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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

2267 - É tudo verdade


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4067                             Data: 19  de novembro de 2012
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73ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

-Conhecido em todos os Estados Unidos depois de criar mais um ilusionismo, a invasão da terra pelos marcianos...
-O que eu fazia desde os 4 anos de idade.- interrompeu-me.
-Famoso, Hollywood o procurou e foi celebrado um contrato sem precedentes: o direito de fazer um filme por ano e de escolher assuntos, técnicos e elenco; 150 mil dólares de adiantamento, garantia de 25% da receita bruta e de total independência para trabalhar. Surgiu, assim, O Cidadão Kane. - entusiasmei-me.
-Falar desse filme me tomará muito tempo e eu não tenho toda a eternidade. - disse, enquanto expressava ironia no rosto.
-Deixe-me apenas ler o trecho de um estudioso de cinema.
Saquei um livro da estante, e li:
-Cidadão Kane é, de longe, o filme mais dissecado da história do cinema. Incontáveis ensaios escritos a seu respeito inibem qualquer pretensão de abordá-lo com originalidade, só restando repetir o que já foi dito: sua estrutura elíptica aliada à atmosfera barroca, à montagem enxuta e à descoberta de que os objetivos existentes na época poderiam proporcionar a profundidade de campo, até então nunca vista, fizeram de Kane o filme mais perturbador de todos os tempos.
-Porque foi realizada uma obra de arte, o faturamento não foi elevado, e você não enriqueceu com os 25% da receita.
-Não penso em meu trabalho nestes termos. É tão reles trabalhar com o interesse de prosperidade quanto trabalhar com a cobiça do dinheiro.
-Em seguida, você escreve o roteiro de Soberba, baseado no romance de Booth Tarkington, e parte para a filmagem.
-Consegui uma boa equipe. A música esta a cargo de Bernard Herrmann. Houve algum compositor de cinema que o superasse?
Era uma pergunta retórica, pois prosseguiu sem tomar fôlego:
-Fotografia de Stanley Cortez, montagem de Robert Wise. Intérpretes: Joseph Cotten, Anne Baxter, Agnes Morehead, Tim Holt, Everett Sloane, Dolores Costelo.
-E filmou quilômetros de fotogramas.
-Faltava apenas fazer a montagem, quando fui convocado, naquele tempo de guerra, a realizar um filme no Brasil.
-Tratava-se da política de Boa Vizinhança do presidente Roosevelt. -disse.
-Vim para realizar  It´s All True, “É Tudo Verdade”. Participei até de uma reunião com o presidente Getúlio Vargas.
-Sei que a sua intenção era só artística, e não política, quando veio ao Brasil.
-Meu projeto para o filme constava de três episódios: a história do samba, rodado no Rio de Janeiro; a religiosidade do povo, rodado na Semana Santa, em Ouro Preto; e a saga dos jangadeiros, rodado do norte até o Rio de Janeiro, com a viagem do Jacaré.
-Você, na época, namorava a atriz Rita Moreno, que permaneceu nos Estados Unidos. Ela lhe comunicou de lá que o compromisso estava desfeito.
-Fiquei furioso; quebrei o que estava por perto no meu quarto do Copacabana Palace e atirei peças do mobiliário pela janela, que caíram na piscina.
-Você não repetia a reação do Cidadão Kane, quando foi abandonado pela Susan Alexander?
-Eu não estava só furioso, também estava bêbado.
-Você filmou Grande Otelo, Herivelto Martins, os sambistas e as favelas, além da morte do Jacaré, tragado pelas ondas do mar, depois de apresentar as reivindicações dos jangadeiros ao governo getulista. Há quem diga que, nas filmagens do “É Tudo Verdade” se encontra o neorrealismo que os italianos fariam em seguida, no entanto, a RKO relegou três meses de trabalho à poeira dos arquivos; o filme não chegou às telas.
