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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

2240 - feicibuc farináceo

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4040                              Data: 08 de outubro de 2012
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DE MANGARATIBA PARA O SABADOIDO

Luca contou o porquê da sua ida a Mangaratiba no sábado passado, tratava-se de um assunto escabroso. Como pretendemos discorrer apenas, nesse Sabadoido, sobre a Ação Penal 470, vulgo mensalão, não dedicaremos uma só palavra a outros crimes ou, pelo menos, tentaremos.
Esse dia começou com uma informação do meu sobrinho para mim:
-Os Correios vão festejar o meu aniversário hoje, num almoço.
-É por isso que ele já acordou...
E as reticências da Gina foram substituídas pelo vai e vem do seu dedo indicador que imitava o rabo de um cachorro assanhado.
-Daniel, comemore, então, o meu aniversário também. - pedi.
-Falando nisso, Carlão...
E sacou ele uma caixa de uma sacola.
-São as sandálias da humildade. - antecipou-se o Claudio.
-As sandálias da humildade foram feitas somente para os pés tricolores, segundo o Nélson Rodrigues e a filha daquele seu amigo que é rubro-negra.
-Eu tenho DNA tricolor e tenho direito a calçá-las. - reagi.
Com a pressa do Daniel, tudo andou rápido naquela manhã. Em Poucos minutos, eu já estava no seu cybercafé. Acessei as redes sociais e me deparei com três votos de congratulação pelo meu aniversário. Agradeci o primeiro, o segundo, e só no terceiro, percebi que escrevia em nome do Daniel.
-Só quem conhece as sabadoidices entenderá isso. - concluí.
Enquanto meu sobrinho se vestia para sair, coloquei o vídeo em que um menino, com acentuado sotaque nordestino, cantava o “Pintinho Piu”. Daniel, sem perder muito tempo, parodiou o que ouvia:
“Lá em casa tem um Sabadoido,
Lá em casa tem um Sabadoido.
O Luca endiabrado,
O Claudio mamado,
O Vagner calado,
E o Carlinhos piu.
E o Carlinhos piu.
Em seguida, zangou-se comigo:
-Poxa, Carlinhos, agora essa música não vai sair da minha cabeça.
-Há músicas que entram na nossa memória como um vírus, mas essa é até engraçadinha.
-O diabo é que vou pensar em mil paródias com ela.
-Pense nas mulheres bonitas que vão ao seu almoço de aniversário nos Correios.
-Uma delas já roeu a corda, telefonou-me agora e se desculpou por não ir.. - disse.
E saiu ele para o seu natalício, que aconteceu, na realidade, no dia de São Cosme e Damião, enquanto eu procurava acertar os erros que cometi no Facebook, nada sério se comparado com os investidores que adquiriram suas ações desde que o seu capital foi aberto.
Vozes vindas de fora me anunciaram a chegada dos integrantes do Sabadoido. Parti, então, para lá.
Luca e Vagner, de pé, ladeavam um pequeno rádio em que se ouvia algo que eu ainda não identificara por causa do tumulto. Minha mão foi estreitada fortemente pela do Luca, que me desejou boas novas para os átrios, aurículas e ventrículos. Confesso que não percebi os votos de felicidades pelo meu aniversário, talvez porque o Luca, um vitoriano nos relacionamentos de amizade, tenha colocado todo o seu coração, digo, o meu, nas congratulações.
-Escuta, Carlinhos. - disse, em seguida, aproximando-me do CD que tocava.
-É o mais famoso fado que existe. - disse, quando pude diferenciar a cacofonia dos frequentadores do Sabadoido das palavras cantadas.
-Sabe quem canta?- sabatinou-me o Luca.
-Assim tão baixo, não distingo bem o timbre.
-Ângela Maria.
-Sei que Amália Rodrigues era soberba nessa interpretação. - afirmei.
