Total de visualizações de página

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

2248 - retiro do artista


--------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4048                              Data: 20  de outubro de 2012
----------------------------------------------------------------

70ª  VISITA  À  MINHA  CASA

-Frederico Figner! - exclamei sem esconder a minha admiração quando ele se materializou diante de mim.
-Você me conhecia?
-Confesso que não, mas um amigo virtual, o Evandro Verde, expôs os seus feitos e eu me envergonhei da minha ignorância.
-Eu não entendi essa adjetivação virtual para amigo, mas se a amizade é preservada, nada tenho a contrapor.
-Como um homem que explorou ao máximo à tecnologia ligada à comunicação, você logo saberia o significado de amigo virtual, que advém dos computadores.
-Morri em 1947, vivi, com intensidade, a época da indústria fonográfica.
-E o ano em que você nasceu, Fred Figner?
-1866, em Milewko, que se localizava na Tcheco-Eslováquia.
-Você era daqueles jovens inquietos, que saía em busca de coisas novas?
-Sim, e por isso, viajei até os Estados Unidos da América.
-E foi lá que tomou ciência dos inventos de Thomas Edison.
-Thomas Edison tinha lançado um aparelho que registrava e reproduzia sons por intermédio de cilindros giratórios.
-Imagino a sua reação no primeiro contato com o fonógrafo.
-Foi uma epifania!... Depois do impacto, quando recobrei a minha consciência intelectual, comprei um aparelho e vários rolos de gravação e embarquei para Belém do Pará, aonde cheguei em 1891.
-Tudo tão depressa?
-O progresso exige rapidez de quem o acompanha. - afirmou.
-Belém do Pará?!... mostrei-me abismado.
-Para Belém do Pará fui sem conhecer uma palavra de português, mas o espírito aventureiro ainda me dominava.
-Estava você em Belém do Pará, com seu espírito renovador e um invento desconhecido. Como foi, Fred Figner?
-Depois da desconfiança, as pessoas reagiam maravilhadas diante do fonógrafo; pagavam para que as suas vozes fossem registradas e, depois, ouvidas.
-Mal comparando, você era como Caramuru disparando sua arma para o alto diante dos índios.
Ele ignorou a minha intervenção, o que fez bem e seguiu adiante:
-Fui a outras cidades para encantar os brasileiros e, não serei hipócrita, ganhar dinheiro. Trabalhei em Manaus, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife Salvador e, finalmente, a capital do país.
-Aqui, no Rio de Janeiro, onde você fixou o seu negócio?
-Num sobrado da Rua Uruguaiana... Lembro-me até do número: 24.
-Ficava perto da Rua da Carioca. - interferi.
-No sobrado nº 24 da Rua Uruguaiana, abri a minha primeira loja. Chamei-a de Casa Edison.
-Fica evidente que você homenageava o inventor americano.
-Lá, na Casa Edison, eu importava e comercializava os primeiros fonógrafos e gramofones surgidos no mundo civilizado.
 -Na cidade do Rio de Janeiro, você não ficou isolado do mundo.
-De modo algum, no mundo da ópera, por exemplo, o Teatro Lírico fluminense encenou muitas óperas na frente do Metropolitan Opera House de Nova York.
-E no mundo tecnológico?
-Soube logo que um judeu, como eu, o cientista Emile Berliner lançou, nos Estados Unidos da América, um equipamento de gravação que utilizava discos revestidos com cera. Tratei de averiguar esse lançamento e não tive dúvida alguma que a qualidade sonora era bem superior ao do aparelho de Thomas Edison.
-A sua natureza não era contemplativa, Fred Figner, ou seja, você não era de ficar parado diante da marcha do progresso.
-Percebi, imediatamente, o potencial da nova invenção e transferi meu estabelecimento da Rua Uruguaiana para a Rua do Ouvidor.
-Você precisava de um lugar para expandir seus negócios.
-Sim; numa loja térrea da Rua do Ouvidor, eu abri o primeiro estúdio de gravação a varejo de discos do Brasil.
-Em que ano foi isso?
-Em 1900. - respondeu prontamente.
-Como eram elaborados esses primeiros discos da indústria fonográfica? - perguntei-lhe.
-Os discos eram fabricados com cera de carnaúba, que vinha do Maranhão. As gravações eram realizadas em apenas uma das faces do disco e tocadas em gramofones movidos a manivelas.
-Recordo-me desses discos de cera de carnaúba, pesados, se comparados com os que vieram décadas depois, que meu pai herdou do meu avô, em 1963. Acredito que colecionadores da música popular brasileira, como José Ramos Tinhorão, tenham esses discos do início do século XX. - tagarelei.
-Não quero me vangloriar, mas a minha iniciativa representou uma verdadeira revolução. Se nos mantivermos na música popular brasileira, os compositores como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré e os demais não precisavam mais comercializar as suas criações por intermédio de partituras impressas.
-Chiquinha Gonzaga, rejeitada pelo pai e separada do marido, tinha de sair às ruas para vender as partituras das suas composições e, assim, ganhar a vida. A sua atuação de grande empresário, Frederico Figner, melhorou a vida dos artistas brasileiros e, evidentemente, do público, que teve acesso a muitas obras que encantavam o público.
-É evidente que eu buscava o lucro financeiro, mas uma multidão de brasileiros ganhou muito com isso.
-O primeiro disco brasileiro foi gravado na Casa Edison, em 1902, pelo cantor Manuel Pedro dos Santos, mais conhecido por Bahiano. - afirmei.
-Isso mesmo; ele gravou o lundu “Isto é bom”, de autoria do seu conterrâneo Xisto da Bahia. Você sabe por que leu nos livros?
-Não só li, Fred Figner, como ouvi a gravação que se encontra eternizada no youtube, que é um dos registros em computador.
-E como esta lá? - demonstrou curiosidade.
-Bahiano anuncia “Casas Edison, Rua do Ouvidor 107”, e põe-se a cantar o lundu.
E entoei um trecho:
-”O inverno é rigoroso,
Quem disse foi minha avó.
Quem dorme junto tem frio,
Que dirá quem dorme só.
Isto é bom. Isto é bom que dói.”
O rosto de Frederico Figner se iluminou com a lembrança.
-Muitas músicas que meu pai cantava, quando eu era garoto, eu só vim a conhecer, gravadas, pelo Bahiano da Casa Edison. - prossegui.
-A partir de então, muitos artistas passaram a gravar suas composições em disco e eu tive de abrir uma filial da Casa Edison em São Paulo.
-E como você fez com a demanda cada vez maior pelos discos?
-Instalei, em 1913, uma indústria fonográfica de grande porte na Avenida 28 de Setembro, em Vila Isabel, surgiu, então, o selo Odeon.
-E a sua residência era como a dos grandes empresários americanos do seu tempo?
Mandei construir uma mansão na Rua Marquês de Abrantes, no Flamengo, mas a utilizei parte dela como hospital quando a Gripe Espanhola veio matar também no Brasil.
-A sua mansão abriga, hoje, o Centro Cultural Arte-SESC e o restaurante Bistrô do Senac. - informei-lhe.
-Tenho de ir.
-Antes, tenho de assinalar que você, como o grande compositor Verdi que, consternado com a penúria dos artistas, com a chegada da velhice, amparou-os, criando a Casa di Riposi pei Musicistti, doou o terreno para a instalação do Retiro dos Artistas.
Enquanto eu falava, o grande empresário se desmaterializava diante de mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário