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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

2553 - Debret esclarece tudo

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4353                           Data: 26 de janeiro  de 2014
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COM DONA LEOPOLDINA
2ª PARTE

-Ela é muito bonita. - disse logo que consegui vislumbrar Dona Leopoldina no meio de tanta pompa e circunstância.
-Mas gordinha. - implicou o Elio.
-Estamos há muitas e muitas décadas do corpo de mulher magricela como padrão de beleza. - argumentei.
No meio de tantos salamaleques, notamos um pintor que registrava aquele momento na sua tela: era Debret.
-O ateliê dele fica no Catumbi. - informou-me o Elio.
A vinda de uma Habsburgo para o Brasil animou muitos imigrantes a se fixarem aqui, como colonos suíços que fundariam Nova Friburgo, além de se espalharem pela terra da futura cidade de Petrópolis.
-Cá está muito tumultuado, Elio; vamos embora.
-Não vai assistir ao primeiro encontro dela com o marido?
Como o meu silêncio, com gestos de contrariedade, significava uma resposta negativa, Elio concordou em sair de lá, consolando-se em dizer que quase não veríamos nada mesmo do lugar em que nos encontrávamos.
O casal se instalou em uma parte da Quinta da Boa Vista, e, passados poucos dias, os dois, montados em cavalos de raça, seguidos por outros cavaleiros, saíram para um evento.
-Para onde vão?- indagou o Elio de um cavalariço.
-Vão caçar nas planícies de Jacarepaguá.
-Pelo porte dela sobre o cavalo, certamente aproveitou bem as aulas de equitação na Áustria. - deduzi.
Quanto a Dom Pedro, foi criado, praticamente, no meio dos cavalos, mas a afinidade do casal, parava nesses animais.
E prosseguiu o Elio:
-Minha mãe me contou que o Chanceler da Áustria, Metternich, soube, por uma carta, que a Corte do Rio é enfadonha e insignificante, que o Príncipe Herdeiro é falho de educação formal, sendo incapaz de coexistir em harmonia.
-Vamos ao Catumbi visitar Debret no seu ateliê. - propus.
Lá, fomos muito bem recebidos pelo grande pintor francês.
-E Dona Leopoldina? - perguntei-lhe.
-É irmã de Maria Luísa, a imperatriz que deu um herdeiro a Napoleão Bonaparte, o que a imperatriz Josefina Bonaparte não conseguiu.
E completou com a expressão desolada:
-De pouco adiantou, pois foi derrotado em Waterloo.
-E o que você pensa de Dona Leopoldina?- mostrei-me curioso.
-Já a conheço, ela evoca a irmã, Maria Luísa, que lhe é muito querida e me encomenda pinturas da flora e fauna brasileiras, principalmente da flora.
-E você?
-Submeto-me a ela, como se o império napoleônico perdurasse, e as ordens partissem da imperatriz Maria Luísa.
 -Dona Leopoldina é muito prendada, conhece profundamente botânica. - interveio o Elio.
-Dona Leopoldina também me falou das rochas. Cá, no Brasil, ela examinou as pedras como Goethe o fizera ao pisar o solo da Itália.
-Ela é também profunda sabedora de mineralogia. - frisou o Elio.
-Debret, você acha que a união dela com Dom Pedro dará certo? - provoquei.
Um esgar sardônico no canto esquerdo da sua boca foi a resposta.
Estávamos, agora, nos conturbados meses de janeiro de 1822. A corte portuguesa, com o rei D. João VI à frente, retornara a Portugal em 25 de abril de 1821, deixando Dom Pedro como regente com poderes contrabalançados por um Conselho de Regência.
A oposição brasileira às tropas portuguesas se acirrou, e o Brasil, dividido, estava à beira do caos.
O ano de 1822 se iniciou com o Dia do Fico, precisamente, no dia 9 de janeiro. Assim, segundo os historiadores, o Brasil escapou de ser desmembrado em vários países, como ocorrera com as colônias espanholas. Com o Fico de Dom Pedro, um novo ministério foi constituído sob a liderança de José Bonifácio.
Carlos, José Bonifácio é a única pessoa desta corte que consegue conversar em alemão com Dona Leopoldina sobre matérias que ela domina: botânica, mineralogia, música, história, política, etc. Eu diria que ela se casou, espiritualmente, com José Bonifácio.
-Dona Maria Leopoldina – corrigi – ela acrescentou Maria ao seu nome para se incorporar mais a este país de tantas Marias.
Em agosto de 1822, o príncipe regente teve de viajar a São Paulo, onde os ânimos estavam exaltados. Antes de partir, ele entregou o poder à Dona Leopoldina, nomeando-a chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente interina do Brasil.
Informada, na ausência do marido, que Portugal se preparava para agir contra o Brasil, ela se aconselhou com José Bonifácio e, com o poder que detinha, assinou, no dia 2 de setembro de 1822, o decreto da independência em que declarava o Brasil separado de Portugal. Em seguida, enviou uma carta a Dom Pedro insistindo em que ele proclamasse a Independência do Brasil.
-Elio, espero que a máquina do tempo não nos jogue no Riacho do Ipiranga, pois não houve grito algum por lá e, muito menos, cavalos garbosos. Tudo isso saiu da imaginação do Pedro Américo...
-Também prefiro ficar no Rio de Janeiro.
E ficamos.
No dia 1º de dezembro de 1822, ela foi coroada imperatriz do Brasil, e o marido sagrado Dom Pedro I, mas nós não comparecemos à cerimônia.
E começaram as desditas dessa extraordinária mulher. Maria Leopoldina sempre fechou os olhos para as escapadas do marido, porque eram encontros fortuitos com mulheres de vários tipos, mas, depois que retornou de São Paulo, trouxe de lá uma amante oficial, Dona Domitila de Castro, a quem concederia o título de Marquesa de Santos. E, para humilhar ainda mais a esposa, deu-lhe o cargo de dama de companhia da imperatriz.
Arrasada, na solidão do seu quarto, Maria Leopoldina lamuriava a triste sorte das mulheres que eram uma simples peça do jogo político entre as nações e do destino traiçoeiro. Recordou-se da tia, Maria Antonieta, esposa de Luís XVI da França, que era chamada pelos franceses de L' Autre chienne (outra cadela) num cruel trocadilho com Autrichiene (Austríaca). 
  -Aqui é o contrário: o povo brasileiro a ama muito; ela é bem mais amada do que Dom Pedro I. - frisei para o Elio, enquanto ela desabafava as suas agruras numa carta à irmã Maria Luísa.
Mas o pior estava para vir. Dom Pedro I decidiu que o beija-mão à regente seria realizado com sua presença junto à Marquesa de Santos. A imperatriz se negou a essa humilhação e o imperador, de gênio ruim, a arrastou, grávida, por alguns metros pelo chão e, quando ela caiu, chutou-a indiferente a seus gritos.
-Ela está grávida. - apavorou-se o Elio.
Dias depois, a imperatriz morreria e, com ela, aquele que seria o oitavo filho do casal.
O povo brasileira, que julgava, na sua maioria, que a sua imperatriz fora envenenada pelo médico da amante do imperador, pôs-se a apedrejar a casa da marquesa de Santos em São Cristóvão.
As notícias chegaram à Europa e a má fama do imperador do Brasil  fez com que todos os pais da nobreza recusassem as suas filhas para ser a segunda esposa de tal bárbaro. Mas sempre aparece alguém, de uma família nobre decadente, pronto a sacrificar uma filha, mas não falaremos da segunda imperatriz do Brasil, pois nossa história se encerra aqui.







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