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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

2541 - A festa



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4341                         Data: 03 de janeiro  de 2014
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EU E ELIO NA DERROCADA DE WALL STREET

-Elio, onde estamos?
-Não vê pelas luzes feéricas, pela movimentação frenética das pessoas, que estamos em Nova York.
-Sem o Empire States Building, eu não reconheço Nova York. - reagi.
-Vivemos os “Loucos Anos 20”. - deslumbrou-se.
E propôs em seguida:
-Vamos tomar um trago para nos refazemos dessa viagem pelo tempo.
-Está maluco, Elio?... ainda vigora a Lei Seca.
-Ora, Carlos, vamos procurar um desses mafiosos que víamos, na televisão, na série “Os Intocáveis”, e conseguiremos três garrafas de uísque, pelo menos.
-Nada de Al Capone, de Lucky Luciano... Não quero saber de bandido barra pesada. Além disso, três garrafas é muito, eu não bebo mais do que uma dose e, ainda assim, com um iceberg no copo.
 -Três garrafas de uísque talvez não sejam suficientes.
E arrematou:
-Quem sabe se o Sérgio Cabral não aparece por aqui.
-Da máfia, só quero conversa com o Frank Sinatra.
-Ele deve ser ainda um garoto. Basta fazer os cálculos: ele nasceu em 1915, estamos nos anos 20...
-Então, o George Raft. - parti para a segunda opção, cortando o que ele falava.
Subitamente, um vórtice nos tragou e fomos cuspidos em outra cidade.
-Olhe, Carlos, o Mount Lee.
-Estou lendo HOLLYWOOD. - disse-lhe.
-Você sabia que cada letra dessa palavra mágica tem 9,1 metros de largura e 14 metros de altura com 4 mil lâmpadas espalhadas entre elas?
-Não vai me dizer, Elio, que você aprendeu isso com Dona Sarita? A sua mãe, pelo que sei, é professora de História.
-Aprendi com o locutor José Maurício. Você sabia?... Eu tinha de sintonizar a Rádio Relógio para não chegar atrasado ao Colégio Militar, se não, eu levaria umas chineladas da minha mãe.
Enquanto ele falava, peguei um jornal e constatei que apenas mudamos de lugar; continuávamos nos anos 20.
-Carlos, já que estamos na terra do cinema, aproveitemos. O que vamos fazer?
-Assistir às filmagens de “Êxtase”, quero ver nua a Afrodite personificada na Hedy Lamarr. - foi a primeira ideia que me ocorreu.
-Carlos, Hedy Lamarr ainda está na Áustria, onde é chamada de Hedwig Eva Maria Kiesler.
-Já sei, só depois da ascensão de Hitler, ela abandonou o marido estúpido, fugiu da Europa e veio para cá, quando recebeu o pseudônimo de Hedy Lamarr.- manifestei-me, irritadiço, porque o Elio me trouxe à realidade, que, em Hollywood, não era tão real assim.
-Veja, Carlos, a mansão do Charles Chaplin. - apontou depois de caminharmos um bom pedaço de chão.
-Ele, que foi um menino de rua em Londres e por pouco não se transformou em pivete, nos verá com comiseração.
-Parecemos tão maltrapilhos assim, Carlos?... - espantou-se o Elio, que ainda mantinha a sua camisa de seda pura.
Charles Chaplin e Douglas Fairbanks jogavam tênis; eu e o Elio nos aproximamos dos dois e oferecemos nossos serviços de boleiros.
-Vocês são bem grandinhos, mas se forem rápidos como os garotos... - acatou a nossa oferta com reservas o Charles Chaplin.
Douglas Fairbanks se limitou a menear a cabeça afirmativamente, e nós passamos a pegar aquelas malditas bolinhas.
-Elio, eles estão muito longe do brilhantismo do Roger Federer.
-Fala, baixo, se não, perdemos o emprego.
A chegada intempestiva da Mary Pickford, esposa do Douglas Fairbanks, ordenando que o marido fosse para casa, acabou com o jogo.
-É uma cadela. - ciciou o Carlitos, quando só ficamos os três na quadra de tênis.
De repente, ele nos assombrou com uma pergunta inesperada:
-O que vocês acham de eu vender todas as minhas ações? Li um artigo que diz que os preços de Wall Street já subiram demasiadamente.
-Vende tudo, Carlitos, tudo. - aconselhei-o com uma sofreguidão que o levou a rir.
-Venderei ainda hoje.
E prosseguiu atento a nós:
-Tomem esses dólares e dois convites para uma festa na mansão de um dos meus vizinhos, ator de cinema, naturalmente.
Mal o Elio se despediu do artista mais popular da arte cinematográfica, não desgrudou os olhos do convite.
-Carlos, é uma festa daqui a um mês com todo o mundo nu.
-Então, estou fora.
-Não sei, Carlos... É só pensar que estamos numa praia de nudismo.
-Por já ter pensado, resolvi não ir.
-Olha, aquele ali não é o pai do John Kennedy? - desviou-se a sua atenção.
-Ele tem uma amante em Hollywood, a atriz Gloria Swanson. Veio encontrar-se com ela. - imaginei.
-Mas o encontro dele agora é um engraxate. - assinalou.
Nós nos aproximamos dos dois e chegamos a ouvir o engraxate falando das suas ações em Wall Street. Enquanto o rapaz, com a roupa manchada de graxa se afastava, Joseph Kennedy murmurou:
-Se até os engraxates estão ganhando dinheiro com ações, é hora de eu vender tudo.
E a máquina do tempo nos trouxe de volta a Nova York.
-Elio, o dia 24 de outubro de 1929 se aproxima; temos de estar em Wall Street.
-A Quinta-Feira Negra... - disse ele com a entonação macabra dos locutores de história de terror. (*)
No caminho, Elio observou o delírio de grandeza de que todos os americanos estavam possuídos.
-Carlos, é inacreditável que, em pouco tempo, eles passarão de um extremo ao outro.
-Os juros estão muito baixos; eles compram ações através de empréstimos bancários. Iludem-se com o lucro obtido e se endividam ainda mais, e uma bolha é inflada cada vez mais. Quando a bolha estourar, e os preços das ações despencarem, eles constataram que devem muito mais do que possuem.  Sem receber dos devedores, os bancos quebrarão.
E fui adiante:
-Mas isso não será só com as ações. As mercadorias não terão compradores, a superprodução agrícola apodrecerá nas fazendas, pois a crise atingirá todo o mundo ocidental.
Já em Wall Street, testemunhamos o pânico que tomava conta da multidão. Naquele clima assustador, duas frases se sobressaíam: “Vendam tudo”, “Ninguém quer comprar”.
Um suicida se atirou de um prédio e, por pouco, não atingiu o Elio.
-Cuidado, Carlos.
Era a minha vez de correr para não ser esmagado por outro suicida.
-Vamos sair daqui.
-Claro. - acatei rapidamente a ordem do Elio.
-Será que ainda dá tempo de ir àquela festa de Hollywood? - perguntou-me já refeito do susto.
-Elio, todos de Hollywood eram investidores da bolsa; a festa, com toda certeza, foi suspensa.

