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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

2552 - o Imperial Biscoito



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4352                       Data: 24 de janeiro  de 2014
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COM DONA LEOPOLDINA

-Carlos, estamos numa igreja?- perguntou o Elio ainda perturbado com a viagem pelo tempo.
-As cruzes e as imagens respondem que sim.
-Nada tenho contra os católicos, mas preferia estar numa sinagoga.
-Confesso que me sinto um tanto angustiado nas igrejas.
Por essas palavras, fui admoestado pelo Elio.
-Sua formação é católica, reze como todos os que aqui estão.
-Eles rezam o Credo e foi justamente por não ter decorado essa oração na aula de catecismo que desisti de fazer a primeira comunhão, depois de ser repreendido pela professora. Mas fui crismado porque a minha mãe insistiu.
-E, depois, não memorizou o Credo?
-Elio, eu já gostava de óperas e o Credo que eu memorizei foi do Iago, da ópera de Verdi que, pode-se dizer, é uma oração do diabo.
-Olha, Carlos, aquele padre encapuzado, esgueirando pelos cantos, como um criminoso, que traz pela mão uma freira.
Quando o casal passou por nós, uma lufada de vento, que veio por uma porta escancarada, levantou-lhe o capuz.
-Se estivéssemos no Brasil do tempo de Dom João VI, eu diria que este homem disfarçado de religioso para namorar a freira é Dom Pedro.
Elio me ouviu, afastou-se um pouco, conversou com uma beata e veio de volta agitado.
-Carlos, estamos mesmo no Brasil do tempo de Dom João VI. 
-Não sei se você sabe, Elio, mas Dom Pedro fez filhos até em freiras.
-Claro que sei – indignou-se – minha mãe é professora de História do Brasil.
-Imaginei que Dona Sarita não lhe falasse das peripécias de Dom Pedro, que foi um reprodutor que espalhou bastardos por todo o Brasil.
-Lá em casa não existia censura. - afirmou peremptoriamente.
Saímos da igreja e, pouco depois, fomos nos atualizando paulatinamente: o Brasil já fora elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, estávamos em 1816 e os diplomatas negociavam o casamento do príncipe herdeiro do trono português, Pedro de Alcântara, filho de Dom João VI e Carlota Joaquina.
-Pobre da mulher que casar com esse sátiro selvagem! - exclamei.
-Ela será Dona Leopoldina.
-Eu sei, Elio. Os diplomatas conseguirão um êxito insuperável: ligar os Braganças aos Habsburgos da Áustria, a família mais credenciada da Europa, que impera desde 1273.
-Encabeçou as negociações desse casamento o Marquês de Marialva, que é de uma eficiência incomum nas tarefas que lhe incumbem. (*)
E acrescentou o Elio:
Ele é amigo de grandes sábios da Europa, como Alexander von  Humboldt, que o aconselhou a trazer a Missão Francesa para o Brasil.
-Grandes artistas da França se viram órfãos com a derrocada do império napoleônico. - lembrei.
-Sim; Debret, por exemplo, era primo de David, o pintor oficial, podemos dizer, de Napoleão Bonaparte.
-A capacidade do Marquês da Marialva prejudicará futuramente a nossa imperatriz. - pensei em voz alta.
-Dom João VI tudo fez para que fosse incluída a infanta Dona Isabel Maria nas negociações matrimoniais, mas ela morreria solteira com 75 anos de idade.
-O Marquês de Marialva não poderia fazer milagres. - comentei com um jeito moleque de quem não quer perder a piada.
-Com esse casamento, Portugal não continua tão submetido ao jugo político da Inglaterra, e a Áustria, por sua vez, fica com maior participação no comércio de produtos tropicais.
