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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

2434 - o vibrador literato



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4234                            Data:  21 de  julho de 2013
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TIN TIN NAS QUADRAS E NO SABADOIDO

Claudio me franqueou o portão e me deixou ir adiante sozinho, pois alimentava as rolinhas. Entrei na cozinha, que estava quase toda na penumbra e, pelo silêncio, deduzi que a Gina fora às compras; quanto ao Daniel, seu pai já me informara que havia saído de carro pela zona sul para apurar ainda mais seus reflexos de motorista.
Na cadeira em que meu irmão leu o Globo, a penumbra estava mais acentuada e eu pretendia adiantar a leitura do jornal para terminá-la em casa, onde o exemplar sempre chega tarde. Não acendi a luz porque sempre me vem à mente, nessas horas, uma frase resmungona do meu pai: “Não sou sócio da Light”. Como a frase poderia passar de pai para filho, procurei alternativa e a encontrei: ler o jornal na cadeira mais próxima da porta, pois a luz natural me deixaria ver mesmo as letras mais diminutas.
Quando o meu irmão adentrou a cozinha, perguntou por que eu estava naquela cadeira; depois de responder, ele retrucou:
-Esta é a minha cadeira de chupar laranja; acenda a luz e leia na outra.
Uma cadeira para ler jornal, outra para chupar laranja, só a Light tem a ganhar com essas idiossincrasias. (*) - pensei, mas disse outra coisa:
-Claudio, emprestei o “Diabo a Quatro”, dos Irmãos Marx, à mamãe, e ela me devolveu, depois de vê-lo, criticando a bobeira do filme, que ela gosta mesmo é do humor do Carlitos.
-Mamãe está muito crítica, Carlinhos; mais um pouco e ela vira uma Barbara Heliodora.
-Há um filme do Woody Allen em que o personagem hipocondríaco que ele vivia procura reerguer o seu ânimo no cinema com um filme dos Irmãos Marx.
-“Hannah e Seus Irmãos. - identificou a película.
-Pois é, Claudio, o humor do Charles Chaplin, em muitos aspectos, ficou datado, sem falar no excesso de sentimentalismo. É claro que o crédito dele supera largamente os seus defeitos. Eu tenho procurado comprar, pela internet, filmes dos Irmãos Marx. Já dei uma sorte formidável quando encontrei, numa banca de jornal do Largo da Carioca, um DVD com alguns programas que o Groucho Marx fez na televisão.
-Mamãe anda muito crítica. - repetiu, enquanto engolia mais um gomo da laranja que descascara meticulosamente.
-O Luca vem hoje? - perguntei.
-O Vagner é que deve faltar, novamente, pois é aniversário da neta e ele deve estar fazendo os brigadeiros a esta hora.- informou-me em tom de chiste.
Logo o telefone soava, sinal de que o Luca iria aparecer logo.
-Pode estacionar aí, Luquinha. - dizia meu irmão com um tom de voz que não era para ser levado a sério.
Eu larguei o Globo, meu irmão jogou as cascas da fruta no recipiente de lixo e fomos recebê-lo. Luca, logo que me viu, estendeu o braço com uma sacola. Não eram, como sempre acontece, cartas e livros da Rosa Grieco e sim, um objeto que se assemelharia a um cogumelo não fossem três tentáculos.
-Carlinhos, aqui está o vibrador que você me pediu. - disse, depois de entregar uma garrafa de uma bebida, que não identifiquei, ao meu irmão.
Enquanto eu me situava no tempo e no espaço com o vibrador, ele me perguntou se eu estava com dor de cabeça, pois a minha mão estava apoiada nela. E percebi a razão da pergunta: aquele vibrador massageia os locais doloridos.
-Quanto custou, Luca?
-Você vai pagar o preço que paguei: nada. Disse para o vendedor que o outro fora uma porcaria e o “Japa” deixou este de graça.
Enquanto falava eu passava o vibrador nas costas para, em seguida, entregá-lo à minha cunhada, que chegara das compras. Ela massageou a coluna cervical e cobrou do Luca um também para ela.