 -Filmei favelas, gente pobre e isso não agradou o Departamento de Imprensa e Propaganda do governo brasileiro, que protestou, queria que eu mostrasse um Brasil cor de rosa, como se eu fosse um artista engajado.
-Ao mesmo tempo, Orson Welles, saíram os seus amigos da direção da RKO e entrou gente que só via cifrões no horizonte e, consequentemente, nutriam hostilidade por você.
-Eles não esperaram a minha volta para a montagem da Soberba, e fizeram uma lambança.
-Cortaram mais de meia hora de fita, o seu filme foi estupidamente mutilado.  Transformaram uma grande obra em mediana.
-1942 não foi um bom ano para mim: a RKO rompeu o contrato comigo; Soberba foi estragado, e It´is All True foi relegado aos ratos dos porões de Hollywood. Parecia que faziam guerra também a mim.
-A partir de então subiram as barreiras para impedir que você voltasse a direção de uma película.
-Atuei como ator, no filme Jane Eyre, no ano seguinte, 1943, escrevi artigos nos jornais, e me casei com Rita Hayworth.
-Mas ainda era repelido pela indústria cinematográfica.
-Sim, a RKO havia denunciado o meu contrato com tamanho escândalo, que eu reagi, com isso, sofri por anos uma espécie de assédio moral. Sempre que ia procurava um produtor, eles me diziam que eu era um homem de teatro, que lá era o meu lugar.
-E você amava o cinema.
-A partir de certo instante de minha vida apaixonei-me irremediavelmente pelo cinema; e jamais consegui vencer essa paixão.
-Em 1946, o produtor Sam Spiegel o chamou para dirigir e escrever um roteiro com John Houston e Anthony Veiller baseado em uma novela de Victor Trivas, e surgiu O Estranho.
-Não foi êxito de bilheteria, além de não se encontrar entre as melhores coisas que fiz.
-Reza a lenda que, no ano seguinte, 1947, passando por uma cabina telefônica, você resolveu ligar para Harry Cohn, o todo-poderoso, inventando que tinha um projeto barato, 50 mil dólares, com sucesso de público garantido. Para sua surpresa, ele aceitou, surpreendendo-o, e perguntou qual seria a história. Você pegou, então, uma revista policial esquecida na cabine e leu o título: “A Dama de Xangai”, uma novela de Sherwood King.
 -Não foi exatamente isso; o fato de a minha esposa, Rita Hayworth representar a protagonista foi fundamental para eles investirem na minha ideia.
-Nessa mesma época, você se entrevistou com Charles Chaplin, contou-lhe a história de “Monsieur Verdoux”, que não podia colocar em celulóides por falta de produtores, ele fez o filme e omitiu seu nome.
-É verdade, entrei com um processo contra ele, venci, e o Monsieur Verdoux vai às telas com os dizeres: “baseado numa ideia de Orson Welles.” Quase cometi pecado parecido, retirei o nome do. Herman J. Mankiewicz, que escreveu o roteiro do Cidadão Kane comigo, porque vivia bêbado, mas voltei atrás, pois sem as valiosas informações que ele me dera eu não poderia ir muito adiante.
-Mas falemos de A Dama de Xangai, Welles, é uma obra-prima do “film noir.”
-Mostrei a maior diva de Hollywood, na época, com o personagem Elsa Bannister, de cabelo curto, manipulando as pessoas, enredando-se num jogo de aparências e dissimulações, com o objetivo de aumentar sua conta bancária; matando, se necessário fosse. Ora, os produtores de Hollywood ficaram de cabelo em pé, porque a Rita Hayworth não estava destinada a representar vilãs, o que deslustraria a sua imagem.
-A cena final dos espelhos, no bairro chinês, é um achado de gênio. - vibrei.
-A Dama de Xangai não me ajudou muito, porque fui de encontro às razões mercadológicas dos barões de Hollywood. - declarou Orson Welles.





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