-Sim, Elio, a família Habsburgo tem possibilidades de executar mil variações no xadrez político, pois eles procriam como coelhos; o imperador Francisco I do Sacro Império Romano e Germânico e a imperatriz Maria Teresa da Áustria tiveram dezesseis filhos; Maria Leopoldina, por sua vez, é a sexta filha de Francisco I da Áustria com Maria Teresa de Boubon-Sicília.  
Estávamos agora eu e Elio em plena Viena no dia 13 de maio de 1817.
-Elio, temos a oportunidade de ver Beethoven compor. - entusiasmei-me.
-Você enlouqueceu?... Com o mau-humor dele, nos arremessará um urinol de mijo se aparecermos para perturbá-lo no momento do trabalho. Se ele estiver compondo, então, a sua ópera, aquela que, segundo ele, lhe provocou as piores dores que sentiu ao criar, ele nos matará.
Meu entusiasmo, no entanto, não arrefeceu:
-Acredito que o sucesso do Barbeiro de Sevilha, de Rossini, já chegou a Viena, vamos a um teatro assistir a ela.
-Carlos, nós aqui estamos para presenciar o casamento por procuração de Dom Pedro com Dona Leopoldina. - chamou-me à realidade.
E o que eu julgava uma simples assinatura de papel de uma parte e da outra, não o foi. A cerimônia foi celebrada pelo Arcebispo de Viena, na igreja de Santo Agostinho. O arquiduque Carlos Luís representou o filho do rei de Portugal Dom João VI.
Eu e Elio aproveitamos e fomos até o castelo de Schönbrunn, onde vivia a dinastia Habsburgo.
Fiquei embevecido:
-Carlos, a Quinta da Boa Vista comparada com esse palácio é como um quarto de empregada.
-O castelo de Schönbrunn é o Palácio de Versalhes dos austríacos; aqui nasceu e mora nossa futura imperatriz.
-E ainda vai aturar Dom Pedro... - penalizei-me.
-Não caminhamos uma décima parte do castelo e vimos livros, muitos livros, instrumentos musicais, salas que mais pareciam de colégios e não deixavam de sê-lo pelo material para estudos científicos que lá se encontravam.
-Com exceção dos pianos e violinos, acredito que nada disso tenha na Quinta da Boa vista.
-Alguns livros talvez. - contemporizou o Elio.
-Essa perspicácia do Marquês de Marialva... - balancei negativamente a cabeça.
 Menos de três semanas depois das núpcias por assinatura, o Marquês de Marialva deu uma suntuosa recepção, que preparou durante esse tempo todo para exibir o esplendor, a hospitalidade, a exuberância da nação tropical onde a esposa do príncipe herdeiro de Portugal, Brasil e Algarves moraria.
E duas fragatas austríacas, a Áustria e a Augusta, partiram para o Rio de Janeiro com os móveis e decorações para a recém-instalada embaixada austríaca e com equipamentos para uma expedição científica, além de numerosas mostra de produtos comerciais.
 De volta ao Brasil, eu e Elio, aguardávamos, em dezembro de 1817, a embarcação que trazia da Europa a futura imperatriz do Brasil.
-Carlos, apesar de o casamento já ter sido realizado em maio deste ano, veja o séquito real que prepararam.
-Dona Leopoldina é uma das minhas grandes admirações.
-Há muita pompa e circunstância, mas quando ela conhecer pessoalmente esses nobres, sentirá grande diferença com aqueles com quem se acostumou a lidar na Áustria.
-Sim, Elio, mas temos José Bonifácio, que a fará se sentir em casa pela sua sabedoria e polidez.
-Mas ele não pertence à nobreza. - frisou.
Houve uma agitação popular; a embarcação que vinha da Europa com a futura imperatriz do Brasil fora vista no horizonte.
A Galeota Real, construída há oito anos, uma pequena galé movida a remos, foi até lá para trazer aquela mulher que agitava a imaginação de todos.
Minutos depois, ela pisava o chão do Brasil.

(*) Fica-se imaginando se a eficiência do Marquês de Marialva daria jeito na atual Corte brasileira de Sarneys, Calheiros, Dilmas e Lulas.



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