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quinta-feira, 20 de março de 2014

2577 - jabuticabas, ainda bem!



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4377                            Data: 07  de março de 2014
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LENDO O JORNAL

Maestro holandês Bernard Haitink rompe com a Orquestra Concertgebouw.
Essa manchete de imediato me chamou a atenção. Antes de prosseguir, retiro a “manchete”, pois logo saltou da minha memória a crônica do Nélson Rodrigues sobre a morte do Guimarães Rosa. O cronista expressou o seu espanto quando leu a manchete em letras garrafais do Globo sobre o falecimento do grande escritor por um corriqueiro enfarte. E assinalou, no seu estilo hiperbólico, que o único autor literário a chegar a manchete de jornal, quando morreu, foi Euclides da Cunha, mas, para tanto, teve o queixo arrancado a bala.
Voltemos à música e ao que provocou tamanha desafinação.
A citada orquestra holandesa completa 125 anos de existência, e, para a efeméride, não convidou o maestro Bernard Haitink que, de 1961 a 1988, ou seja, durante 27 anos, foi seu maestro titular e, desde 1999, é maestro honorário.
“Por que me queres mal, se eu nunca te fiz um bem?”- esta frase, atribuída a Confúcio, versa sobre a ingratidão humana. No caso do maestro, a ingratidão o atingiu com todo o bem que fez a orquestra.
Para culminar, Bernard Haitink tem 85 anos de idade, ou seja, poucas alegrias lhe restam e, talvez, a maior delas nesse fim do seu caminho lhe foi cruelmente arrancada.
Sei da importância de um convite desde que li um romance de Somerset Maughan, na adolescência, cujo nome esqueci. Mas ficou na minha retentiva a profunda depressão de um personagem frequentador assíduo dos salões da alta sociedade, quando, já idoso, não recebeu convite para uma festa de gala. Espero que o músico inglês não chegue a tanto, que fique apenas irritado com a Concertgebouw, que deve mais a ele, por ser eleita pela revista Gramophone como a maior orquestra do mundo, em 2008, do que aos anfitriões desse evento dos 125 anos.


Neste período de rescaldo carnavalesco – leio a edição do Globo de quarta-feira de cinzas, passo as vistas sobre os nomes das miríades de blocos que o prefeito Eduardo Paes incentivou com o objetivo de retomar o carnaval de rua. A maioria dos nomes é de duplo sentido, alguns deles de triplo e de até quádruplo sentido, tanta é a apelação.
A identificação de um desses blocos, contudo, me saltou aos olhos: “Me Beija Que Eu Sou Cineasta”.
Eis um nome pudico para mim. Por que assim penso? Explico-me: logo me vi diante da televisão assistindo ao filme francês “Os Sete Pecados Capitais”, que juntou igual número de diretores, cabendo um pecado capital a cada um deles.
O incansável, na época, Jean-Luc Godard, ficou encarregado da Preguiça. Na sua história, certamente com tons autobiográficos, ele é um cineasta que atrai uma jovem. Diferentemente dos foliões do bloco de carnaval, ele não pediu um beijo a essa jovem, ela, sim, que tomou a iniciativa e se ofereceu para ser atriz do filme que realizaria. Para isso, ela prometeu ir muito além de um beijo.
O cineasta vai, então, com ela a um apartamento discreto. Mas, antes mesmo de um beijo, lhe vem o pensamento de que teria de se despir e, em seguida, de ficar de novo vestido. É tomado pela preguiça e dispensa a jovem que fica com as mãos abanando.
O cineasta do Godard não sairia, certamente, nesse bloco de carnaval do Rio de Janeiro.