-Comigo aqui, não há necessidade de vibrador. - interveio o Claudio.
Luca passou a falar das contendas de pingue-pongue em que participara nessa semana e nas derrotas que vem acumulando.
-Há uma garotada de 15, 16 anos que está jogando muito bem.
Mudei drasticamente de assunto:
-E o Elio finalmente reapareceu.
-Carlinhos, quando você enviou a minha foto para o Elio, com o Martinho da Vila e ele não se manifestou, fiquei preocupado.
-E ele já respondeu? - quis saber meu irmão.
-Elio disse, Claudiomiro, que vai enviar a minha foto com o Martinho da Vila para o Caetano Veloso, enquanto o Carlinhos escrevia que eu traí o Chico Buarque.
-Elio tem olho de lince, enxerga o menor erro na revisão do Biscoito Molhado.
E concluí:
-Quando escrevemos, o cérebro sai na frente e eu pulo palavras, e mesmo na minha leitura final, às vezes não me dou conta, já está processado na cabeça; o Elio capta isso tudo.
Claudio, que saíra, voltou com dois copos.
-John Travolta faz propaganda dessa bebida. - manifestei-me.
E prossegui:
-O Jonas Vieira corrigiu o Dieckmann, no Rádio Memória, dizendo que “Pelo Telefone” é maxixe, que o samba surgiu, com sua cadência, na década de 20.
-No Estácio, surgiu a primeira escola de samba, “Deixa Falar”.
-Sim, Claudio, mas o samba surgiu mesmo na Gamboa.
-É lá, na Pedra do Sal, aonde a Carolina vai sempre. - manifestou-se o Luca.
Mas esse tema não foi mais explorado; as manifestações que ocorreram na quarta-feira passada, no Leblon, eram comentadas por todos, e nós, do Sabadoido, não podíamos ser exceção:
-Dar pena ver um velho chorar. - compadeceu-se meu irmão.
-Um trabalhador que se vê roubado. -rezinguei.
-Como era o nome da loja saqueada? - puxou o Luca pela memória.
-Toulon. - respondemos.
E o Luca prosseguiu numa indignação crescente:
-Os vândalos ficam à vontade, cometendo os maiores desatinos, e não aparece um policial...
-A policia toda protegia o Sérgio Cabral. - aparteei.
-É isso que o governador quer: bastante vandalismo, para que a imprensa divulgue e assim as pessoas imaginarem que só bandidos estão protestando contra ele.
-A coisa não ficou só na Delfim Moreira, estendeu-se até a Ataulfo de Paiva...
-Sim, Claudiomiro, com eles quebrando e tocando fogo no lixo pelo caminho.
A palavra passou para mim:
-Eu acompanhei uma parte dos acontecimentos pelo Facebook. A filha de uma colega minha, que mora na Venâncio Flores, escreveu: “O Leblon está punk, hoje. Vinte minutos depois, escreveu: “Com essa barulheira toda, não se consegue dormir.”; quinze minutos após: “Cabral, seu desgraçado.”
Com a chegada do Daniel, a conversação ficou descontraída, e a conversa agora era a Liga Mundial de vôlei, disputada em Buenos Aires.
-Vocês viram Brasil e Rússia?
Era uma pergunta retórica, pois Luca seguiu adiante.
-Glória e Carolina assistiam ao jogo, quando a Carolina chamou a nossa atenção para um russo que era a cara do Tintin. Vocês sabem quem é o Tintin, não sabem?
-Era um personagem antigo de histórias de quadrinhos que, agora, virou filme.
-Personagem francês (na verdade, belga). - juntei minhas palavras às do Claudio, calando-me sobre a grande admiração que o Dieckmann (**) tem por Tintin (o repórter e viajante, evidentemente, não o jogador).
-E não é que, pouco depois, se ouvia pela televisão o Bernardinho gritando: “Marquem o Tintin.”
Na próxima partida entre Brasil e Rússia, prestarei atenção no Tintin.

(*) E os marceneiros.
(**) perguntado, o Dieckmann esclareceu, com a tradicional fleugma: “Colocado assim, parece que sou fã da personagem, mas, na verdade, sou fã do desenho, que é dinâmico. O Tintin em si nada acrescenta, até prefiro o Capitão Haddock – certamente pela lembrança alimentar dirá o famigerado redator do seu O BISCOITO MOLHADO – ou a dupla de trapalhões, Dupont e Dupont”.

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