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quarta-feira, 12 de março de 2014

2580 - o carnaval



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4380                     Data: 11   de março de 2014
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SABADOIDO PÓS-CARNAVAL

-E o seu pai? - indaguei do Daniel, quando me abriu o portão em vez dele.
-O jornal chegou cedo, ele leu e foi ao Wal Mart.
-Em busca de uma promoção de cerveja?
-Provavelmente.
Entrei na cozinha. Lá, com a ausência do meu irmão, eu podia optar: a cadeira em que ele lê o Globo ou a cadeira em que chupa laranja, abanquei-me no seu lugar de leitura. Meu sobrinho se sentou no banco de alvenaria coberto de almofadas.
-Então, Daniel, a Casa da Moeda deu folga aos seus funcionários de quinta à segunda-feira seguinte ao carnaval? Quase uma féria.
-Veja bem, Carlão: nós estamos contribuindo para que haja menos engarrafamentos nas estradas. - disse-me com o seu habitual jeito folgazão.
-Não foi a Paraty como no carnaval do ano passado?
-Não, e a cidade deve estar sofrendo com o impacto da minha ausência.
-Tem praticado caminhadas?
Dessa vez, respondeu-me com seriedade:
-Com este tempo, não me animei a ir à Lagoa Rodrigo de Freitas.
-Você precisa aprender a respirar pelo diafragma.
Enquanto eu falava, apareceu a Gina.
-O Nuno Cobra pede que seus seguidores respirem pelo diafragma e, em seguida, meditem.
-O personal-trainer do Senna?... - animou-se.
Gina, que se sentara do lado do filho, não demonstrava entusiamo algum.
Continuei voltado para ele:
-Você inspira subindo a barriga, e expira descendo a dita cuja. Nuno Cobra sugere colocar um livro sobre o abdômen, mas penso que é um exagero.
-Ele manda respirar assim?... - perguntou a Gina com o rosto vincado.
-Segundo o Nuno Cobra, o pulmão fica mais oxigenado.
Gina discordou, e, mexendo com um ombro, o outro, e, se a memória não me trai, o tórax, exibiu a oxigenação plena do pulmão.
-Da respiração pelo diafragma, chega-se à meditação que nos prepara para dominar as emoções com que nos deparamos no dia a dia.
-Ora, Carlinhos, cada um é como é. - reagiu ela.
-Gina, há muitos casos de pessoas, mesmo inteligentes, que cometem até assassinatos por motivos fúteis por não controlar suas emoções. O pintor Iberê Camargo é um exemplo.
Não convencida, insistiu que uma pessoa nasce “assim” e vive “assim”.
Voltei, então, ao Aírton Senna, grande ídolo do Daniel, que nos ouvia calado.
-O Aírton Senna seguia o ensinamento do Nuno Cobra e meditava antes das corridas. No Grande Prêmio de San Marino, a TV Globo reprisou o momento em que ele meditava profundamente, e os mais apressados disseram que ele, ali, previa a própria morte.
-O Senna até que era fraquinho.
-Daniel, o Senna era fraquinho?
Antes que o filho se manifestasse, ela acrescentou:
-Até desmaiava depois das corridas.
Quem desmaiou foi o Piquet. - interveio, enfim, o Daniel.
-Ele não conseguiu nem levantar um troféu. - não se deu por vencida..
-Isso aconteceu quando levou o seu carro à vitória com apenas uma marcha, feito inédito na história da Fórmula 1. O seu esforço foi sobre-humano.- argumentei.
A chegada do Claudio do Wal Mart, sem latinhas de cerveja, veio a calhar, deu-me a oportunidade de mudar de assunto. Mal ele se sentou na sua cadeira de chupar laranja, perguntei-lhe, enquanto descascava uma:
-Gostou do resultado das escolas de samba?
-Carlinhos, eu não concebo que uma escola ganhe o carnaval exibindo carros de Fórmula 1.
Lembrei-me, então, da felicidade do Daniel, na quarta-feira de cinzas, ao se expressar, no facebook, sobre a vitória da Unidos da Tijuca com o enredo sobre o Aírton Senna: “Ídolo de criança nunca será esquecido.” - escreveu.
-Nada a ver carro de Fórmula 1 com samba. - frisou.
Daniel fez comentários, em seguida, sobre o dia chuvoso que o impediu de sair de casa.
Nesse instante, o telefone tocou: era o Luca anunciando a sua chegada para mais um Sabadoido.
-Isto aqui está um canteiro de obras. - disse o Luca ao se acomodar na sua cadeira.
-A cidade está quase toda assim. - falei, enquanto me acomodava na cadeira à sua esquerda.
-A Chaves Pinheiro está impedida para o trânsito de veículos há mais de duas semanas. - entrou o Claudio na conversa.
-Mas consegui estacionar o carro numa baia.
-Há muita gente que ainda não veio da viagem. - explicou o Claudio o porquê de ele não ter precisado parar o seu carro no canteiro que divide a Avenida Suburbana.
-Falando em viagem nos dias de carnaval, o Lopo, com passagem de 3 horas da tarde, para Rio das Ostras, ficou na Rodoviária das 10 horas da manhã até 8 horas da noite, quando conseguiu, enfim, sair no ônibus.
Ao ouvir de mim o tormento por que passara meu irmão, aludiu a do seu filho, que viajara para Casimiro de Abreu.
-Quando todos têm a mesma ideia, certo está aquele que nada contra a corrente. - filosofei.
-Ou,,,
E completou o Luca citando Nélson Rodrigues:
-Toda unanimidade é burra.
-Bem faço eu, que aqui fico ouvindo meus discos, comendo meu churrasco e bebendo minhas biritas. - jactou-se o Claudio.
-Todos ficaram aqui no carnaval? - surpreendeu-se o Luca.
Gina, que caminhava até nós, escutou a pergunta e respondeu:
-Sábado passado, fomos de manhã bem cedo ao Pão de Açúcar. Claudio não vai mesmo.
-E como estava lá? - quis saber o Luca.
-Com turistas por todos os lados; alemão, japonês, americano, argentinos...
-O número de argentinos que vem entrando no Brasil é enorme; muitos fogem do desmazelo que a Cristina Kirshner causa no país para trabalhar no Brasil.- aparteei minha cunhada, que retomou a palavra.
-Havia um lá que falava português, o engraçado era que íamos para um lado e ele para outro, mas nos encontrávamos. Ele chegou a brincar: “Outra vez!...” 
-Vejam o inferno pelo qual o Lopo passou: após tantas horas na Rodoviária, mais horas no engarrafamento da estrada.- voltei ao caso, por não me conformar com essa tortura imposta a si mesmo.
-No primeiro minuto, eu teria rasgado a passagem e pego o táxi de volta para casa. - complementei.
-Por que Rodoviária?... - indagou o Luca.
-O carro do amigo dele enguiçou. - esclareci.
-E o Vagner?... Vem hoje?... - lembrou-se dele o Luca.
Não; o cavalo – disse o Claudio alisando o peso de papel na mesa – substitui os ausentes.

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