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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

2440 - Memória surpresa

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4240                          Data:  30 de  julho de 2013
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A SURPRESA NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE I

E a surpresa anunciada pelo Jonas Vieira no Rádio Memória do Sururu na Roda se confirmou.
-Apresentamos hoje um musicólogo, escritor, jornalista, historiador, tradutor, crítico, editorialista...
-E acadêmico. - acrescentou o Sérgio Fortes.
E, então, o apresentador do programa anunciou o ilustre nome:
-Luís Paulo Horta.*
De todos esses predicados, detive-me, em primeiro lugar, no crítico de música erudita do Globo. Quando Antonio Hernandez morreu, duvidei que surgisse alguém que o substituísse com um texto tão brilhante, apesar de ele ser boliviano, mas Luís Paulo Horta o substituiu à altura. E passou a ser mais uma das minhas invejas por conhecer o arcabouço das grandes obras musicais. Eu, repetindo uma imagem de Balzac, sei onde está a luz, voejo ao seu redor, como as mariposas, sem conseguir penetrá-la.
-E mais: Luís Paulo Horta é um teólogo. - frisou o Jonas Vieira que, em seguida, lançou a pergunta:
-Por que você é católico?
O convidado respondeu a princípio como camoniano, porque viajara por mares nunca dantes navegados e, depois, enveredou pela sua autobiografia, seu relacionamento com o pensamento oriental, até voltar às suas raízes católicas.
E mais um predicado do Luís Paulo Horta foi lembrado pela dupla de apresentadores do programa:
-Ele é enxadrista.
Não, não era, segundo suas palavras, porque o xadrez exige muito tempo - uma partida dura quatro horas, quatro horas e meia. Lembrei-me, então, de uma piada narrada por Alexandre Dumas numa das suas obras: Balzac, ao saber que ainda lhe restavam nove horas de vida, disse que ainda tinha tempo para escrever mais um romance. Ou seja, as horas gastas em dois jogos pelos enxadristas seriam necessárias para Balzac elaborar mais um livro.
-Há jogos de xadrez disputados por correspondência. - assinalou o Luís Paulo Horta.
Jonas Vieira aludiu a um conto em que dois enxadristas são os personagens, e seu convidado, por sua vez, um tanto dubitativo, citou um conto de Nabokov sobre o jogo de xadrez como sua derradeira obra.
Talvez houvesse mais o gosto pela música do que pela literatura como o principal motivo de ele deixar para o segundo plano o tabuleiro o que o assemelhava com Mário Henrique Simonsen, que deixou de ser enxadrista para se dedicar à critica da música erudita, Ficando a sua esposa, Iluska Simonsen, que até empatou com Boris Spassky, representando a família.
-Há jogos de xadrez que são autênticas obras-primas. – assinalou, com a imediata concordância dos apresentadores do programa.
Jonas Vieira deixou, então, o rei, a rainha, cavalo, torre e peão, para se fixar no bispo, ou melhor, no papa.
-O Papa Francisco me encantou, apesar de eu não ser católico.
-Hoje, qual é a personalidade mundial que está no nível do Papa Francisco?... Temos o Mandela, mas está muito doente.
-Está na fronteira. - aditou Jonas Vieira suas palavras às do teólogo.
 Ex-alunos do Santo Inácio, Sérgio Fortes e Luís Paulo Horta se referiram à presença marcante do papa jesuíta,
Como ele chegou ao papado, depois de uma renúncia que não ocorria há séculos na igreja, foi explicada, descontraidamente, pela atuação do Espírito Santo como enxadrista.
Em seguida, todas as vozes se calaram e a música de Handel se elevou absoluta. Soada a última nota, Luís Paulo Horta se revelou um Handeliano e se queixou que seja um compositor subavaliado.
