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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

2740 - Animação


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4990                                    Data: 22  de  novembro de 2014

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195ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

Na fila do ponto de táxi do NorteShopping, veio-me à mente os meus primeiros anos de trabalho na Marinha Mercante; áreas marítimas eram cartelizadas pelos armadores das conferências de fretes, os de fora, chamados “outsiders”, podiam atender os usuários do transporte marítimo de carga geral, mas numa proporção bem menor – era estabelecido 20%, num universo de 100%.  Lá, no ponto, a área em frente do Shopping pertencia à COPERNORTE, ao largo, ficavam os táxis de outras cooperativas, os “outsiders”, que, já formavam uma fila maior do que as das pessoas que preferiam o serviço cartelizado.

Vi, ao me aproximar, umas seis pessoas na fila e apenas dois táxis da COOPERNORTE, como eu demorara pouco na dentista, eu tinha todo o tempo do mundo para esperar. Ocorreu-me, então, essa reminiscência e, em seguida, as reservas que eu nutria contra monopólios, ou coisa parecida, gigantescos ou diminutos.

Chamou-me a atenção na fila dos que não tinham aquela reserva de mercado, um táxista que me olhava fixamente, há algum tempo, creio. Quando conseguiu fazer contato visual comigo, fez gestos com a cabeça, levantar de sobrancelhas para eu entrar no seu táxi. Eu não tinha pressa, repito, além disso, o carro dele era o último da fila, se eu sucumbisse à sua proposta, desdenharia o serviço regular da COOPNORTE, até aí nada demais, e os taxistas “outsiders” que chegaram à frente dele, uns oito.

Aguardei o serviço cartelizado e não esperei dez minutos para entrar num táxi guiado por um cidadão de uns trinta anos de idade.

Foi ele quem puxou conversa.

-Os preços estão lá em cima. A vida está dura.

-Não estão achando, pois reelegeram a presidente; pediram bis. - limitei-me a dizer.

-Eu não votei nela. - crispou-se ao volante.

-O que ela disse que os seus adversários, Aécio e Marina Silva fariam, ela está fazendo. O marqueteiro dela armou a mais escandalosa propaganda enganosa. O público alvo era a massa de ignorantes e desinformados, a maioria esmagadora do eleitorado brasileiro. - comentei.

-As passeatas contra este governo pipocam pelo Brasil, daqui a pouco, serão em maior número. - animou-se.

-Os reacionários já portam faixas pedindo a volta dos militares.

-Você viu a votação do Jair Bolsonaro?... Não seria ruim se os militares voltarem.

-Não diga isto. - reagi.

-Eles puseram ordem na casa, e é disso que precisamos. - afirmou.

-Numa ditadura militar, o direito ao habeas corpus é suspenso; alguém, mesmo com um fiapo de poder, pode lhe prender e sumir com o seu corpo. Isso aconteceu no Brasil e muito mais ainda no Chile e na Argentina nos chamados Anos de Chumbo.

-O senhor, então, é completamente contrário a essas faixas nas passeatas.

-Não sou contrário – respondi-lhe – é bom que este governo se assuste com o fantasma da ditadura militar para não cometer os descalabros que vêm cometendo.

Como ele era novo, não vivenciou o tempo em que o regime militar se impôs no Brasil, talvez, retransmitisse os pensamentos dos seus pais ou de pessoas a quem respeitava, pois insistia na “ordem na casa”.

-Essa ordem lembra os dizeres da bandeira brasileira e se explica, pois a república surgiu de um golpe militar que deu por encerrada a monarquia. - disse-lhe.

-Não pode continuar essa lambança toda que estão fazendo, tem-se de dar um basta. - falou, enquanto aguardávamos que o demorado sinal verde da Rua Pedras Altas com a Avenida Hélder Câmera se iluminasse.

-Muitos disseram que lutaram contra a ditadura quando, na verdade, pretendiam trocar a ditadura da direita pela da esquerda; uns eram maoístas, outros trotskistas, stalinistas, gramscistas, de todos os matizes do vermelho, que são incontáveis.

-Os petistas. - aparteou-me.

-Eles chegaram ao poder e constataram que dinheiro é bem melhor do que ideologia.

-E isso tem de acabar. - indignou-se.

-A Constituição de 1988 dá autonomia à Polícia Federal e ao Ministério Público para investigar a corrupção, porém, na hora da justiça se impor... Os corruptos do mensalão só foram para a cadeia porque um juiz, o Joaquim Barbosa, não é palaciano e lutou para que a lei se impusesse. Ele desagradou a muitos e teve, praticamente, de antecipar a sua aposentadoria.

-É assim que está o Brasil.- acrescentou às minhas palavras.

Depois, fez-me uma pergunta adicionada de comentários:

-Você leu que vão mudar o nome da ponte Rio-Niterói de Costa e Silva para Betinho? Nada contra o Betinho, que foi uma grande figura humana, mas essa mudança é o fim da picada.

-O governo petista, há doze anos no poder, não realizou uma só obra de vulto; eles querem, agora, roubar uma do governo militar. O presidente Lula, aliás, não fez outra coisa: roubava as realizações do Fernando Henrique Cardoso, mudava os nomes e dizia que eram dele. Enganou os trouxas. - disse-lhe.

Quando ele falou das faixas de passeata pedindo o impeachment da presidente reeleita, seu táxi já subia a Rua Renoir e se aproximava da Praça Manet.

-Se tirarem a Dilma do poder, quem assume é o vice, o Michel Temer. A alternativa é tão ruim que não valerá a pena parar o país, diferentemente do que aconteceu com o Fernando Collor. - lembrei-lhe.

-Mas não há uma possibilidade de tirarem os dois numa só tacada? - quis saber.

-Se ficar comprovado que os dois receberam dinheiro ilícito para a campanha eleitoral, caem os dois.

 -E receberam, é que não interessa aos políticos e empresários afastarem os dois, como interessou no caso do Collor.

Concordei com ele e memorei o golpe que destituiu o Getúlio Vargas do poder.

-Vivia-se, em 1945, o Estado Novo, não havia vice-presidente e o Congresso estava fechado. Sem vice-presidente da República, presidente da Câmara dos Deputados, presidente do Senado, assumiu o poder José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal.

-E aqui se tirarem a Dilma e o Michel Temer.

-O primeiro na hierarquia para assumir é o deputado Henrique Alves.

Fez uma expressão de asco.

-Depois dele, o senador Renan Calheiros.

-Pior ainda.

-Em seguida, a poder iria para o Ricardo Lewandowski.

-Nossa! - persignou-se como se estivesse diante de um vampiro.

Na Rua Modigliani, a nossa conversa animada, ora desanimada, se encerrou.

 

 

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