Total de visualizações de página

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

2726 - os leques da Josefina


 

----------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 4976                            Data: 29 de  outubro de 2014

--------------------------------------------------------

 

SABADOIDO SEM BRIGA POLÍTICA

 

O Luca já havia telefonado avisando que estava a caminho de mais uma sessão do Sabadoido.

-Ele, antes, chamava pelo Claudio no portão, agora, telefona. - observou a Gina.

-Claudiiiiiiiiiiomiro.

-Por isso mesmo, Daniel, que ele não chama mais, porque você o imita.

-Daniel sempre teve essa mania.- lembrou o Claudio.

-Eu me recordo que, com uns sete anos de idade, Daniel imitava a Maria Paula da MTV.

E me voltei para o meu sobrinho.

-Não imita mais?

-Carlão, a minha voz engrossou.

-E o Maluf? - perguntei.

-Eu não estive preso em Paris, fui apenas fazer uma visitinha à delegacia. - pôs-se a imitá-lo.

-Mas Maluf, foi noticiado que você foi detido por doze horas, na França, para explicar a origem de 1 milhão e meio de dólares na sua conta no banco Crédit Agricole. - entrei no espírito da coisa.

-Quem achar um tostão meu numa conta suspeita, pode ficar com todo o dinheiro. Aí está o Lula que não me deixa mentir.

-Um novo telefonema do Luca, avisando que já chegara, interrompeu a imitação ou caricatura que ele fazia do político.

Luca adentrou a antiga garagem do fusquinha da Gina, sobraçando o costumeiro envelope com recortes de jornais e cartas manuscritas pela Rosa.

-Vou avisando, não perco amigos por causa de política.- foi ele anunciando com decisão.

-Luca, agora mesmo, eu estava falando bem do Maluf, se você falasse mal, nós íamos brigar.- pilheriou o Daniel.

-Você tem razão, Luca. Como dizia Nélson Rodrigues: “Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem.” - manifestei-me.

-Luca, há muitas eleições que eu anulo o voto, mas tudo me leva a não fazer isso nesta eleição agora. - disse o  Claudio.

Claudio e Luca são dois polemistas, discutem desde os velhos tempos da rua Chaves Pinheiro.- temi pelo pior.

-A Glória (sua esposa) também anula, eu penso que já que nos deslocamos até a cabine eleitoral, tivemos todo esse trabalho, devemos votar em alguém.

-Mas não em certos políticos. - rebateu meu irmão as palavras do Luca.

-O Daniel entrou na pesquisa do IBOPE. - coloquei o meu sobrinho na conversa para que o clima permanecesse descontraído.

-Daniel, você é a única pessoa que eu conheço que foi consultado por esses institutos de pesquisa. - frisou o Luca.

-Daniel entrou na relação dos indecisos. - disse a Gina.

-Aquele pessoal dos Correios é tão chato, principalmente o Leandro Porreca, um flamenguista fanático, que não estou mais indeciso. - falou ele dessa vez seriamente.

-Você já não saiu há muito tempo dos Correios? - perguntou o Luca.

-Continuo amigo deles pelo Facebook, e, algumas vezes, nós nos encontramos.

-Lá, eles todos são contra o PSDB porque pensam que, no poder, eles privatizam os Correios.

-Não pode; a função dos Correios, Gina, é exclusividade da União, isto está na Constituição Federal. - intervim.

-Eles nem querem saber de nada. - reagiu o Daniel com um gesto de desdém.

-Assim, o Daniel vai votar no Aécio. - interferiu o Claudio em tom provocativo.

-Claro, é melhor do que anular o voto. - assinalou o Luca em tom conciliador, embora soubéssemos do seu ideário político contrário.

-E a Rosa? - tentei mudar de assunto.

-Ela vai votar no Crivella? - quis saber a Gina, que agora é cabo eleitoral do sobrinho do bispo Macedo.

-Seria muito sacrifício para ela ir até uma cabine eleitoral.

-Vou sair. - anunciou o Daniel.

-Falando na Rosa, ela mandou uns recortes de jornal para o Carlinhos. - disse o Luca, voltando-se para mim com o envelope que deixara sobre a mesa do cavalo – o peso de papel que substitui os ausentes da sessão do Sabadoido.

-São recortes da Folha de São Paulo sobre as óperas encenadas lá.- informou.

-Falta água em São Paulo, mas as óperas jorram; ao contrário do Rio de janeiro, que tem água, mas não tem ópera.  

-Vai ver que a ópera é incompatível com a água. - alfinetou a Gina.

Pus-me a ler sobre os eventos operísticos que homenageiam o sesquicentenário de Richard Strauss, enquanto o Claudio avisava que ia trazer os copos de Capiroska e a Gina e o Luca entabulavam um diálogo sobre os achaques que atormentam os maiores de 50 anos de idade. Minutos depois, ela também saía.

-Carlinhos, eu não vou perder amigos por causa de política. Você leu o artigo do Nélson Motta sobre isso? - disse-me o Luca em tom confidencial.

-Luca, com duas frases, o Nélson Rodrigues resumiu tudo.

Depois de repeti-las, detive-me no livro que a Rosa me dera de presente de aniversário.

-Quem tem o Napoleão Bonaparte como ídolo, vai balançar depois de ler a biografia da Josefina da Kate Williams.

-Eu li “Cartuxa de Parma”, indicado pela Rosa e gostei muito, não é à toa que o Stendhal é uma das paixões dela.

-Napoleão era o ídolo do Victor Hugo, mas ele pilhava os países derrotados, levava para a França as obras de artes, mortos para ele representavam números estatísticos.

-Você se lembra do “Crime e Castigo”, do Dostoievsky?

-Claro, Luca. O Raskolnikov, com a teoria de que o assassinato de uma velha usurária não era nada, comparado com o que fez Napoleão, grosso modo falando, colocou em prática essa teoria e se arrependeu amargamente. Um homem para ser Napoleão não pode ter remorso.

-Mas o livro da Rosa fala mais dele?

-Não, o livro tem como protagonista a Josefina. A Kate Williams desnuda a biografada, expõe seu lado bom e ruim, mas o seu olhar é benevolente, criando uma empatia com o leitor.

-A Rosa escreveu, eu li numa das suas cartas, que a vida da Josefina é um manual de sobrevivência na selva.

-Ótima definição. - aprovei.

-Já leu todo o livro.

Depois de confirmar, prossegui:

-A Josefina era da Martinica, seu pai possuía uma fazenda com um vasto canavial. Ela, com o açúcar que consumia desde criança, ficou com os dentes estragados. Ainda assim, na corte francesa, os homens não resistiam o seu encanto, tanto que conquistou os dois mais poderosos: Barras, que derrubou Robespierre e os Jacobinos, e, é claro, Napoleão. Ela sabia ocultar as suas deficiências e potencializar as suas qualidades de mulher.

-Naquela época, Carlinhos, havia os leques e como as mulheres sabiam manejar um leque!

-Aqui estão as bebidas. - interrompeu-nos o Claudio.  

 

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário