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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

2714 - quem decapita, decapitado é


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4964                                     Data: 12 de  outubro de 2014

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190ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

O taxista era o 140, aquele de uma mansuetude rara nos dias agitados de hoje.

-Você também vai para o trabalho pegando o metrô em Maria da Graça?

-Não; caminho de casa até a estação de Del Castilho. São 15 minutos de caminhada, e ainda subo uma escada de 45 degraus; não deixa de ser um exercício aeróbico.

-Mas aquele beco entre a igreja e a Casa dos Escoteiros é conhecido como o corredor da morte.

-Às vezes, aparecem uns cracudos por lá, já houve um período em que eram muitos os que parasitavam por lá.

Aqui na rampa do metrô de Maria da Graça, ficava um monte, agora, eles são raros. Creio que alguns já morreram. - comentou.

-Esbarrei com alguns deles na rampa, uns me pediam esmolas, outros estavam estirados no chão em sono profundo.

-Já houve alguma coisa parecida?... Essa degradação dos pobres por causa de uma droga? - indagou-me.

-Dia desses, assisti a um documentário sobre a história de Londres. Por volta do século XVIII, as classes mais pobres derramavam goela abaixo doses industriais de gim. Vendo as gravuras dos artistas da época, eles me lembraram os cracudos de hoje.

-E como o inglês resolveu esse problema?... Tirou o gim de circulação?...

-Colocou os impostos na estratosfera, só rico podia beber gim. O consumo caiu consideravelmente.

-Aqui é mais complicado porque o fornecedor é o traficante de drogas. - comentou.

-Voltando ao “corredor da morte”, não temo os viciados em droga quando topo com um, porque eles parecem zumbis. Também sei que não está armado; como disse um colega seu, se um revólver chegar às mãos de um cracudo, ele vai tratar de vendê-lo logo para comprar a droga.

-Uma passageira me contou que lá, no corredor da morte, inesperadamente, ela foi abraçada por um sujeito que cochichou no ouvido dela que fingisse que era sua namorada, que não fizesse a besteira de gritar, pois ele estava armado.

-E ela?

-Ela me disse que estava tão apavorada que não gritaria mesmo que quisesse.

E prosseguiu:

-Ele ordenou que ela abrisse a bolsa e, discretamente, passasse para ele celular, dinheiro, que iam direto para o seu bolso. Encerrada a rapina, o assaltante se afastou como se nada tivesse acontecido.

-Com toda certeza, não era um cracudo, eles não são calculistas, não possuem esse sangue frio. - asseverei.

-A passageira, de tão aterrorizada, me disse que não saberia identificá-lo.

Resolvi, calculando que daria tempo, pois o seu pé direito sobre o acelerador estava leve, contar-lhe a minha história.

-Eu fazia, por volta das 6h da manhã do último domingo, uns exercícios na academia da 3ª idade, que colocaram a uns 30 metros da minha casa.

-Imagino que não havia ninguém por lá. - manifestou-se.

-Isso. Mas, de repente, ouço uma voz atrás de mim.  

-E, então, tudo bem?

Virei-me e vi um sujeito alto, forte, com um brinquinho branco no lóbulo da orelha direita.

-Esse exercício é muito bom para as pernas.

-Para os braços também. - mantive-me tranquilo.

-Colocaram uns aparelhos novos.

-Isto aqui existe há dois meses. Colocaram onde esses aparelhos?

A minha pergunta o confundiu, mas por alguns segundos.

-Numa dessas academias.

-Eu falava naturalmente com ele, aguardando onde  queria chegar.

-Chegar ao assalto?... Mas assaltante não perde tanto tempo assim.

-Você podia fazer um favor para mim?

Com essa pergunta, não pude fingir mais e esperei, preocupado.

-Tenho de encontrar a minha mãe em Realengo. Ir daqui até o Meier a pé é moleza, mas preciso de 3 reais para pegar o trem.

-Meu amigo, sinto muito, mas eu nunca levo dinheiro comigo quando saio para caminhar.

-Voltou a fingir?

-Não, se eu tivesse os 3 reais, daria a ele que, depois da minha resposta,  seguiu em frente sem nada dizer.

-Modigliani. - anunciou.

 

-Hoje é quarta-feira, tem o futebol e, em seguida, o churrasco.

Bob Esponja só não esfregou as mãos de contentamento porque não podia largar o volante do seu carro.

Deixei-o intrigado com uma pergunta:

-Churrasco de ovo?...

-Churrasco de ovo?!...

-Você não soube do secretário da Política Econômica que, ao anunciar a inflação, sugeriu a troca da carne pelo ovo?

-Não foi pelo tomate?....

-Pelo que ouvi do Carlos Alberto Sardemberg e, depois li, a troca foi pelo tomate.

E prossegui:

-Parece que esse secretário disse que o preço da carne subiu, enquanto o do tomate caiu, que se devia, então, comer mais tomate e menos carne, mas a substituição mesmo era da carne pelo ovo.

-Já é dureza substituir carne pelo frango... Como tem gente incompetente neste governo!

-Mesmo que ele sugerisse essa troca da carne pelo frango, o erro não seria menor ainda mais para um economista.

-Eu sou contador formado.

Ignorei a informação do Bob Esponja e segui adiante:

-Carne e frango são bens suplementares. Se as pessoas trocam a carne de boi pela carne de frango, o preço do frango se eleva, porque cresce a demanda. Trata-se da Lei da Oferta e da Procura; isso se aprende nos cadernos de Introdução à Economia.

-E um camarada, com cargo elevado no poder, comete essa asneira. - criticou o Bob Esponja.

-Na verdade, a asneira dele ainda foi maior, pois mandou substituir a carne pelo ovo. - acrescentou.

-Tentando traduzir toda essa lambança, parece que ele quis dizer que o ovo tem tanta proteína quanto a carne.

-Não tem mesmo. - garantiu o Bob Esponja.

-Eu gosto de ovo, meu pai, que tinha uma veia humorística estufada, apelidou-me de “papa-ovos.” Mas não vou negar que a carne tem muito mais valor nutritivo, o homem chegou vivo ate hoje porque, desde o tempo das cavernas, comia carne. - disse-lhe.

-Não existiu uma rainha que disse se o povo não tem pão, que comesse brioche?

-Foi a Maria Antonieta, que acabou guilhotinada. Na verdade, a versão superou o fato nessa questão. O filósofo Rousseau escreveu “Se não tem pão, comam brioches”, alguém pegou essa frase, na Revolução Francesa, e colou nela.

-Fizeram com a Maria Antonieta o que a Dilma fez com a Marina. - concluiu.

E continuou:

-O certo, amigo, é que, cada vez mais acordo mais cedo para trabalhar para poder fazer um dinheirinho...

-E poder comer churrasco de carne em vez de churrasco de ovo.

-É isso aí. -disse, enquanto me deixava na Rua Modigliani.

 

 

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