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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

2257 - os verdes anos de Verdi 2

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4057                              Data: 04 de novembro de 2012
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76ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

As minhas perguntas sobre o período infanto-juvenil do compositor Verdi prosseguiram.
-Quando você conheceu o seu mecenas e futuro sogro, Antonio Barezzi?
-Eu tinha 10 anos de idade. Antonio Barezzi intuiu o meu talento para a música e me levou até Ferdinando Provesi com quem estudei composição. Estudava também latim com o cônego Antonio Saletti. De 1832 a 1835, ou seja, com 19 a 23 anos de idade, eu fui completar meus estudos em Milão com o aporte financeiro do Monte Pietà de Busseto e de Antonio Barezzi.
-No ano seguinte, ele lhe concedeu a mão da filha em casamento, mas já falamos nisso. Também já foi tratado que, de volta a Milão, você foi reprovado no Conservatório que, mais tarde, receberia o seu nome.
-Reprovado, tive aulas com o maestro Vincenzo Lavigna e fui nomeado Maestro da Escola de Musica de Busseto. Mas eu tinha de vencer em Milão e me mudei, com mulher e filha para lá.
-Compôs Oberto, conte di San Bonifãcio e consegue um relativo sucesso no Teatro alla Scala de Milão.
-Em seguida, vieram o fracasso de Un giorno di regno e as perdas, num curto espaço de tempo, da minha filha, do meu filho e da minha mulher. (*)
-E você ressurgiu para a vida e a ópera, compondo Nabucco e conhecendo Giuseppina Strepponi, que atuou como a principal soprano.
.-Esse sucesso me foi, a certo ponto maléfico, pois os editores passaram a me exigir óperas e mais óperas. Em onze anos, compus quinze óperas. Eu me sentia um trabalhador das galés.
-Donizetti  compunha óperas num ritmo frenético. - retruquei.
-Gosto das suas obras, não nego que ele me influenciou, mas eu, para criar, necessito de tempo, de pensar e repensar sobre o acorde mais significativo, sobre as notas musicais que melhor se ajustam ao enredo do libreto que tenho em mãos.
-Mas surgiram muitas óperas inspiradas nesse seu trabalho frenético: I Lombardi, Ernani, Attila, Macbeth, Luisa Miller, Stiffelio...  
-Eu não me conformei com as críticas que Macbeth recebeu. - interrompeu-me.
-Mas Macbeth, composta em 1847, é considerada um marco, pois sem uma história de amor, você quebrou a tradição das óperas italianas, evitando o  romantismo.
-Acusaram-me de não ter entendido Shakespeare, ora, as obras do dramaturgo inglês eram meus livros de cabeceira.
E continuou, agora mais sereno:
-Em 1865, dezoito anos depois, eu compus uma versão revisada do Macbeth.
-Depois dos anos de galé, você compôs a sua primeira obra-prima: Rigoletto. Um triunfo!
-Eu exigi do meu editor um ano para elaborar o Rigoletto, assim, a gestação da minha ópera transcorreu no tempo necessário.
-Você teve de suportar a censura austríaca e as idiossincrasias de Victor Hugo.
-Os austríacos não admitiam que eu levasse à cena a história do Rei Francisco I e do seu bobo da corte, Triboulet, porque desagradaria a França. Tive, com o meu libretista, de transformar o rei no Duque de Mântua, e Triboulet no bobo da corte Rigoletto. Mas fizemos uma crítica velada, pois o nome da ópera deriva da palavra francesa rigoler, que significa chalacear, divertir-se,
-Victor Hugo, que já teve a sua peça Ernani transformada em ópera por você, indignou-se a ponto de entrar na justiça porque O Rigoletto era baseado na peça dele “Le roi s' amuse” (O Rei se diverte).
-Victor Hugo não queria que se modificasse nada da sua peça, ora, se não houver alterações, torna-se impraticável redigir um libreto e, em seguida, musicá-lo. - argumentou Verdi.
