
-Freiam nada; somos todos fominhas. O gordo, com mais de 100 quilos, entorna litros d' água, mas não para de jogar.
-E a saúde dele com todo esse peso?- indaguei.
-Boa. - garantiu.
-O Jô Soares, ao ouvir do Kenneth Cooper os malefícios da obesidade, numa entrevista, frisou que era uma exceção: colesterol, glicose, triglicerídeos, todas as taxas dos seus exames estavam normais. - recordei.
-Jô Soares parecia doente quando emagreceu, há muito tempo. - saiu o Vagner da sua mudez.
-E a esteira ergométrica, Luca, como você se saiu? Veio-me a curiosidade.
-Eu estava com um medo terrível desde que soube que um amigo, com dois minutos de esteira, o médico mandou parar, e ele foi operado para a colocação de um “stent”.
-Mas, Luca, você não me disse que poucas semanas, antes, ele sentiu uma forte pontada no peito?... Você, mesmo jogando pingue-pongue, nunca sentiu pontada alguma.
-Carlinhos, perdi meu pai, que estava com 49 anos, quando teve enfarte, e meu irmão com 44.
-Você e suas irmãs não herdaram esse mal congênito. - retruquei.
-Quando saí da esteira, perguntei ao médico se ele me garantia vivo até a Copa do Mundo. “Claro!” -disse ele, eu, então, lhe falei que me referia à Copa de 2018.
-E o que ele respondeu?
-Em 2018, nem eu me garanto estar vivo.
-O Marco Aurélio, que morou na Chaves Pinheiro, e corria quase todos os dias, quando fez um eletrocardiograma, a médica lhe disse que algo estava errado. Descobriram que estava com as artérias entupidas, operado, escapou. Ele me disse que voltou à médica para agradecer.
-Sim, Claudiomiro, mas a mãe dele, ainda jovem, morreu de repente do coração. - lembrou o Luca.
-Não vamos falar em doenças aqui.
 Veio-me à mente, por causa dessas palavras autoritárias do meu irmão, um almoço de anos atrás no restaurante Westfália. Lá estávamos eu, o Elio, o Dieckmann e outros colegas deles do Colégio Militar, quando, inesperadamente, nos deparamos com o Nei Abóbora, outro ex-aluno desse educandário. Convidado a sentar-se conosco, pôs-se a falar dos seus problemas de articulação dos dedos e de outros achaques advindos da idade. Dieckmann, com mais veemência do que meu irmão, rebelou-se: “Nei Abóbora, estávamos até agora sem falar de doenças, e vem você com esta conversa...”
Bem, o nosso Sabadoido se encerrou com assuntos amenos, como naquele almoço de sexta-feira no restaurante Westfália.

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