-Enquanto Ângela Maria cantava, Luca se punha a declamar em seguida.  Pensei, então, no Luca como um adepto da música clássica; seria expulso do teatro por não conseguir ficar quieto enquanto a música é tocada.
-”Olhar trocista.”-encantou-se ele com o verso, enquanto a minha imaginação alçou voo:
-Será que já adjetivei algum olhar aqui como trocista no Biscoito Molhado? Se não, falhei rotundamente, pois não faltam por aqui esses olhares.
-Carlinhos, chega à idade em que pode viajar até Campo Grande de ônibus sem pagar. - pilheriou o Claudio.
 -Aproveite. - disseram o Lopo, meu irmão mais novo e o Vagner, em uníssono.
-Sou inteiramente contra esses privilégios, porque a conta será paga sempre por alguém. Gente com mais de 65 anos endinheirada não falta por aí. - declarei.
-Ouça, Carlinhos. - chamou a minha atenção o Luca.
E ouvi,então, a voz da Ângela Maria abafada pela sua declamação:
-”Ai Mouraria
das procissões a passar,
da Severa em voz saudosa,
da guitarra a soluçar.”
E especulou, em seguida, que Severa deveria ter sido uma fadista. Acionado o Departamento de Pesquisas do Biscoito Molhado, constatou-se que o Luca estava certo.  Maria Severa, cantora prostituta, viveu de 1820 a 1846, e foi considerada a mística fundadora do fado. Nasceu em Lisboa no bairro de Mouraria. Sua fama se deve, em parte, à novela escrita por Júlio Diniz “A Severa”, de Júlio Dantas, que se transformaria numa peça, que foi levada à cena em 1901.
Enquanto isso, o Lopo falava dos malandros da cidade que, anos atrás, giravam três chapinhas, numa mesa, com um pequeno dado numa delas. Um incauto, apostando dinheiro contra a banca, arriscava a adivinhar a chapinha com o dado.
-O malandro girava a mesa junto e, assim, o otário perdia dinheiro. - interveio o Claudio.
-Testemunhei um sujeito bem musculoso que apostou numa chapinha e, em seguida, segurou a mesa.
E concluiu o Lopo.
-Ainda assim, perdeu.
-Os safados têm sempre um plano B. - manifestou-se a Gina.
Nesse momento, Luca e Vagner, em torno do gravador, comentavam uma canção entoada por Louis Armstrong e Nat King Cole.
-Eles cantaram juntos ou trata-se de um truque tecnológico? - perguntaram.
-Nat King Cole também foi um excelente pianista de jazz e Louis Armstrong, um legendário trompetista.
-E a repercussão da morte da Hebe Camargo? - sondou o Lopo.
-Não sou contra a alegria da Hebe Camargo com os seus acompanhantes de sofá, mas quem merecia toda essa comoção popular era o Altamiro Carrilho, que morreu no dia 15 de agosto. Ele era instrumentista e compositor de primeira qualidade.
-Carlinhos, você quer outro povo. - disse a minha cunhada.
-Para não votar nulo, amanhã, meu voto irá para a Aspásia Camargo. - declarei.
-O Luca vai vota no Freixo.
-Vou. - confirmou as palavras do Cláudio.
-Vai votar por causa do Chico Buarque. - provocou.
-Por causa do Chico, não! Quem mais divulgou o Freixo foi o Caetano Veloso. - expressou o Luca veemência no seu protesto.
-Marcelo Freixo teve a sua importância no combate às milícias.
Depois dessas palavras, Lopo enveredou pelas suas reminiscências quando, acompanhado do Reinaldo, cunhado do Luca, e penetraram no Festival Universitário da Canção Popular com um crachá do MAU – Movimento Artístico Universitário.
-Eu e Reinaldo ficamos do lado do piano do Ivan Lins, perto da Lucinha, enquanto ela apresentava “O amor é o meu país”.
-Reinaldo saiu numa fotografia da revista Amiga abraçado com o Toni Tornado. - lembrou o Luca.





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