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terça-feira, 28 de outubro de 2014

2723 - balalaika 4


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4973                            Data: 23 de  outubro de 2014

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ORLANDO SILVA PARA SEMPRE NO RÁDIO MEMÓRIA

PARTE IV

 

O retorno do Rádio Memória se deu com o Jonas Vieira.

- Eu queria fazer uma pausa, porque há uma discussão muito grande entre os orlandófilos sobre o Orlando da primeira fase, que vai até 1945 e o Orlando a partir daí, quando passou pelo problema das drogas, a carreira dele deu uma parada séria, só recomeçou nos anos 50. A voz do Orlando, então, era mais abaritonada, antes, era voz tenorina. O melhor Orlando era o da primeira fase, para os orlandófilos, mas muitos achavam o melhor Orlando o da segunda fase. O próprio Orlando se considerava melhor na segunda fase:

-Orlando é o único cantor do mundo que só perdia para ele mesmo. – concluiu o seu biógrafo.

   Ricardo Cravo Albim interveio com a sua bagagem de enciclopedista da música popular brasileira.

-Eu tenho uma tese própria. A primeira fase foi a melhor definitivamente. Mas ele Orlando, porque era preciso, para sobreviver, considerava melhor a sua segunda fase. É normal, é um pensamento absolutamente estratégico de sobrevivência.

-Então, ouvintes, eu selecionei, dessa segunda fase, uma faixa do Freire Júnior, na voz abaritonada do Orlando Silva. O que ele faz com os graves é uma coisa fora do comum, é impressionante. Chama-se “Olhos Japoneses”. Vejam a interpretação do Orlando. - manifestou-se o Jonas Vieira.

Vimos.

-Simon, os seus comentários.

Nós, ouvintes, do Rádio Memória, somos testemunhas de que o Jonas Vieira  mexeu com quem estava quieto. Simon não perdeu a oportunidade:

-Eu gostaria de saber, Ricardo, se você passaria a noite com o rei da Jamaica, se ele lhe oferecesse trazer de volta o Orlando Silva?

-Sérgio Fortes não conteve a gargalhada, enquanto o Jonas Vieira reagia com constrangimento:

-É demais...

-Que mente! - abismou-se o Sérgio com as elucubrações  do Simon.

-Com a rainha da Jamaica, eu passaria... - entrava o Jonas Vieira, agora, no clima de descontração.

-A rainha de Sabá.

Logo depois de citar alegremente a amante de Salomão, Sérgio Fortes se tornou sério. 

-A transformação da voz do Orlando Silva não é incomum. Tem um caso peculiaríssimo no mundo da ópera: o tenor chileno maravilhoso, de muito talento, chamado Ramon Vinay. É um caso único no mundo, ele cantava o “Otello”, de Verdi, tanto no papel de Iago, o barítono, quanto no papel de Otello, o tenor. Houve uma transformação na voz dele ao longo de dez anos. Ele cantou os dois papéis.

Depois, Sérgio Fortes se reportou ao Carlo Bergonzi, a nosso ver, o melhor Ricardo (Gustavo III, da Suécia) na ópera “O Baile de Máscaras”, de Verdi.

-O tenor Carlo Bergonzi, recentemente falecido, estreou como barítono. Um belo dia, caiu um raio na cabeça dele e falou: ”Eu sou tenor”, foi para casa e estudou durante um ano e meio, voltou como tenor e fez uma carreira muito mais importante.

Ricardo Albim, de novo, se manifestou:

-Sobre isso, a gravação que o Jonas acaba de nos mostrar é uma prova exemplar da mobilidade do Orlando nos exercícios da voz. Ele atinge a todos os níveis, passando do grave para o tenorino.  É impressionante.

-Ele faz naturalmente coisas que alguém leva dez anos estudando e, eventualmente, não consegue fazer, não aprende.

Eu seguida, Sérgio Fortes aludiu ao caso de uma suposta pessoa (nascida com o dom de cantor) que diz que vai estudar canto, e é alertado por alguém experiente a não fazer isso, que um professor de canto louco pode estragar a sua voz. 

-Eu conversava muito com o Radamés sobre isso. Radamés dizia que Orlando cantava de primeira, Sílvio Caldas também. Os outros tinham de ensaiar antes de gravar, Orlando Silva chegava e …

Jonas Vieira recorreu a um som onomatopaico com o significado de resolver ou algo parecido, ou seja,  Orlando Silva chegava com a voz e resolvia.

Como eram muitos orlandófilos prenhe de assuntos para verbalizar, Sérgio Fortes não encontrou espaço, ou talvez não tenha se recordado, do Mário Del Monaco, e que, no seu programa “O Clube da Ópera”, Zé Maria, seu convidado mais assíduo, falava, inebriado, da ópera “Os Palhaços”, a que assistiu no Teatro Municipal, onde Mario Del Monaco, depois de cantar o prólogo, no registro de barítono, passava para o papel de tenor.

-Havia um terceiro cantor – disse o Ricardo Cravo Albim – era uma sequência de imitação, consequência direta do Orlando, que é o Nélson Gonçalves, que também chegava e gravava de primeira.