Jonas Vieira, como fizera no programa do Sururu na Roda, mas com menos veemência, referiu-se às iniquidades do Vaticano, citando o Banco Ambrosiano, e pediu uma explicação ao seu convidado.
-O ser humano é falível e essas falhas repercutem mais quando cometidas por religiosos.
Prosseguindo, falou da longa doença do Papa João Paulo II, em que a administração da Cúria ficou largada e que seu sucessor, Bento XVI, é um grande teólogo, mas não um administrador...
 -É um pianista. - aparteou o Sérgio Fortes.
-Um pianista – confirmou – mas não um administrador, o que deixou um vácuo na Cúria. A grande esperança agora é o Papa Francisco.
-Imaginava-se que recairia a escolha de um papa da América do Sul e que ele seria do Brasil. - manifestou-se o Jonas Vieira.
-O critério não é geográfico. - esclareceu o Luís Paulo Horta.
-Então, o Espírito Santo entrou como enxadrista e o Cardeal Bergoglio foi o escolhido. - recorreu à imagem do seu convidado.
-Ninguém em sã consciência quer ser papa. - declarou o teólogo, provocando risos no Jonas Vieira e no Sérgio Fortes.
Houve, de fato, nesse aspecto, uma mudança radical na igreja católica, mormente para quem conhece as artimanhas usadas pelo pai de César e Lucrécia Bórgia para se tornar o Papa Alexandre VI. - pensei.
Luís Paulo Horta prosseguiu:
-Bento era muito ligado ao Papa João Paulo II, acompanhou os seus últimos momentos.
-De fato. - repetiu o Sérgio Fortes.
Em seguida, todas as vozes se calaram, e foi ouvida a Marcha Turca de Mozart num arranjo filarmônico.
-E, então? - perguntou o Sérgio Fortes ao convidado com um orgulho que nos levantou a suspeita de que a refinada seleção musical fora realizada por ele.
-Mozart é o gênio dos gênios.
O crítico de música lembrou, em seguida, um teólogo protestante que declarara que os anjos tocam Bach para Deus, mas, entre si, tocam Mozart, e Deus escuta atrás da porta.
Enquanto riam, continuou:
-Beethoven é racional, bem construído, poderoso, mas você explica Beethoven.  Mozart não se explica, é um mistério.
E votou a aludir, descontraidamente, ao Espírito Santo no surgimento de Mozart, provocando mais risos de alegria de todos.
Jonas Vieira e Sérgio Fortes retornaram ao tema da visita do Papa Francisco ao Brasil e à política do Vaticano.
-É surpreendente a aceitação popular que o papa vem conseguindo. A figura de um argentino... Mas o Cardeal arcebispo Dom Odilo Scherer foi cogitado como substituto do Bento XVI.
-Eu nunca achei que Dom Odilo tenha sido apontado para enfrentar Angelo Scola, o Cardeal de Milão.
E reforçou a sua declaração ao dizer que essa especulação sempre lhe pareceu artificial.
Mas Jonas Vieira insistia nos casos escabrosos ocorridos nos papados.
-Stendhal escreveu as “Crônicas Italianas”, baseado em documentos obtidos em cartórios, em que conta casos horríveis acontecidos entre os papas.
Luís Paulo Horta confessou que ainda não lera essas crônicas, mas disse que esses fatos não aconteciam mais, que não acreditava numa teoria conspiratória.
-A primeira vez que você veio aqui, falou do seu livro, como está ele?
Caramba, perdi esse programa! - disse comigo mesmo, logo que ouvi a indagação do Jonas Vieira.
-O livro está na quarta edição.
-Qual é o nome?
-A Bíblia – Um Diário de Leitura.
Noto que me precipitei na narrativa do diálogo. Mea culpa, mea maxima culpa. Procurarei acertar a cronologia das falas na segunda parte, em que procuro, até onde permite a minha memória e o meu gravador, reproduzi-las fielmente.

*As edições sobre esse programa foram redigidas antes do falecimento do Luís Paulo Horta, depois, elas não seriam possíveis, pois escrever é, para nós, um ato de alegria.



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