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terça-feira, 27 de novembro de 2012

2265 - intimidade é fogo

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4065                                Data: 17  de novembro de 2012
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OS TAXISTAS DE MARIA DA GRAÇA

Quando entrei no táxi que ponteava a fila, percebi que o motorista não me era familiar, por isso me surpreendi quando ele me tratou com uma efusão, que não adjetivo de política, porque me pareceu sincera.
-Como vai?... Está tudo bem?... Eu o vejo muitas vezes.
Mas eu não o vejo. Será que ele é um dos taxistas que enfiam no carro e não saem para conversar, como os demais, na hora que desço a Rua Van Gogh em direção à estação do metrô de Del Castilho?
Respondi a sua saudação e anunciei que íamos para a Rua Modigliani.
-Vamos para lá. - bradou com a sua voz sonora.
Não percorreu 50 metros e comentou:
-Olha, olha o lixo que essa gente acumula na calçada.
Voltou-se para mim e me surpreendeu de novo:
-Qual é o seu nome?
Era o primeiro dos muitos taxistas da cooperativa que perguntava o meu nome. Os outros me tratam de você, senhor, amigo, meu nobre, ele, agora, era o único da cooperativa a saber que eu me chamava Carlos.
-Carlos, essa gente não tem a mínima noção de limpeza. As calçadas se tornam um depósito de lixo.
-Há duas semanas, a reportagem da TV Record apareceu na escola perto da minha casa, porque denunciaram a diretora que obrigava os alunos a limparem as salas de aula antes da saída.
-Sujou, tem de limpar. Não existe essa conversa que o gari existe para isso. - indignou-se mais uma vez.
-Na televisão, o Vagner Montes criticou a diretora com o argumento esdrúxulo que as serventes é que devem limpar. Ora, as serventes e os garis devem recolher o lixo e não apanhar o que a má educação do povo espalha em lugares públicos. - manifestei-me.
-Carlos, o Vagner Montes perdeu a perna por estupidez e continua estúpido. Ele nunca recebeu meu voto.
Entusiasmado, prosseguiu:
-Eu e meus irmãos fomos criados pelo meu pai e ele ensinava: comeu, tem de lavar o prato; acordou, tem de fazer a cama; sujou, tem de limpar. Como eu era o caçula, via meus irmãos sentirem a mão pesada do papai e tratei de ser obediente.
-Pena que, hoje, existam poucos pais disciplinadores. - lamentei.
-Agora, ou eles tratam os filhos com indiferença, ou paparicam demasiadamente. - acrescentou.
-Chegamos. - anunciei.
No dia seguinte, cheguei uma hora antes do costume no ponto da Magalhães Couto e fui obrigado a sentar no banco de espera. Enquanto aguardava, reportei-me ao primeiro taxista conhecido que me conduziu: Seu Floriano.
Menino ainda, era, algumas vezes, indicado pela minha mãe para fazer companhia à minha avó, que residia sozinha num casarão da Rua General Padilha, em São Cristóvão. Quando isso acontecia, minha mãe vinha me buscar de manhã cedo e então, minha avó dizia que aquela era a hora do Seu Floriano, que morava na mesma rua, sair com o táxi. Avisado por minha avó, ele vinha e conduzia, de maneira cautelosa, a mim e a minha mãe no seu carro até a Rua Cachambi, onde morávamos.
A chegada do Careca arrancou-me das minhas reminiscências. Ele não pode ver ninguém à sua frente, rumo ao ponto de táxi da Magalhães Couto, que, de maneira grosseira, acelera os passos, como se fosse o Papa-Léguas para chegar primeiro,  Depois – disseram-me os taxistas – senta-se no banco e fica mudo como uma estátua.
Agora, depois de quinze minutos, aparecia um táxi e o Careca teria de chupar o dedo.
Mas que taxista era aquele?
-Bom dia.
Algum tempo depois, respondeu-me. Então, eu lhe disse que ia para a Rua Modigliani, que ele ignorava.
-Conhece a Praça Manet?
-Não.
-Vamos em frente que eu lhe ensino,
-Dobro à esquerda?
-Não, porque há muitos sinais, continue subindo a Rua Domingo de Magalhães.
Seguiu a minha orientação a me perguntou:
-Continuo?
-Se você continuar, vamos nos deparar com um cruzamento perigoso, pois teremos de ficar na pista da esquerda para conseguirmos enxergar alguma coisa. É melhor, então, dobrar na próxima rua.
-Ele dobrou e foi, em seguida para a direita conforme o fluxo do tráfego.
Enquanto esperava o sinal abrir, eu lhe mostrava uma rua íngreme asfaltada.
-Você vai seguir em frente, subir aquela rua. Estaremos, então, na Rua Luís de Brito. Desceremos, em seguida, pelos paralelepípedos da Van Gogh, perto de onde moro.
Nesse instante, veio-me à mente a torre que ali existia da rádio Vera Cruz, extinta há décadas. Ele, no entanto, era o interlocutor menos indicado para eu trazer essa lembrança à baila.
Depois, tive de alertá-lo para não entrar na Rua Honório, pois iria deparar-se com quebra-molas. Indiquei-lha a Sisley, ele a desceu e passou, finalmente, para a Modigliani.
-Ali, no segundo poste.
Quando notei que ele passaria direto, rumo à Vlamink, agitei-me:
-Não! Para!
-Pensei que era para seguir além dos dois postes. - justificou-se.
Paguei a corrida, saltei do carro com a certeza que aquele taxista tinha as reações retardadas.
No dia subsequente, vi, lá de cima da rampa da estação de Maria da Graça, apenas um táxi e, para exacerbar a minha expectativa, alguns metros à frente do ponto da cooperativa.
A cada rampa que eu descia, olhava e lá estava ele.
-Só falta agora o Careca passar por mim, ventando, como o Papa-Léguas. - murmurei.
Mas ele não apareceu e pude, então, entrar no táxi do Machado.
-Não há ninguém da cooperativa, então, vamos. - disse ele.
-Há quanto tempo, Machado.
-Eu tenho visto muito o seu amigo, lá no Méier.
-O Luca? Ele também joga no bicho.
-Frequentamos o mesmo bicheiro.
-É uma distração para ele. - disse.
-O jogo do bicho é um esporte. - enfatizou o Machado.
-Dia desses, o Luca ganhou com a centena 110. - informei-lhe omitindo o fato de ele ter apostado nos anos do poeta Carlos Drummond de Andrade.
-A gente perde, mas um dia ganha. A mulher fala e eu lhe digo que ruim é gastar dinheiro com remédio. Você gasta 100 reais com comprimidos que não lhe fazem bem e tem de trocar por outros, também caros. No bicho, você não gasta isso tudo e ainda pode ganhar.
E arrematou:
-O jogo do bicho é um esporte.
-O Luca, acredito, passou a jogar no bicho depois que trabalhou com oficiais de justiça, que foram amigos dele.
Parece que o Machado não me ouviu, pois continuou a se defender.
-O dinheiro que eu gasto jogando não influi nas despesas de casa, então, não vou parar de fazer a minha fezinha.
E repetindo que o jogo do bicho é um esporte, deixou-me na Rua Modigliani.


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