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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

3007 - D que rei sou eu?


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O BISCOITO MOLHADO

 

Edição 5256D                                 Data:  12 de janeiro de 2016

 

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O REI DOS VEXAMES

 

Melhor ser cabeça de baleia do que rabo de sardinha – o dito popular é meio diferente – mas é assim que pensam os reis. A mim, o destino vem mantendo sobre a minha cabeça uma coroa permanente, que, embora invisível, ora é reluzente, ora é bem espinhosa.

É a história de outro reinado que, somado ao das mulheres, torna o fardo do cidadão comum, plebeu de pai e mãe, mais leve do que esta média de reinados. Passa na mesma viagem, no mesmo navio e com a mesma tripulação do rei das mulheres. O que terá dado errado?

Na verdade, nada. Nunca fui um aluno gabaritado, mas naquele curso da EFORM – Escola de Formação de Oficiais da Reserva da Marinha, meus resultados nas provas superaram meus baixos recordes anteriores e fiquei colocado em primeiro lugar. Dirão alguns que todos estavam em férias e só eu levei a sério, possa ser, mas o fato é que ninguém chegou muito perto.

Mas a vida militar não é feita só de provas teóricas, há a disciplina, o cabelo cortado, o cinto brilhando e o sapato limpo, que, na Marinha, é branco e limpo mesmo. Aí, o caldo entornou. Dotada de anotações em todos os quesitos, minha caderneta espelhou uma nota de oficialato nada invejável e fui para o terceiro lugar.

Muito a contragosto, fui verificar, já a bordo do nosso “Minas Gerais”, quais eram as funções reservadas aos primeiros lugares. O primeiro fazia a parada diária – escapei bem dessa – e o terceiro, eu, distribuía a correspondência e escalava os quartos de serviço. Como todo mundo em alguma hora precisava trocar o horário de serviço, a minha banca era procurada por todos e a corte logo se estabeleceu. Um reizinho reinava a bordo.

Com estas atribuições especiais, nenhum dos quatro primeiros lugares dava serviço e eu passava as minhas intermináveis horas de folga na navegação do navio, que se tornara um hobby para mim. Seis da manhã, ponte do navio, seis da tarde, ponte do navio e não raro eu preparava as coordenadas da posição para meu bom amigo Continentino, o responsável pelo serviço.

E isso ia muito bem, o navio no curso. Diariamente, o comandante do navio, Rafael de Azevedo Branco, ia à ponte e, já acostumado com a minha presença, dava um bom dia, sisudo, mas satisfeito, se informava de tudo e seguia para o seu café da manhã.

E assim se passou a viagem, fomos a Porto Rico e a Curaçao e, lá pelo fim da viagem, soubemos que o comandante do navio iria almoçar com os guardas-marinha. Nessa hora, a Marinha é a tradição em pessoa, quem senta com o comandante são os mais antigos e os mais antigos são os primeiros colocados.

Chega a hora do almoço, estou colocado na mesa, na terceira posição, chega o Comandante Branco. Mais alto do que nós, ele passou a vista por todos – aquilo deveria ser para ele uma tarefa enfadonha, porém protocolar – e passou com aquele jeitão satisfeito e sisudo que eu bem conhecia, lá da ponte de comando do navio.

Ao chegar na mesa, na minha mesa, ele me viu na hora, imediatamente, instantaneamente e fulminou, agora, mais sisudo: “Este, não! Este eu vejo todo dia!”

Ao primeiro brado “Este, não!” surgiram do nada quatro fuzileiros que me deportaram para a mesa mais longínqua do salão e com a mesma rapidez, colocaram um desconhecido no meu lugar. Isto se passou sem que alguém ouvisse, ou ligasse, para a segunda frase do Branco, que continha a explicação, aliás, bem razoável.

Foi um vexame real e nem me preocupei em dar maiores explicações aos meus súditos, pois ninguém iria querer saber dos detalhes sórdidos, a lenda já tinha ficado melhor do que o fato e, se eu desse mais corda, o reinado se tornaria perpétuo.

E assim, me achei normal, me comportei como tal e fui o rei dos vexames apenas até o desembarque.

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