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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

2261 - os inimigos de Voltaire


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4061                                Data: 11  de novembro de 2012
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72ª VISITA À MINHA CASA

-Deus, me defenda dos meus amigos, que dos inimigos cuido eu.
Mal eu bradei essa frase, para os meus ouvidos apenas, Voltaire surgiu à minha frente.
-Essa frase não me é estranha. - disse com a expressão zombeteira, pois ela é da sua lavra.
Depois de me refazer da surpresa, fiz-lhe uma pergunta:
-Você se lembra de tudo que escreveu?
-De muita coisa.
-A sua obra é vastíssima; romances, ensaios, estudos sobre ciência e história, peças de teatro, cerca de dois mil panfletos, de vinte mil cartas...
-E poesias. Um mérito inegável da poesia: ela diz mais e em menor número de palavras que a prosa.
-Elaborou algum livro ou opúsculo  sobre a metafísica, Voltaire?
-O estudo da metafísica consiste em procurar, num quarto escuro, um gato preto que não está lá.
-É evidente que, para ser tornar uma das mentes mais brilhantes do século XVIII você recebeu uma boa educação escolar.
-Sou filho de uma opulenta família burguesa, por isso, estudei com os jesuítas no Collège Louis-le-Grand, onde fui um ótimo aluno porque era por demais curioso, queria aprender tudo.
-Embora estudasse com jesuítas, você foi o paladino na luta contra a intolerância religiosa.
-Combati com a minha pena todos os dogmas; o homem tem de ser  livre para pensar.
-Lendo um romance de Alexandre Dumas, na minha juventude, ele conta uma piada. Quando você estava moribundo, levaram um padre até o seu leito, que lhe perguntou se você reconhecia Jesus como filho de Deus; você respondia que não, mas ele insistia com a pergunta; então, você se levantou, deu um soco na cabeça do padre e morreu.
-Infelizmente, na hora da minha morte, com 84 anos de idade, eu não tinha força para socar um padre.
-A França só se desenvolveria se o último nobre fosse enforcado nas tripas do último padre?????
-Pois é, muitos atribuem essa frase a mim, como outras frases, mas a autoria pertence a Diderot.
-Você acredita em Deus, Voltaire?
-O relógio prova a existência do relojoeiro, o universo prova a existência de Deus.
-Você também escreveu que se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo.
-Eu citei Deus exaustivamente, mas não era o mesmo que foi inventado pelas inúmeras religiões espalhadas pelo mundo.
-Você, então, logo se desligou do credo dos jesuítas?
-Sim. Ainda estudante, frequentei a Societé du Temple, onde havia libertinos e livres pensadores.
 -Em certa época da sua vida, você viveu na fronteira da França com a Suíça.
-Era uma residência num local estratégico. Quando os católicos franceses queriam me prender, eu fugia para a Suíça; quando os calvinistas suíços queriam me prender, eu fugia para a França.
-A sua primeira prisão se deu por causa dos seus versos irreverentes contra os privilégios da monarquia.
-Eu tinha 23 anos de idade; prenderam0me na Bastilha de 1717 a 1718. Não foi um tempo perdido para mim, pois escrevi a tragédia “Édipo”.
Pouco depois, Voltaire, você lançou o “poema da Liga”.
-Tornei-me célebre e porque desagradei a um príncipe, vieram me prender e exilei-me na Inglaterra, eu tinha 30 anos, e de lá saí com 33.
-Consta em todas as suas biografias que você ficou encantado com o avanço das instituições inglesas.
-A Inglaterra era bem diferente da França, que sofria com os reis absolutistas e os privilégios do clero e da nobreza. Encontrei, nos três anos em que lá estive, uma Inglaterra dinâmica, com livre comércio, sem os grilhões de uma religião sufocante, e um rei com o poder limitado pela Magna Carta.
-Era o país que se elevaria sobre todos no futuro.
-Sim, por causa da liberdade que os seus habitantes usufruíam.
-Você previu o que aconteceu. Marx, por exemplo, que nasceu algumas décadas depois da sua morte, foi expulso da Alemanha e da França, por causa dos seus textos. Só encontrou sossego para escrever quando se mudou para Inglaterra, e ele criticava justamente o capitalismo que despontava nesse país.
-Na minha estada em terras inglesas, tomei conhecimento do trabalho de John Locke, morto em 1704, que muito me influenciou.
-O filósofo e teórico político? Nos o estudamos nas escolas, mas superficialmente.
-Eu me debrucei sobre a sua obra. Ensaio sobre o entendimento humano e Dois Tratados sobre o governo, em que se coloca do lado do liberalismo político; Cristianismo Racional, em que combate a intolerância religiosa. Também li Em pensamentos sobre educação, em que propõe um ensino que partisse dos fatos, embasados nas ciências da natureza.
-Eram praticamente as suas ideias, Voltaire.
-Sim, minhas ideias, mas em estado embrionário, pois eu era relativamente jovem, agora eu as via consolidadas.
-Na Inglaterra, você viu o Hamlet de Shakespeare e declarou que se tratava de uma peça de teatro saída da mente de um bêbado.
-Eu conhecia teatro, já escrevera algumas peças, mas o que vi em cena era inteiramente estapafúrdio para mim.
-No fim do século XIX, um escritor russo consagrado, Leon Tolstoi, desancou todas as peças de Shakespeare. E mais: criticou seu amigo Tchekhov, porque elaborava peças de teatro, quando deveria escrever apenas contos, pois, para ele, seu talento era de contista. Li, recentemente, que as peças de Tchekhov superam, nos últimos anos, em encenações a de Shakespeare na cidade de Londres.
E concluí minha garrulice:
-Mas os créditos seu e de Tolstoi são tão imensos que esses deslizes são pequenos.
  -Na Inglaterra, recebi a bússola que me guiaria na confecção do meu trabalho intelectual. Lá, solidificou-se o meu pensamento para uma filosofia reformadora.
-Em 1730, pouco depois de deixas as terras britânicas, você redigiu Brutus.
-Com a tragédia Brutus, eu celebrei a liberdade. No ano seguinte, critiquei as guerras na História de Carlos XII. Em Epístola a Urânio, de 1733, nela ataco os dogmas cristãos. Neste mesmo ano, desanco as falsas glórias literárias em  O templo do gosto.
-Vieram em seguida, Voltaire, os dois livros que o projetaram ainda mais: Cartas Filosóficas e Cartas sobre os ingleses.
-Em Cartas sobre os ingleses,  ataquei o regime político francês e, com o meu estilo irreverente, comparei a liberdade inglesa com o atraso da França absolutista, clerical e obsoleta.
-E a França seguia pelo caminho errado.
-A nobreza e o clero não queriam perdeu seus privilégios, e o povo se acomodava na pobreza, até na miséria. - afirmou François Marie Arouet, Voltaire.







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