-O Nélson, certa vez, numa conversa comigo, eu lhe perguntei, por que não gravou tal música do Orlando Silva, e ele me respondeu: “Esta só o Orlando podia gravar”. - informou o Jonas Vieira.

-Nélson respeitava o Orlando, sempre respeitou. - acentuou o Ricardo Cravo Albim.

Simon Khoury interveio:

-O repertório do Orlando, o Cauby Peixoto gravaria.

Os dois orlandistas concordaram por ser o repertório de ambos romântico.

Simon Khoury aludiu à extensão da voz do Cauby, e Sérgio Fortes assinalou que ele também é um grande cantor.

Jonas Vieira se dirigiu a todos:

-Vejam só: outra versão, um bolero. Orlando cantando um bolero, versão de Valfrido Silva. Ele canta também em espanhol; chama-se “Enigma”.

Entra a voz do homenageado em português, em espanhol, e, diria o Dieckmann, em portunhol.

Jonas Vieira, eletrizado: “Nenhum cantor de bolero chegou a esse nível”.

-Aliás, a gente estava comentando aqui que pessoas mais velhas... Eu me dou ao desplante de ouvir o Orlando Silva e me arrepiar. Isto é uma coisa quase escandalosa.

Às palavras do Ricardo Cravo Albim se seguiram as do Jonas Vieira:

-A gente ouve tanto e conclui que ele continua cantando cada vez melhor.

E foi adiante:

-É uma coisa fantástica! Quando se descobre Orlando, é como descobrir Beethoven. Não é possível ser tão genial assim!

Neste momento, nós penetramos o pensamento do Sérgio Fortes e escutamos:

-Menos Jonas, menos.

-Mas Jonas foi além:

-Você descobre Bach... O Orlando, na faixa popular, é justamente isso. Ele é o gênio da canção popular. Você descobre Orlando e diz: “Não é possível!”...

-A sensação é imediata. - disse o enciclopedista.

-O maior mistério seria aparecer outro Orlando.

-Ah, não, Simon! Deus é quem determina essas coisas.

Ricardo Cravo Albim desenvolveu esse dito do Jonas Vieira:

-Há de aparecer; a gente pode imaginar daqui a 1 ano, 100 ou 1000 anos.

Jonas se voltou para a próxima atração musical:

-Você citou o “Begin The Beguine”, Simon; pois o Orlando gravou a versão de Haroldo Barbosa.

-Um cracaço! - enalteceu o Sérgio Fortes o humorista de talento multifacetado.

-O Cole Porter enviou uma carta ao Orlando dizendo que era a melhor gravação. E só gente boa gravou “Beguin The Beguine”.

-Centenas. - acrescentou o Sérgio.

Entrou a música do grande compositor.

-Diga Ricardo, ou voltou atrás? - provocou o Jonas Vieira.

-Eu estava apenas comentando sobre a gravação que acabamos de ouvir... aliás, todas as gravações do Orlando merecem comentários. É o Orlando na sua melhor fase, mas a primeira parte do “Begin The Beguine”  não é brilhante. Vou fazer um comentário polêmico: a primeira parte, tal como Orlando gravou, tal como Cole Porter compôs, não é grandes coisas; o bom é a segunda parte.

Para fechar, uma homenagem a Fernando Lobo, um dos maiores... Ele e Caymmi fizeram uma beleza chamada “Saudade”, Eu adoro.

-Eu também. - concordou o Ricardo. É uma pena que você vai acabar o programa,

Entraram, primeiramente a melodia plangente tocada pelas cordas da orquestra,

-Saudade escutar esta música do Caymmi e Fernando Lobo pela voz do Orlando Silva.- disse o seu biógrafo.

Em seguida, contou um causo, já que o Simon Khoury estava acanhado:

-Você ligava para o Caymmi, e ele atendia com a voz completamente diferente. Você deve saber disso, Simon, já que fez uma entrevista com ele. Em seguida, Jonas Vieira imitou o alô afeminado do Caymmi.

-Quando a pessoa se identificava, ele dizia (agora, a voz do Jonas era de baixo-barítono) “Ah sim, aqui é o Caymmi”.

-Isto aconteceu comigo. - revelou o Ricardo Cravo Albim.

Depois de esqueceram por dois minutos o “Cantor das Multidões”, chegaram às despedidas. Ricardo Cravo Albim, como toda a torcida do Flamengo, estava convidado, para o show do dia 28 de outubro, às 19 horas, no Bar Cariocando, que abre o festejo do centenário do grande cantor.

 Mas não era ainda a despedida.

-Ricardo, eu soube que você reza pelo Orlando todas as noites.

-Jonas, eu rezo por um conjunto de cantores que foram meus amigos, especialmente Carlos Galhardo, Sílvio Caldas e, claro, Orlando Silva.

- O “demorado abraço” da dupla de apresentadores do Rádio Memória encerrou o Rádio Memória do dia 29 de outubro de 2014.     

  

 

 

 

   

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