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terça-feira, 9 de outubro de 2012

2237 - Ciao Ciai 2


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4037                              Data: 02 de outubro de 2012
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69ª VISITA  À  MINHA CASA
2ª PARTE

-Tchaikovsky, um dos casos significativos da história da música clássica foi a ajuda financeira que a baronesa Nadyezhda von Meck lhe prestou durante toda a sua carreira, praticamente, sem o conhecer.
E acrescentei, como se me corrigisse:
-Conhecia a sua música, é verdade.
-Em 1876, ela tomou conhecimento das minhas composições através de Nikolai Rubinstein. Solicitou-me, primeiramente, transcrições para violino e piano de algumas composições, depois, assumiu que era meu mecenas. Mantivemos uma correspondência de quatorze anos, com a condição imposta por ela de nunca nos vermos. Durante todo esse tempo, ela me resguardou das dificuldades financeiras. Dediquei-lhe a minha Sinfonia nº 4.
-Ela não era um rei, mas o ajudou muito.
Tchaikovsky percebeu o que eu dissera nas entrelinhas.
-O rei Ludwig II da Baviera até construiu um teatro para Wagner
-Você esteve em Bayreuth, por ocasião de récitas de ópera de Wagner, mas já falamos sobre isso e sua opinião sobre Wagner.
-Eu sempre gostei de viajar. Um ano antes de ser estabelecido o meu vínculo com a baronesa Nadyezhda von Meck, isto é, em 1875, percorri parte da Europa e fui, naturalmente, a Paris, onde conheci Franz Liszt, George Bizet e Jules Massenet.
-Havia, naquele tempo, na Europa, um cisma musical, de um lado os adeptos de Wagner e, de outro, os de Brahms.
Tchaikovsky voltou a desancar a obra de Wagner, mas não poupou Brahms.
-Ele é muito simpático, mas não gosto da sua música.
-A sua produção prolífera não roubaria o seu tempo de apreciação das obras dos outros grandes mestres?- tentei encontrar uma explicação para a sua má vontade.
-Tenho tempo suficiente para ser o maior dos admiradores de Mozart. - reagiu.
-Você não via Beethoven como Brahms, cujos passos de gênio sentia atrás de si.
-Fui apresentado, não me lembro o ano, ao Leon Tolstoi, de Guerra e Paz. Ele me apertou a mão e me expôs a sua opinião musical. Segundo ele, palavras textuais, “Beethoven era nulo”. Foi dessa maneira que o portentoso escritor, o profundo conhecedor de emoções, em tom de completa confiança, disse-me tamanho disparate, ofensivo a qualquer músico. O que se deve fazer em casos como esse? Discutir?... Eu deveria dar-lhe um sermão.
-Leon Tolstoi, contudo, compôs um livro que chamou de Sonata Kreutzer, tirada de uma composição de Beethoven.
-Você se refere a Sonata para violino nº9, que Beethoven dedicou primeiramente a um violinista mulato da Polônia e, depois, a um francês? É uma obra em que a presença da amante é obsessiva, isso atraiu Tolstoi.
-Tchaikovsky, ouvindo o andante cantabile do seu Quarteto de cordas nº 1 em ré maior, opus 11, Tolstoi chorou na plateia.
-A minha composição é melancólica, de fato.
-Apesar das fotografias que o mostram austero e por demais envelhecido, você atendia pelo apelido de Petia.
-Só os íntimos me tratavam assim.
-No ano em a baronesa von Meck passou a ajudá-lo, você escreveu uma carta íntima a seu irmão, confessando as tendências homossexuais que o atormentavam. Não foi isso?
-A baronesa não aceitaria homossexualismo, como todo o povo russo, sempre moralista.
-No ano seguinte, 1877, uma das suas alunas, Antonina Miliukova quis juntar-se a você e o casamento ocorreu.
-Era um casamento de fachada, eu não a enganei, fui bem explícita, ela, porém, mostrou-se loucamente apaixonada. Ficamos quinze dias juntos depois do casamento.
-Como irmãos?
-Meus amigos se surpreenderam quando anunciei meu casamento.
-E depois desses quinze dias de lua-de-mel?
-Passei três meses na Ucrânia com minha irmã.
-E Antonina Miliukova na Rússia?
-Quando retornei, ela logo me assediou e eu tratei de viajar por diversas cidades europeias para escapar dela. De onde eu estava, propus-lhe o divórcio, ela não aceitou. Reforcei o pedido com generosas quantias, mas eu era a ideia fixa dela.
-Levou o casamento a sério.
-Julgava que o meu problema era com ela, mas era com as fêmeas em geral.
-Você nunca se sentiu atraído por uma mulher, na vida, Tchaikovsky?
-Tive uma quedinha por Désiré Artot, mezzo-soprano francesa, que exibia generosos decotes. Conhecia-a numa turnê na Europa, por poucos dias. Ela me escreveu que se casou e que vivia muito feliz.
-Sobre a sua esposa Antonina Miliukova, ela foi morar numa casa próxima à sua tumba e lá enlouqueceu.
-A história terminou mais triste do que eu imaginava. - comentou Tchaikovsky.
-E as suas criações, vamos falar delas, que são incontáveis e sempre contam com a apreciação do público, tanto da Rússia como os dos demais países.
-Teremos de falar muito. - disse.
-Iniciemos com uma das suas mais populares obras, a Abertura 1812.
-Em 1880, Nikolai Rubinstein me incumbiu de compor uma abertura sinfônico-coral, com um tema patriótico, para inaugurar a exposição de Moscou.
-Você se reportou, então, a vitória dos russos sobre os franceses na campanha napoleônica de 1812?
-Usei, nessa Abertura, a Marcha Eslava, que era o Hino Nacional da Rússia, Deus Salve o Czar, La Marseillaise, um coro, dezesseis tiros de canhão e bimbalhar de sinos.
E arrematou com uma autocrítica:
-Muito brilho e pouca música.
-A Vitória de Wellington, Opus 91, de Beethoven, não é grandes coisas também. - ponderei.
-Trabalhos de encomenda com temas festivos não se coadunam com a música mais apurada. - declarou.
-E o seu célebre Concerto para Piano e Orquestra nº 1, em Si Bemol Menor?
-Dediquei-o ao pianista Nikolai Rubinstein, que o considerou mal escrito. Passei-o, então, a Hans von Büllow.
-Hans von Büllow, o maestro das óperas de Wagner, casado com a filha de Franz Lizst, que largou-o para viver com o autor do Anel dos Nibelungos. - interrompi.
- Hans von Büllow ficou maravilhado com o meu Concerto e o estreou em Boston.
-Com o passar dos anos, a popularidade do seu concerto cresceu tanto que foi vulgarizado, porém, intérpretes, como a pianista Martha Argerich com o maestro Claudio Abbado e a Filarmônica de Berlim, colocam a sua música no lugar que merece.
  -Na minha quinta sinfonia, aproveitei uma melodia assoviada por uma pessoa da rua. Na Itália, aproveitei também a manifestação popular no meu Capricho Italiano. - divagou.
-Na sua sexta sinfonia, Patética, há momentos que a música chora.
-Eu, na gestação dessa obra, chorei muitas vezes.
-E morreu poucos dias depois da estreia porque tomou um  copo d' água, sem cuidados com a higiene, enquanto grassava o cólera. Dizem que  foi uma forma de suicídio.
-Mentira! Eu gostava de viver e sublimar minha melancolia romântica na música. - afirmou antes de partir.



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