Foi divulgada pelo IBOPE uma pesquisa sobre as três maiores paixões do brasileiro:
Futebol - 77%
Cerveja - 35% 
Carnaval - 30%
A conta não fecha, ou seja, ultrapassa os 100%. Como a metodologia de cálculo não é revelada pelo Instituto de Pesquisa, vamos considerar isso um mero detalhe e tentar fazer uma análise desses números.
30% gostam de carnaval. Há mais de 30 anos, o Jornal do Brasil divulgou, na primeira página, com estardalhaço, que apenas 25% dos brasileiros gostavam. Foi uma surpresa quase geral, na época, pois imaginava-se que a grande maioria dos nossos patrícios não resistia ao batuque do samba. Mas se nos detivermos para examinar o número de pessoas que viajavam durante o denominado tríduo momesco, concluiremos que não cabia surpresa alguma.
Passados tantos anos, houve um aumento, segundo o IBOPE, de 5% de aficionados. Se levarmos em conta o número absurdo de pessoas que suportam nas estradas até 7 horas de viagem para escapulir da folia, fica a desconfiança sobre esses 30%.  E caso a questão fosse formulada de outra maneira? Assim: você gosta dos dias de carnaval? Se assim fosse, os 30% subiriam acentuadamente, porque englobariam os que participam da folia e aqueles que preferem ficar o mais longe possível do trabalho, mesmo que, para isso, tenham de suportar um engarrafamento de veículos de 15 horas, mais ou menos, computando também a volta da viagem.
Quanto à cerveja, 35% a consideram sua maior paixão.
Cremos que, embora a cerveja da Bélgica seja a melhor do mundo, nem 15% dos belgas a colocariam entre as suas maiores paixões.
Em primeiro lugar, aconteceu o previsível: o futebol reúne o maior número de apaixonados com 77%.
  O nosso governo populista, que sabia disso, trouxe a Copa do Mundo de 2014 para o Brasil. E com isso ocorreu um paradoxo: o chamado povão ficou de fora dos estádios. O Maracanã, para que fossem atendidas as exigências da FIFA, foi reformado, para o delírio não da torcida brasileira, mas das empreiteiras e hoje suporta apenas 70 mil espectadores. Tendo em vista que houve público de mais de 190 mil torcedores no Maracanã antes das reformas, conclui-se que perto de 120 mil ficaram fora da festa. E os preços dos ingressos podem, agora, subir exponencialmente de acordo com os interesses dos dirigentes, chamados de cartolas. E, até o momento, é o Flamengo, o mais popular clube do Brasil, que cobra mais caro, com alguns valores até comparáveis aos do Metropolitan Opera House de Nova York, sem exagero da nossa parte. Há quem diga, não sei se é verdade, pois não pretendemos assistir a jogo algum, que existem flamenguistas que comemoram gols, batendo palmas. Não creio: até em um espetáculo operístico no Covent Garden se grita.
Resumindo:
Um governo populista elitizou a maior paixão do brasileiro, o futebol. (*)
Essas coisas e a jabuticaba só existem neste país.

(*) Na ocasião da morte do Frank Sinatra, o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO leu uma crônica do Luís Fernando Veríssimo, dele mesmo, no jornal, não era nada da internet, sobre contradições. Nela, o escritor comentava qualidades do cantor, que pronunciava as palavras com perfeição sem ser tão instruído e fazia jazz sem ser negro. Se não era bem isso era parecido. Aqui no Brasil, esse governo populista que queria o futebol como circo e a Petrobras mais estatal do que nunca, foi quem estragou o futebol, a Petrobras e, de quebra, a distribuição elétrica.
Muito parecido com o que se vê hoje, há uma cena em Lawrence da Arábia, em que os árabes nômades, comandados pelo tenente Lawrence tomam Istambul e da noite para o dia, tudo começa a cair, o fornecimento de água, a energia, as comunicações, até que os árabes ficam cheios de viver na cidade e vão embora, de volta para o deserto. Naturalmente, quando cessa uma etapa de má gerência, há um sofrimento generalizado até que as coisas voltem ao normal. Este será o nosso preço, mas, pelo menos temos jabuticabas.
  

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