Total de visualizações de página

terça-feira, 16 de agosto de 2011

1991 - festa e aventura

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 3821 Data: 04 de agosto de 2011

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

CARTAS DE LEITORES

- O redator do Biscoito Molhado não acha que os filmes da Triumpho 30 Produções lembram cada vez mais “A Festa de Babette”? Ou o filme franco-dinamarquês não foi visto pelo responsável da redação?... Birgitte

BM: Assistimos ao filme, evidentemente, logo após seu lançamento no Brasil, no fim da década de oitenta. Vamos fazer uma resenha do filme.

Babette escapa da conturbada França da repressão à Comuna de Paris, em 1871, e se refugia, como faxineira, na casa de duas senhoras, devotas filhas de um pastor, então já falecido, na costa da Dinamarca. Essas irmãs sacrificaram os arroubos amorosos da juventude pela fé e pelas obrigações religiosas, e mantiveram a influência do pai sobre os habitantes do lugar.

Com a chegada de Babette, o rigor religioso das irmãs e do povoado começa a ser abalado. Depois de ganhar na loteria, Babette convence as irmãs e a todos do lugar a participarem de um banquete com pratos franceses, que festejaria o centenário de nascimento do pastor. Não foi fácil, porque eles julgavam que perderiam a alma, se viessem a se entregar aos prazeres terrenos.

As cenas do banquete são um dos pontos altos da cinematografia.

A fita foi baseada no conto de Isak Dinesen, pseudônimo da escritora Karen Blixen, porque, na época, escritoras não eram bem vistas na sociedade nórdica. Parte da vida de Karen Blixen, aliás, em versão romanceada, é contada no filme “Out of Africa” (no Brasil, com o nome “Entre dois amores”), que fez muito sucesso.

Muitos escreveram sobre “A Festa de Babette”, enveredando por filosofia, religião e realçando a “felicidade sem pecado”, que representou o banquete de Babette, mas nós reproduziremos um trecho de Rubem Alves, colunista do Correio Popular, de Campinas, SP:

“-... Comer é muito perigoso, porque quem cozinha é parente próximo das bruxas e dos magos. Cozinhar é feitiçaria, alquimia e comer é ser enfeitiçado. Sabia disso Babette, artista que conhecia os segredos de produzir alegria pela comida. Ela sabia que, depois de comer, as pessoas não permanecem as mesmas: coisas mágicas acontecem. E desconfiavam disso os endurecidos moradores daquela aldeota, que tinham medo de comer do banquete que Babette lhes preparara. Achavam que ela era uma bruxa e que o banquete era um ritual de feitiçaria, no que estavam certos – que era feitiçaria, era mesmo. Só que não do tipo que eles imaginavam. Achavam que Babette iria pôr suas almas a perder, não iriam para o céu. De fato, a feitiçaria aconteceu: sopa de tartaruga, cailles en sarcophage, vinhos maravilhosos, o prazer amaciando os sentimentos e pensamentos, as durezas e rugas do corpo sendo alisados pelo paladar, as máscaras caindo, os rostos endurecidos ficando bonitos pelo riso, in vino veritas... Está tudo no filme “A Festa de Babette”.

Terminado o banquete, já na rua, eles se dão as mãos, em uma grande roda e cantam como crianças... Perceberam, de repente, que não se encontra o céu depois que se morre. Ele acontece em raros momentos de magia e encantamento, quando a máscara-armadura que cobre nossos rostos cai e nos tornamos crianças de novo. Bom seria se a magia da “Festa de Babette” pudesse ser repetida...”.

Com a cozinha de Fred Dieckmann, filmada por seu pai, a magia se repete, pelo que dizem. Quando ele não está no restaurante em São Paulo e sim na reunião da Turma do Bondinho, promovida pelo cineasta às segundas-feiras, cozinhando, a coisa lembra o banquete de Babette. Há quem diga que o pessoal desce as ladeiras de Santa Teresa de mãos dadas e cantando sucessos carnavalescos da década de cinqüenta, com Roberto Dieckmann à frente.

*********************

- Na visita que Vinícius de Moraes lhe fez, você não o achou severo demais com suas primeiras obras, a ponto de usar páginas delas para calafetar a porta de seu escritório, para a água da chuva não entrar? Martina

BM: O poeta, quando escreveu esses versos, por volta de 1931, era amigo de Octávio de Faria, San Thiago Dantas, Hélio Viana, Gílson Amado, Antônio Galloti, Antônio Lacombe. Declaravam-se de direita e torciam pela vitória do fascismo.

A seus biógrafos, Vinícius de Moraes disse: “- Líamos Nietzsche como quem vai morrer: 'Escreva com teu sangue e verás que teu sangue é espírito!' Ah, como amávamos essa palavra 'sangue'...Ah, que conteúdo tinha para nós essa palavra 'espírito'... Eu espiava o passeio das almas no sentido da luz. Sentia-me mal por ter cedido ao prazer e à luxúria da carne... logo, eu?!...”

Eis o que disse Tati, a primeira mulher do Vinícius de Moraes, ao biógrafo João Carlos Pecci:

“- Quando começamos a namorar, não havia tempo para se falar em política. E depois, quando fui para a Europa, eu era do lado dos aliados. E ele, caladinho, não é? Até que um dia me confessou que era germanófilo, o safado...”

O próprio Vinícius ratifica esse fato em um de seus depoimentos:

“- Eu torcia pela Alemanha durante a guerra. Vários fatores mudaram meu pensamento. Em primeiro lugar, as mulheres, e é por causa disso que devo tanto a elas. Quando me casei com minha primeira mulher, tinha um pensamento fascista, achava que tinha que ser um aristocrata do espírito. E sempre que a gente topava no caminho do pensamento, a gente brigava muito. Mas o amor era muito grande, e as discussões políticas acabavam sempre na cama...”

Por isso, de seu primeiro livro, O caminho para a distância, Vinícius de Moraes apenas considerou um poema para sua Antologia, “A uma mulher”.

********************

- Por que, na visita do poeta Vinícius de Moraes, não se falou do grande Pixinguinha? Bibi Andersson

BM: Porque o uísque acabou antes do tempo, cara leitora, e, daí, o grande poeta pulou fora.

Com Pixinguinha, grande admiração dele, Vinicius participou, em 1963, da trilha sonora do filme “Sol sobre a lama”, dirigido por Alex Viany, colocando letras nos choros “Lamento” e “Mundo Melhor”.

Em outras composições, Vinícius também prestou reverência ao grande compositor, arranjador e instrumentista da música popular brasileira.

*********************

- Li o Biscoito Molhado, sobre os atentados que os encenadores têm cometido, ultimamente, nas óperas. Há pessoas que gostam de praticar comensalismo com a arte alheia. No passado, os diretores teatrais respeitavam mais as óperas que encenavam. Philippa

BM: Reli a autobiografia do fabuloso tenor dramático Mario Del Monaco, que ele intitulou “Minha Vida, Meus Sucessos” e não há referências marcantes a diretores que consideraram sua inspiração mais significativa do que a dos compositores.

Mario Del Monaco se queixa, isso sim, do então futuro terceiro marido de Elizabeth Taylor, Mike Todd, que, com suas elucubrações empresariais, em uma encenação da Aída, de Verdi, nas Termas de Caracalla, em Roma, iria acabar prejudicando astros e comprimários que participariam da ópera. O tenor entrou em choque com o produtor americano, que dizia ter inventado uma adaptação do cinerama, o “Todd A.O.” e salvou a turma.

**********************

Nenhum comentário:

Postar um comentário