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terça-feira, 11 de março de 2014

2572 - O trânsito e o amigo



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4372                          Data: 01 de março de 2014
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175ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

-Rapaz, o prefeito criou o caos no trânsito com essa mão dupla na Avenida Rio Branco. Não sei, como pedestre, se o sinal está aberto ou fechado para mim, os motoristas, também não. - manifestei-me para o Meu Nobre.
Ele, por outro lado, disse que, com essa barafunda, pretendia realizar apenas corridas curtas, mas se um passageiro quisesse ir para o Centro da cidade, não havia remédio, teria de conduzi-lo e perder horas naquela loucura.
-Muitos procuram escapar evitando os ônibus e demandando os trens e o metrô. Resultado: pego o metrô às 5h 45min da manhã e vou para o trabalho amassado pela multidão. Se eu me atrasar e for para o metrô 30 minutos depois, viajo colado no vidro da porta como lagartixa.
-O Eduardo Paes não disse que se mataria caso o Brasil fosse derrotado na final da Copa do Mundo pela Argentina... Vamos torcer pelos argentinos. - foi a solução encontrada pelo Meu Nobre.
-Nesse caso, sou argentino desde pequenininho. - garanti.
-Será duro torcer pela Argentina. - mostrou-se agora dubitativo.
-Há muitas semelhanças entre os dois povos, a rivalidade certamente está nisso. Os franceses e os ingleses...
-Eles são nossos “hermanos”. - cortou-me, pronunciando a palavra espanhola com um sorriso mordaz.
-Somos mais “hermanos” do que queríamos nós, brasileiros, e eles. - frisei.
-Você pensa assim? - tornou-se a sua expressão mais séria.
-Penso. Tanto o Brasil como o Argentina são os países das oportunidades perdidas.
Pelo meneio da sua cabeça, constatei que concordava com as minhas palavras e fui em frente.
-Brasileiros e argentinos são receptivos aos políticos populistas; passam quase no mesmo tempo por governos ditatoriais... E não aprendem com as experiências passadas.
-Você me convenceu. Vou torcer nessa Copa do Mundo por uma seleção europeia. - bradou.
No dia subsequente, a corrida se deu no táxi do 014 que, dias atrás, me revelara que Saquarema é o lugar onde, na companhia da mulher e da filha, recarrega as baterias para enfrentar a neurastenia do trânsito Rio de Janeiro.
-Vai a Saquarema nesse carnaval?
-De que adianta sair de um rebuliço para entrar em outro?
-É verdade. Você vai à praia e não consegue nem pisar a areia, tantos são os banhistas esparramados pelo chão. Se pretender comprar alguma coisa, terá de enfrentar filas quilométricas. Sem falar dos preços que disparam.
-Quero a paz da minha casa.
E acrescentou:
-Prefiro Saquarema fora da temporada de turistas.
-Vinte anos atrás, mais ou menos, eu viajava para Cabo Frio nessa época agitada. Ah, a minha animação acabou rápido; uma cidade construída para 200 mil habitantes não tem infraestrutura para suportar mais de 1 milhão de visitantes.
Ouviu-me e retomou a palavra.
-Ficarei os 4 dias em casa com minha mulher e filha descansando e, uma vez ou outra, saindo para um passeio com elas.
-Não vai trabalhar como o 081? - provoquei.
-Ele é doido; tem mais de 20 imóveis, só em Maria da Graça, e trabalha no táxi todos os dias.
E deixou-me na Rua Modigliani desejando-me um bom carnaval.
Estuguei os passos para ultrapassar o passageiro do metrô que rumava para o ponto de táxi, e, assim, evitar o 017, mas não adiantou; o acelerado entrou no táxi do Paizão e não me restou outra alternativa.
É verdade que o 017 nunca ficou encaramujado nas inúmeras corridas que fez comigo no seu táxi, pelo contrário, sempre se mostrou falante, mas seu temperamento irascível, as suas histórias autobiográficas com final infeliz me deixam arredio. O próprio Paizão, taxista octogenário de excelente humor, contou-me que, certa vez, discutiu com ele e o considera “esquisito”. Mas, como disse o educador Darcy Ribeiro, devemos ler as pessoas como se livros fossem. E aditamos nós que sempre há alguma coisa nessa leitura aproveitável.
-A cidade está uma tormenta. - comentou o 017 secamente.
 -Se a gente corre risco de vida atravessando na faixa de pedestre, no Centro, imagine fora da faixa. - observei.
-Esse prefeito é uma besta que só quer levar o nosso dinheiro. - rezingou.
-Hoje, dirigindo-me para a estação Carioca do Metrô, vi que não daria tempo de eu atravessar, porque o sinal estava aberto para os pedestres e eu não chegaria a tempo; diminui, então, os passos, pois só me restava, agora, atravessar na faixa de pedestre seguinte. Eis a minha surpresa: esse sinal ficou um longo tempo fechado para os veículos e eu pude ir para o outro lado da Avenida Rio Branco ali mesmo.
Essa maluquice dos sinais de trânsito não foi só lá. Para se ir de um lugar para outro, numa distância nem longa nem curta, levava-se mais de duas horas. - informou.
-Os sinais de trânsito neste momento... Tudo, enfim, contribui para o caos. - disse-lhe.
-Agora, você veja... - pediu-me uma maior atenção.
E prosseguiu:
-Uma mulher, com a estação de Maria da Graça a 50 metros dela, me pediu para levá-la a Botafogo.
-Caramba; ela estará em Botafogo, viajando de metrô, em 40 minutos no máximo.
-E eu ficarei preso no engarrafamento com ela uma hora e meia no mínimo. Sem contar a minha volta.
-E o senhor a conduziu até Botafogo?
-Eu não posso recusar passageiros.
Lembrei-me, em seguida, que já me contara esse caso meses atrás, e percebi que ele o requentava para os turbulentos dias atuais para torná-lo mais dramático.
-Você sabe que fui multado quando voltava de Niterói, para onde transportei um passageiro?
-Isso é causa de multa?- abismei-me.
-Soube que nós, taxistas, podemos recusar passageiros que nos solicitam corridas para outra cidade que não seja o Rio de Janeiro.
-Eu não sabia.
-Eu já guiei meu táxi por Nova Iguaçu e foi uma complicação só. Lá, são ruazinhas, não há uma avenida, ou mesmo uma rua maior, que sirva de referência para nos orientar.
-E o passageiro, não ajudou?...
-Estava tão perdido quanto eu. Sorte minha de não entrar por dentro de uma favela. Pelo menos, deu um bom dinheirinho: 150 reais.
E bradou:
-Mas nunca volto lá, nem a outras cidades cheias de muvuca.
No fim do trajeto, paguei-lhe com notas de 2 reais. Ficou tão satisfeito com o dinheiro trocado que, primeira vez, chamou-me de amigo.



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