-Muitos anos depois da estreia, ele assistiu ao Rigoletto, e disse invejar a ópera, pois o ordenamento musical consegue que várias pessoas falem (cantem) ao mesmo tempo, o que é impossível numa peça de teatro.
-Se não fosse o Rigoletto, Le roi s´amuse estaria completamente esquecida.- afirmei.
-Depois do Rigoletto, composto em 1851, vieram O Trovador de 1853, A Traviata...
-Só obras-primas. - interferi com a minha admiração.
-Eu consegui certa posição financeira que me libertou da premência do tempo para trabalhar.
-Vieram mais quatro grandes óperas, em seis anos, mais eu destaco como minha predileta Um baile de máscaras, de 1859.
-Tive também sérios problemas com a censura austríaca, pois o tema se relacionava a um fato verídico: o assassinato do rei da Suécia Gustavo  III , num baile de máscaras. Eu e o libretistas tivemos de fazer malabarismos para mudar cenários e personalidades.
-Em 1861. a Itália foi finalmente unificada.
-E eu fui eleito o deputado no primeiro Parlamento Italiano. Em 1874, tornei-me senador do Reino da Itália.
-Um desperdício: a troca da sublimidade da música pela mesquinharia da política.
-No entusiasmo dos italianos na época da unificação, tudo era grandioso, e eu não podia decepcioná-los. Mas prossegui compondo, em 1862, atendendo a uma encomenda do Teatro Imperial de São Petersburgo, compus A Força do Destino e, em seguida, parti com Giuseppina para o frio russo.
-Depois, veio a encomenda da ópera de Paris, e você compôs Don Carlo.
-E o Réquiem em memória de Rossini em que vários compositores fariam uma parte?
-Não deu certo, e já falamos sobre isso. - crispou o rosto.
Consta que o maestro que conduziria a obra, Angelo Mariano, que iria se casar com o soprano Teresa Stolz, soube que ela tivera um romance com Verdi, o que rompeu a amizade de longa data entre maestro e compositor.
-Sim, mas  você retomou o seu trabalho, de anos antes, e compôs todo o Réquiem, agora dedicado à memória do romancista Alessandro Manzoni.
-Convidaram-me, antes, para compor uma ópera para celebrar a abertura do Canal de Suez, mas recusei. Houve as festividades no Egito, encenaram Rigoletto, e voltaram a me pedir uma obra com cenário egípcio. Compus, então, Aída.
-E o seu Otello, que muitos musicólogos colocam entre as três maiores óperas existente, as outras duas são Don Giovanni, de Mozart, e Tristão e Isolda, de Wagner?
-Arrigo Boito, compositor da ópera Mefistófeles e um antigo desafeto, mostrou-se um primoroso libretista, e me convenceu a compor Otello.
-O grande maestro Arturo Toscanini tocou, como violoncelista, na estreia. - intervim.
-Eu já estava com 74 anos de idade, mas Arrigo Boito me apresentou o seu libreto para “As Alegres Comadres de Windsor, de Shakespeare, e, com 80 anos, eu compus Falstaff.
-Mesmo octogenário, você mostrou um entusiasmo de jovem, participando dos ensaios e corrigindo os erros dos artistas.
-Senti-me recompensado, como compositor, com essa ópera, que seria a minha última.
-E também financeiramente, pois a sua renda era maior do que toda a província de Parma.
-Usei-a para edificar a “A Casa di Riposo Giuseppe Verdi”, que é sustentada pelos proventos dos meus direitos autorais e construí e aparelhei o Hospital de Villanova.
-Você foi muito generoso e solidário. - reconheci.
-Eu já tinha perdido Giuseppina Streponi, eu a sobrevivi por mais alguns anos.
-Enquanto você agonizava, depois do derrame no Grande Hotel de Milão, o povo italiano ficou em vigília num silêncio respeitoso.
-Hora de ir-me.
E partiu para outras paragens.

(*) Longe do Distribuidor o interesse mórbido, porém tantas menções à perda de toda a família do Barba-Azul Verdi e nenhuma palavra sobre as causas que determinaram tais mortes. Acionado o Google, descobrimos que não foi acidente, pois houve um espaço de 2 meses entre as mortes. Mas o mistério permanece, não há nenhum esclarecimento a respeito.

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