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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

2719 - Josefina e Vandredi


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4969                                 Data: 19 de  outubro de 2014

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CARTAS DOS LEITORES

 

“Jovem Carlos,

Um BM falando na Rua Americana me recordou o único dia em que andei de quatro, só consegui galgá-la me agarrando nos tufos de apetitoso capim; não é rua adequada a bípedes.

O livro da Josefina me abriu os olhos os olhos para o dia em que me abriu os olhos para o dia em que os dois ilhéus se conheceram num jantar, ela, teúda e manteúda. Na estante do 86, havia reprodução de um quadro em que o filho dela procurava o fulano pedindo a devolução da espada do pai, apreendida pela Revolução e daí os futuros apaixonados vieram a se conhecer.

Apreciei a festa da petizada (?!). No século passado não havia animadores, bom mesmo era levar para casa um prato de guloseimas. Pelos idos de 1989, estive em Anchieta, e, no ônibus, comecei a devorar os petiscos; o trocador foi mimoseado e também o motorista, nada chegou à minha tebaida.

Participo que o Calígula tem um irmão batizado como Vandredi, encontrei-o na rua, tão pequeno que o julguei um rato até que miou. Não sabia comer sozinho, levei-o à creche da Dileta e o trouxe preparado para o chatô. O filme de Gary Cooper eu vi, era baseado num livro de Ayn Rand, a dama era Patricia Neal, e me pareceu que o verdadeiro galã era Raymond Massey.

Em 1951, vi o primeiro filme do Charlton Heston, no Cine Roulien, em Todos os Santos, e gamei. Certa vez, no Merré, houve um debate, o que nós imaginávamos como o Paraíso. Sugeri o Charlton Heston coberto de creme e nenhuma colher. Aprazível indigestão!!!

Rosa

 

BM: Nossa amiga Rosa nos desvanece com mais uma missiva.

No primeiro parágrafo, Rosa Grieco se refere à rua onde desfrutei parte da minha adolescência que, até a metade é chata, no bom sentido, ou seja, é plana, na outra metade é quase vertical, o que explica a sua dificuldade em escalá-la. Nesse dia em que a Rosa se agarrou nos tufos de capim, como os náufragos numa tábua. Ela se esqueceu dos apetrechos de alpinista.

Lembro o dia 1º de abril de 1964; meu pai grudado no rádio para se inteirar das ocorrências da revolução que se deflagrou, enquanto eu passava por ele rumo a uma pelada para jogar, nos paralelepípedos da Rua Americana, com uns quinze amigos. O diabo era quando um pé descalibrado chutava uma bola, e ela descia a parte vertical da rua, tínhamos, então, de descê-la e, em seguida, escalá-la. Mas o que não fazíamos por uma bola de futebol?... Éramos capazes de quaisquer sacrifícios por ela, a nossa amada.

Rosa, logo depois, alude à biografia de Josefina Bonaparte escrita por Kate Williams, que ela me deu de presente de aniversário, deixando-me eternamente agradecido.

Os dois ilhéus, que se conhecem num jantar, são Josefina, crioula, pois nasceu na Ilha Martinica, e Napoleão Bonaparte, cuja origem é a Ilha da Córsega. Na ocasião, ela era teúda e manteúda de Barras, o responsável pelo fim do Terror, na Revolução Francesa, quando derrubou Robespierre, que seria guilhotinado. Paul Barras foi comandante supremo das forças armadas de Paris e do Interior e propiciou a ascensão de um jovem militar ambicioso, Napoleão Bonaparte.

Josefina se casou pela vez primeira com Alexandre-François, visconde de Beauharnais, o que a fez se mudar da Martinica para a tão sonhada Paris. Tiveram dois filhos, Eugène e Hortense, mas o casamento desandou.

Com o poder na mão dos sanguinários jacobinos, o marido da Josefina foi preso e a viscondessa de Beauharnais, pouco depois, seria enviada para uma das mais terríveis prisões de Paris, “Les Carmes”. Ele seria guilhotinado, Josefina, por outro lado, foi salva com a queda de Robespierre por Barras, a quem viria conhecer e se tornar amante.

Rosa, na sua carta, faz menção a Eugène Beauharnais quando ele pede àquele que estava no comando, íntimo da sua mãe, a restituição da espada do pai, que fora guilhotinado.

No parágrafo seguinte, a nossa amiga passa para o Biscoito Molhado que tratou de uma festa infantil. Sublinhou petizada e não entendemos o porquê, pois, de fato, havia no salão petizes por toda parte. Rememorou as festas infantis do século XX, que não tinham animadores, mas era dado aos convidados, mesmo adultos, levarem doces para casa, como se o Dia de São Cosme e Damião fosse também festejado.

Hoje, ainda se permite que os convidados saiam com um ou outro pitéu. Nada comparado ao primeiro aniversário da sobrinha da minha cunhada, ocorrido no Clube da Light, no Engenho Novo. Depois de entoado o “Parabéns” e se aproximando o fim da festa, foi dado o sinal verde  para os convidados carregarem as guloseimas que estivessem na mesa. Uma prima minha, com uma sacola de compra de mês nos supermercados, da época da hiperinflação, fez a limpa. Pegou petiscos suficientes para mimosear trocador, motorista e passageiros.  Isso, corroborando o que a Rosa disse, se deu no século passado, no fim dos anos 70.

Quanto à tebaida, palavra que a nossa missivista prefere à cama, a não ser nos seus textos eróticos, os leitores de boa memória devem se recordar que até transcrevemos, neste periódico, um soneto de Olavo Bilac: “Na Tebaida”.

Em seguida, Rosa, gatófila juramentada, discorre sobre os seus felinos de nomes tão peculiares. Ela se detém no “Vendredi”, jamais o chamaria de Sexta-Feira, haja vista que leu “Robinson Crusoé” em francês.

Lendo e relendo essa parte da sua carta, posso dizer que esse caso guarda muita semelhança com o que aconteceu com a minha mãe. Ela pegou um gato recém-nascido, abandonado num terreno baldio, com os olhos ainda cerrados, e o alimentou com leite num pinga-gotas. Ele se tornou um gatão, e foi batizado pela minha mãe com o nome “Fluminense”, fosse ela francófila, talvez ele se chamasse “Paris Saint-Germain.”

Depois, Rosa incursiona pelo cinema, especificamente, pelo filme “The Fountainhead” (Vontade Indômita), até chegar ao Charlton Heston, ator que despertava seus instintos primitivos. Tudo bem, Rosa, não é só o público masculino que tem direito a esses arroubos diante de uma tela.

Encerramos aqui, pedindo à Rosa que prossiga nos remetendo mais cartas à nossa redação.

 

 

 

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