(*) A quebra da Bolsa em Nova Iorque foi um processo, não ocorreu apenas em um dia. Considera-se que o ciclo dessa quebra encerrou-se em 1954. Da wikipedia:
No dia 24 de outubro de 1929, que ficou conhecida como Quinta-Feira Negra, ocorreu o crash (quebra) da bolsa de valores de New York. Nesse dia, as bolsas perderam 11% do seu valor em negociações muito fortes. Vários líderes banqueiros da Wall Street se reuniram para encontrar uma solução para o pânico e caos no pregão. O encontro contou com Thomas Lamont, chefe interino do Morgan Bank, Albert Wiggin, chefe do Chase National Bank e Charles E. Mitchell, presidente do National City Bank of New York. Eles escolheram Richard Whitney, vice-presidente da Bolsa, para agir em seu nome. Com os banqueiros e seus recursos financeiros, Whitney colocou uma oferta de compra de um grande bloco de ações na U.S. Steel a um preço bem acima do mercado e muitos investidores de ações quiseram vender rapidamente suas ações. 6.091.870 títulos financeiros foram rapidamente vendidos no mesmo dia, tornando-se o terceiro maior volume de negócios da história da bolsa.
Essa quebra fez com que empresas e bancos fossem a falência e o valor das bolsas caiu muito de um dia para o outro. Essa quebra repercutiu na maior parte dos países capitalistas. Muitas pessoas perderam o emprego, havia pânico entre as pessoas, levando algumas ao suicídio, inclusive 11 especuladores da bolsa. O desemprego aumentou a produção industrial americana ficou reduzida a 54%. O mercado perdeu mais de 30 bilhões de dólares em dois dias.9
O mercado continuou a cair, chegando a um número negativo histórico em 13 de novembro de 1929, com 198,60. O mercado se recuperou durante vários meses, atingindo um pico de fechamento secundário de 294,07 em 17 de abril de 1930, antes de embarcar em um outro pico negativo, no entanto esse foi mais forte, quando o Dow fechou em 41,22, o mais baixo do século 20. Não voltaria a se recuperar entre setembro de 1929 até novembro de 1954.







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