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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

2535 - Arsênico, estricnina e outros remédios



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4335                           Data: 25 de dezembro  de 2013
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XII FRASES ORIGINAIS E COMENTÁRIOS

“O som aniquila a grande beleza do silêncio.”
Charles Chaplin disse a frase acima quando não aceitava o advento do cinema falado. Como todos sabemos, o primeiro filme falado foi “O Cantor de Jazz”, de 1927 e a primeira música a soar na arte cinematográfica foi Swanee, de George Gershwin e Irving Caeser, na voz do protagonista dessa película, Al Jolson.
Quando assisti a essa película – na televisão, naturalmente, pois os cinemas só se importam com os últimos lançamentos – espantei-me, pois calculava que as palavras jorrariam desde a cena inicial. Vieram mais cenas, “takes” e nada. “Este filme é falado mesmo ou estou surdo?” - perguntei-me na ocasião. Depois de um bom tempo ouvi, finalmente, a primeira frase.
Charles Chaplin, que alcançara o ápice da sua carreira um ano antes, com “Luzes da Cidade”; e, com “O Circo”, ainda dividiria o Oscar especial de 1927 com o “O Cantor de Jazz”, levantou-se como o maior oponente do cinema falado. Lançou “Tempos Modernos”, em 1936, ou seja, nove anos depois, continuava recalcitrante na sua posição, ironizando os chamados “Talkies”. Nesse filme, o seu personagem, o Vagabundo, canta uma música com uma letra sem pé nem cabeça, foi o único som emitido pela voz humana, até então, na sua cinematografia.
Charles Chaplin se rendeu ao cinema falado em 1940, quando chegou às telas “O Grande Ditador”, seu propósito era enterrar a sua maior caracterização artística. O Vagabundo falou nesse filme, havia a necessidade de discursar contra a intolerância nazista e, depois, calou-se para sempre.
Saindo desse contexto, a frase de Charles Chaplin sobre a beleza do silêncio é uma verdade absoluta em muitas ocasiões.
O filósofo Schopenhauer, sofrendo, certamente, com os barulhentos nas cercanias, disse que a soma de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa da sua capacidade mental.
Não sei se os decibéis emitidos pelas pessoas sobem com o avançar dos séculos, mas me parece que sim. A música que se toca hoje em dia, com ritmo bate-estaca, é de enlouquecer até mesmo os que não são discípulos do filósofo alemão. E não adianta fugir dela, manter-se longe das casas festivas, pois chega até nós onde quer que estejamos.
Digito essas linhas na véspera da passagem de ano, quando os foguetes espocam aqui e ali.  E penso que há momentos em que o silêncio é a mais melódica das músicas.

Tudo que começa com raiva acaba em vergonha.
Frase de Benjamin Franklin, personalidade ímpar que dominou todo o espectro do conhecimento humano, seja nas letras ou na ciência, sendo um dos redatores da Constituição dos Estados Unidos e o inventor do para-raios.
Lembrei-me dessa frase ao ler a crônica dominical escrita pelo Caetano Veloso, em O Globo, recentemente. Conta o artista que, numa exibição que deu na Alemanha, explodiu a sua ira contra um casal amigo por causa da barulheira, que ele julgava do público alemão, que a mulher, principalmente, defendeu. Isentava ele de culpa os muitos brasileiros que lá se encontravam para assistir à sua exibição.
-Até Hitler eu citei. - escreveu ele.
E prossegue na sua escrita dizendo, por outras palavras, que constatou, mais tarde, pelos inúmeros shows que tem realizado pelo nosso país, que, na realidade, a plateia brasileira dificulta, com sua barulhada, a atuação dos artistas. E expressa a sua vergonha regressiva por ter sido tão ríspido com aquele casal.
Conheço muitas pessoas, não digo que o Caetano Veloso seja uma delas, que sofrem de TEI - Transtorno Explosivo Intermitente – ou seja, são aqueles que são chamados, popularmente, de “pavios curtos”.  Se após o ato impensado a pessoa se arrepende, menos mal, mas se a raiva fica encruada na alma, ela se encaixa perfeitamente no que Shakespeare escreveu na sua sabedoria infinita sobre o caráter humano: “A raiva é um veneno que bebemos esperando que os outros morram”. (*)
Sendo uma explosão de ira momentânea, sem maiores consequências, isto é, um desabafo, até faz bem a saúde. Como o arsênico ou a estricnina que, dependendo da dosagem, pode ser remédio ou veneno.

Prefiro o paraíso pelo clima, o inferno pela companhia.
Eis uma das muitas frases espirituosas do autor das “Aventuras de Tom Sawyer” e das “Aventuras de Huckleberry Finn”, livros que meu pai me indicou tão logo tomei gosto pela leitura.
 Na ópera Mefistófoles, de Boito, baseada na obra-prima da literatura alemã, “Fausto”, de Goethe, o diabo conduz Fausto até a Grécia antiga, onde ele se encontra com Helena de Troia e suas seguidoras, contribuindo para alongar ainda mais os chifres de Agamenon.
Helena de Troia, Cleópatra, Messalina, entre tantas outras, acredito que estejam no inferno, o que ratifica o que escreveu Mark Twain. Mas o calor que deve fazer lá... É verdade que só em 1902, o americano Willis Carrier inventou o ar condicionado, mas será que já foi instalado lá? Até 1910, ano do falecimento de Mark Twain, certamente que não.
E o paraíso com os anjos tocando harpas? Nada temos contra as harpas, Mark Twain também não, pelo que sabemos, pois ele só registrou para a posteridade o seu desagrado com a ópera Tristão e Isolda, no que concerne à música.
Mas que a harpa, apenas o som dela, unicamente, sem acompanhamento, pois Debussy e Mozart, fizeram-na soar divinamente nas orquestras, é enfadonho, não há dúvidas. Apenas Harpo Marx conseguiu animar sobremaneira a plateia tocando esse instrumento com todos quietos ao redor, inclusive os seus irmãos, o que era uma tarefa quase impossível.
 E estará Harpo Marx no paraíso?... Creio que não, São Pedro não iria admitir bagunça por lá.
Sendo assim, concordamos com o humorista americano.

 A missão  da arte não é copiar a natureza, apenas expressá-la.
Mal entrei no Museu Nacional de Belas Artes, em 1997, quando se realizou a maior exposição de quadros de Monet, no Rio de Janeiro, deparei-me com um menino dizendo para a mãe diante de uma pintura  do mestre:
-Mamãe, está tudo borrado.
Na sua inocência, o guri queria que a arte copiasse a natureza.
Num filme que assisti recentemente, o maestro diz aos seus músicos, antes de acionar a batuta, que queria que eles não retratassem fielmente a partitura e sim que sentissem as notas musicais que estavam à sua frente.  Não queria uma fotografia e sim, uma pintura.
 Como disse Balzac, a arte tem de expressar a natureza, não copiá-la.

(*) Esta frase merecia um capítulo só para ela, junto com “se vai se vingar de alguém, cave duas covas”. Ou a eterna citação, a preferida do redator do seu O BISCOITO MOLHADO “se a lenda é mais forte que a História, publique a lenda”.




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