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terça-feira, 13 de novembro de 2012

2259 - vai ter siesta na ANTAQ


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4059                                Data: 08  de novembro de 2012
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UMA CORRIDA DE TÁXI LONGA

Subi a Rua Vlamink e descia a Van Gogh. Faltariam ainda um trecho da Avenida Suburbana, o beco até a estação de Del Castilho e quarenta e cinco degraus de escada. Depois, o metrô, não muito cheio às 6h da manhã, mas viajando de pé, num ar condicionado que está longe de lembrar o dos bancos. Ainda na Van Gogh, resolvi permitir-me um conforto, ainda que custasse 30 reais: pegar um táxi.
A essa hora, vários taxistas da Metrô Táxi costumam fazer ponto nessa rua, porém, divisei ao longe, quase na esquina com a avenida Suburbana, apenas dois táxis. De repente, sai da Rua Utrillo, deixando-me para trás um cidadão bem vestido. Imaginei que ele pegaria um dos dois táxis, e pegou. Já mais perto, vi que entrou no carro do 009, o Gaguinho. Vi-me, então, obrigado a entrar no que sobrou, cujo motorista eu não conhecia. Enquanto afivelava o cinto e anunciava para onde ia, lamentei a minha falta de sorte.
-O senhor não costuma ficar no ponto da Domingo de Magalhães entre 4h 30min e 5h?
-Não, eu pego no táxi cedo e largo às 4h da tarde.
-Conheço toda aquela turma. O que saiu agora foi o Claudio, não foi?- evitei falar o seu apelido.
-Sim, o 009. Ele entrou nesse financiamento a longo, a juros baixos, para ficar com carro do ano, mas eu não sou favorável, pois os impostos que incidem nos veículos são altíssimos.
Minha decepção passou rapidamente, ele gostava de conversar, o que tornaria a viagem mais agradável. Com o Gaguinho, só teríamos de falar praticamente, da busca de uma bolsa de estudos pelo seu filho adolescente no Colégio-Universidade Castelo Branco, através da prática de handball pela escola.
-O senhor conhece o Bob Esponja? - citei o apelido sem me represar com cerimônias.
-O Bob Esponja... - titubeou.
-Os seus colegas falaram em Ricardo, o Bob Esponja. Eu, na hora, estranhei, porque Bob está ligado a Roberto.
Reportei-me, em silêncio, ao Roberto Dieckmann, que sempre se apresenta no restaurante Jirau como Bob.
-É o 151?
-Esse mesmo. - respondi.
-Ele se parece mesmo com o Bob Esponja. - manifestou-se infantilmente.
-Não é isso, pelo que me explicaram, o apelido é porque ele bebe como uma esponja.
-Eu já o vi num boteco com uns copos de cerveja.
-E ele já teve problemas com diabetes.
-Esse pessoal não se cuida e, depois, sofrerá com as consequências. - expressou sua apreensão.
-O 081 tem um problema mais sério, de diabetes, já perdeu um dedo do pé. - aproveitei a doença para trazer à baila outro taxista da cooperativa.
-O carro do 081  é o pior da frota, ele é relaxado.
-E é o mais rico, o que é uma agravante. - manifestei-me.
-Dizem que ele tem mais de 20 imóveis, que vende pão.
-Deveria mesmo largar aquele cacareco. Certa vez, havia um problema no banco do carona e eu viajei quase com a cara no parabrisa. Até hoje não sei por que não o fiz o 081 parar o carro.
-Eu conheço a filha da amante dele, é muito bonita. - interrompeu-me.
-Disseram-me que ele tem umas mulheres espalhadas na redondeza.
-E não passa para um carro melhor. - voltou a criticar.
-Sobre a diabetes, ele me disse que o médico ordenou que caminhasse. Ele me disse que caminha pensando nos passageiros que está perdendo. - mexeriquei.
-Esses portugueses não param de trabalhar.
-O Demerval (Paizão) contou que, conversando com o irmão do 081, ele falou que tiveram de sobreviver, ainda pequenos, em Portugal. Se os dois pararem de trabalhar, morrem.
-Mas tem de haver momentos de lazer. - enfatizou.
-Parece que o lazer dele é o trabalho. - concluí.
-Você falou no Demerval, ele é um senhor saudável.
-Demerval me contou parte da sua história de trabalhador; deu um duro danado. Agora, com 76 anos de idade, sai com o táxi às 4h 30min da tarde e volta pra casa às 11h da noite sem preocupação de chegar a uma determinada quantia. Só sai com o táxi para não enferrujar a cabeça. Ele me disse que, muitas vezes, a primeira corrida do dia é comigo.
-Essa preocupação com as férias do dia estressa mesmo. - acentuou.
Voltei a falar no Bob Esponja.
-Ele me disse que pega no táxi cedinho...
E completei:
-É verdade porque quase sempre o vejo quando desço a Van Gogh às 6h da manhã.
-Começa cedo mesmo. - confirmou.
-Disse-me que, por volta do meio-dia, vai para casa, faz a sesta, e volta para trabalhar a tarde.
Percebendo que o taxista estava atento, prossegui com minha prosa.
-Eu tenho um cunhado que possui um táxi, guia pela Cooparioca. Está com 67 anos e dirige há uns 40. Atualmente, ele começa às 3h 30min da manhã e larga entre 10h 30min e 11h.
-Muitas vezes se pega boas corridas nesse período. - aparteou.
-Ele me disse que o taxista faz a sesta para, depois, retornar à praça, mas não consegue descansar, porque não se desliga do trabalho que prosseguirá à tarde.
-É verdade; você fica com aquilo na cabeça, que tem de apanhar mais passageiros de tarde, que não descansa. - concordou.
-O Bob Esponja, pela experiência do meu cunhado, deveria procurar outra coisa para descansar o cérebro, não uma dormidinha depois do almoço.
Agora, era ele que falava, e eu ouvia, atento.
-Estou na praça há vinte anos. Em casa, eu via o táxi na garagem e ficava agoniado para sair pegando passageiros.  Muitas vezes, era hora de eu descansar, mas logo me vinha a imagem do táxi lá na garagem.
Era um obcecado por trabalho, o que me deixou abismado, pois a sua fala era tranquila e a sua gesticulação era quase nenhuma. Aumentou, então, o meu interesse pelo seu discurso.
-Arrumei um motorista para rodar na hora que eu paro com o táxi, e, assim, não vejo o carro na garagem, esqueço a praça e relaxo.
De repente, ele já dobrava a esquina das avenidas Presidente Vargas e Rio Branco. Embora ele não tivesse acelerado, a corrida foi muito rápida.
-Vai ficar onde?
-Vou ficar entre a Sete de Setembro e a Assembleia, no lado esquerdo.
Saltei no lugar indicado e nos despedimos com um até outro dia.



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