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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

2262 - os amigos de Voltaire

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4062                                Data: 12  de novembro de 2012
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72ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

-Seus livros Cartas Filosóficas e Cartas sobre os ingleses desagradaram os poderosos da França e foram censurados, Voltaire.
-Tive de buscar refúgio no Castelo de Cirey. Lá, procurei abordar de uma maneira nova as tragédias. Assim, surgiram Zaire, A morte de César e Mérope.
Apesar das perseguições, você foi admitido na Academia Francesa.
-Isso aconteceu em 1746, quando eu estava com 52 anos de idade. Eles gostavam mais da minha poesia.
-Depois, você recebeu um convite do rei da Prússia Frederico II, o Grande, que queria beber a sua sabedoria, para trabalhar com ele.
-Nós já nos correspondíamos por carta há algum tempo. Aceitei o convite e fui viver na corte de Potsdam
-Ele era um dos chamados Déspotas Esclarecidos, como Catarina da Rússia.
-Frederico II era apaixonado pelas artes, em geral, e pela filosofia francesa. Foi chamado de o rei filósofo, sem deixar de ser militar; foi ele que tornou a Prússia poderosa, unificando-a. - lembrou Voltaire.
-Era apaixonado pela música. Tocava flauta tão bem, que os cortesões diziam a verdade, quando o elogiavam. Deixou sonatas e concertos para esse instrumento que não desagradam os ouvidos.
-Frederico II se entrevistou muitas vezes com os filhos de Bach e com o próprio patriarca. - acrescentou.
-Lá, você pôde trabalhar?
-Escrevi o conto filosófico Zadig, O século de Luís XIV e Micrômegas.
E acrecentou:
-Mas a paz não durou muito, eu e Frederico II nos desentendemos, e mudei-me para Genebra.
-Mas sempre criando, Voltaire.
-Em Genebra, deixei os católicos irados com A donzela de Orleans, e também os protestantes com Ensaio sobre oscostumes. Lá, critiquei também as ideias de Rousseau.
-Você tinha lido O bom selvagem, em que Jean-Jacques Rousseau  afirma que o homem é bom, por natureza, nasceu livre e que sua maldade provém da sociedade...
Depois da leitura desse livro, eu disse que já estava muito velho para voltar a andar de quatro.
-Você criou o conto filosófico e o mais célebre é Cândido, em que critica, principalmente, o pensamento do filósofo alemão Leibniz e dos seus continuadores no personagem Professor Pangloss.
-Essa história de que vivemos no melhor dos mundos... O terremoto de Lisboa, para não citar os males suscitados pelo homem, demonstrou que não é bem assim.
-Não podemos negar o brilhantismo de Leibniz que, sendo também matemático, inventou o cálculo diferencial sem conhecer o trabalho de Newton nessa matéria. - ponderei.
-No concerto dos gênios de todos os tempos, Isaac Newton é o regente. - declarou Voltaire.
-Você também nutria uma grande admiração por Virgílio.
-A uma madame que me pediu conselhos sobre as melhores poesia para serem lidas, sugeri que aprendesse latim para ler Virgílio. Há muitos bons poetas com ótimas poesias, mas Virgílio paira sobre todos.
-Não foi à toa que Virgílio guiou Dante até a porta do paraíso na Comédia Humana. - assinalei.
-Uns 1500 anos depois de morto, Virgílio ainda influenciou marcantemente Camões, quando ele escreveu Os Lusíadas. - frisou.
-Com os contos filosóficos, você recrudesceu ainda mais a sua oposição ao que havia de errado, sem perder nunca a sua espirituosidade.
-Em Jeannot e Colin, ataquei os aproveitadores; em O ingênuo, os abusos políticos; em O homem de quarenta escudos, a corrupção e a desigualdade das riquezas.
-Você, Voltaire, colocou à mostra as vísceras da deficiência jurídica r do fanatismo religioso em mais um livro Tratado sobre a tolerância.
-Em  Tratado sobre a tolerância, eu celebro o triunfo da razão.
-No ano seguinte, 1764, veio o Dicionário Filosófico.
-Isso mesmo. - confirmou.
-Dei boas gargalhadas ao lê-lo, pena que chegou às minhas mãos, através de um sebão, incompleto.
-Havia alguns homens de sabedoria em França, naquela época, poucos, é verdade, mas que eu lia, apesar de o meu tempo ser quase todo tomado pela escrita,
-Voltaire, mesmo privando, por algum tempo, da intimidade de reis, como Frederico II, você manuscreveu que não importava a estatura de um monarca, ele deveria, antes de punir um servo, submetê-lo a todos os procedimentos legais, e, se for o caso, executar a pena. E mais: se um príncipe punisse e regesse de acordo com o seu bem-estar, seria um salteador de estradas a quem tratam de Sua Majestade.
-Isso mesmo, e o que falei dos monarcas vale para aqueles de detém ou detiveram o poder.
Ouvi essas palavras, pensei no Brasil, mas não explorei esse tema.
-Voltaire, você foi escritor, ensaísta, filósofo, poeta, dramaturgo, polemista.
-Parece que fui muitos. - disse com modéstia.
-As suas ideias influenciaram os pais da independência dos Estados Unidos, em 1776, e os líderes da Revolução Francesa, em 1789.
-Morri dois anos depois da independência americana e fui amigo de Benjamin Franklin, quando ele era embaixador dos Estados Unidos na França.
-Na Revolução Francesa, você já estava morto. Suas reflexões e de outros filósofos iluministas a provocaram; caíram a monarquia absolutista e os privilégios clerical, mas depois a revolução se desvirtuou; houve muito fanatismo, que você  tanto combateu. Mas isso é outra história.
-Dois meses antes da minha morte, iniciei-me na maçonaria. A cerimônia foi muito concorrida na Loja Les Neuf Soeurs, em Paris. Entrei no Templo com o apoio do braço de Benjamin Franklin. Participaram da cerimônia 250 irmãos sob a presidência  do Venerável Mestre Lalande. Eu portava o avental de Helvetius, que me fora cedido pela viúva dele para essa ocasião.
-Você recebeu muitas homenagens em 1778, ano da sua morte.
-Sim, eu fui festejado, em Paris, pela Academia e pela Comédie-Française, quando inauguraram meu busto. Mas o que me importava mesmo era que os meus pensamentos se tornassem realidade.
-Em maio de 1778, você morreu. A sua família diligenciou que o seu enterro ocorresse na abadia de Scellieres, e o prior rapidamente consentiu. Mas o bispo de Troyes enviou uma nota proibindo as exéquias em terras sagradas, então o prior respondeu que a ordem chegara atrasado, pois você já tinha sido enterrado.
-Minha hostilidade ao clero, minha entrada para a maçonaria...
-Com a Revolução Francesa, os seus restos mortais foram transportados em triunfo ao Panteão de Paris, onde era a Igreja de Santa Genoveva, dedicado aos grandes filhos da mãe Pátria. Do lado oposto ao seu túmulo, encontra-se a cripta de Jean-Jacques Rousseau.
Era um dos seus desafetos, mas ele se mostrou indiferente.
-E a minha imensa obra que se encontrava espalhada não só pela França, como por outros países? - crispou o rosto de  preocupação.
-Beaumarchais, que criou para teatro obras-primas, como as peças sobre o “Barbeiro de Sevilha”, além de se dedicar a tudo, inclusive contrabando de armas para a independência dos Estados Unidos, tornou-se  editor de livros e reuniu quase toda a sua obra, publicando-a em seguida.
-Eu disse para Beaumarchais que ele não seria tão bom autor quanto Molière porque gostava demais de viver.
-Viver a agitação das ruas. - acrescentei.
-Escrever é uma espécie de sacerdócio.
-Voltaire, pelos seus pensamentos, transcritos em dezenas de milhares de páginas, o século XVIII foi chamado de “O século de Voltaire”.
Não sei se ouviu as minhas palavras quando se desvaneceu no éter.

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