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terça-feira, 11 de novembro de 2014

2732 - dois mais dois pra lá


           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4982                                 Data: 10  de  novembro de 2014

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193 ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

-Soube que você foi assaltado no ponto de táxi da Van Gogh.

Era a primeira vez, desde essa lamentável ocorrência, que eu pegava o táxi do Bob Esponja.

-Estávamos eu e o 009, o Gaguinho...

-Eu soube pelo  262, o pai dele.- interrompi.

-Eles vieram na motocicleta, um na garupa, e disseram aquela gíria dos assaltantes: “Perdeu”.

Eu, que já tinha ouvido essa palavra, embora de um ladrãozinho pé de chinelo, sabia o quanto ela é horrível.

Com uma tranquilidade surpreendente, Bob Esponja prosseguiu:

-Eles me levaram a aliança, a velha, porque a nova eu deixei em casa; pegaram 100 reais... Eu tenho um Nextel, o Gaguinho, um celular vagabundo; eles me deixaram com o Nextel e roubaram o celular vagabundo do Gaguinho.

E acrescentou:

-Até hoje, não entendo.

Provavelmente, o fato de o Nextel ter escapado ileso do assalto fosse era a razão da revolta nenhuma do taxista.

-Eu, como você sabe, que passo pela Van Gogh na hora em que vocês foram vítimas, passei a tomar minhas providências; coloco documentos e cartões de banco numa meia que, depois, enfio na cueca.

-Deixe um dinheirinho para o assaltante. - sugeriu.

-Um amigo meu, cuja filha volta tarde do samba na Pedra do Sal, a aconselha a não sair nunca com  cartões de banco, e sim com uns 300 reais, que deixariam o assaltante satisfeito.

-De mim, levaram 100 reais, como eu já disse, do Gaguinho, eu não sei quanto.

-Eu reservo uns 80 reais para esses vagabundos.

-Está razoável. - aprovou, como se fosse uma vítima com experiência.

-Muitas vezes, vejo, naquele beco dos cracudos, que tenho de atravessar para chegar à estação do metrô de Del Castilho, uma motocicleta estacionada.

Julguei que se interessaria pela informação, mas a sua expressão era de indiferença.

-Chegamos. - disse.

 

 -E o metrô?

Esta é a infalível pergunta do Albino sempre que entro no seu táxi no ponto da Domingo de Magalhães junto à estação de Maria da Graça.

-Sem muitos atrativos.

Minha resposta o deixou intrigado:

-Como assim?

-A maioria dos passageiros não fala, encara o visor do celular.

-Meu filho é assim, gosta dos joguinhos. - comentou.

-Outra parte, finge que dorme, principalmente aqueles que se acomodam nos bancos das grávidas, idosos, passageiros com criança de colo e deficiência física.

-A educação é nenhuma. - indignou-se.

E concluí:

-Então, restam as TVs espalhadas pelos vagões, mas, como disseram com brilhantismo: “Nada mais antigo do que o Jornal da véspera.”

-Só mostram notícias de lá atrás?...

-Por exemplo: “Com Marina no poder, os banqueiros farão a festa, juros subirão e não haverá pratos de comida na mesa dos pobres nem livros. – diz a campanha da Dilma.”

-Isso, depois de ela não ter ido nem para o segundo turno, e a Dilma ter aumentado os juros?... Entendo porque os passageiros dormem ou só olham para os seus celulares.

-A notícia não foi bem a que falei, mas a defasagem de tempo é mais ou menos essa.

-Você não me disse, uma vez, que essas câmeras do metrô mostram filmes do Carlitos e do Gordo e o Magro?

-Sim; até mostraram uma cena do “Táxi Driver” em que o Robert De Niro improvisa diante de um espelho, demostrando que ele se inspirou no Marlon Brando no filme “O Pecado de Todos Nós”. Isto, meses atrás, eu até entortava o pescoço para ver.

-Agora, são fitas informativas. - concluiu.

-Infelizmente; são notícias sobre artistas de cinema, jogadores de futebol, disputas esportivas e, alguma coisinha de política.

-É por isso que não me animo a ir de um lugar para outro sem o meu carro.

-Você me disse que tem dois carros, porque sempre tem de haver um de reserva.

Lembrei isso, enquanto saltava na rua Modigliani.

 

No dia subsequente, foi a vez do táxi do 009. Como aconteceu com o Bob Esponja, era a primeira vez desde o assalto, como seria quase que requentar esse assunto, comecei a falar do seu filho adolescente.

-Ele está animado com o handebol?

-O garoto não vai desistir nunca, e nem pode, a bolsa de estudo dele, no São José, veio porque ele pratica handebol.

-Assisti a uma partida entre Brasil e Argentina, uns quinze dias atrás, e aprendi muita coisa com o comentarista.  Ele disse que Hitler gostava muito do Handebol e, por isso, ele foi introduzido nas olimpíadas de 1936 em Berlim. - disse-lhe.

-Deve ser, porque foi um alemão que inventou esse esporte.

-Os jogadores, tanto brasileiros quanto argentinos, tinham as camisas sujas, foi explicado que a causa era uma resina.

Gaguinho foi mais didático para mim do que o comentarista:

-Existe uma resina para se praticar handebol; você tem de passar nas pontas dos dedos, se passar pela mão toda, ela pode ficar colada além da conta e o passe sair errado.  Como ela é grudenta, agarra toda sujeira.

-Entendi.

-A escola fornece a resina para o meu garoto, mas, às vezes, tenho de comprar.

E falando de esportes, sem tocar em nenhum tema desagradável, chegamos à Rua Modigliani.

 

O 017, apesar de ser o mais irritadiço dos taxistas da cooperativa – dos que eu conheço, bem entendido – é o único que sintoniza no rádio do seu carro emissoras que tocam a boa música popular brasileira; ela é rara, mas ele a encontra. O Dermeval ou Paizão, como já registramos aqui, prefere histórias que nos reportam ao “Incrível, Fantástico Extraordinário”, apresentado pelo Almirante, na Rádio Tupi que, soube agora, 100 dessas histórias, que me deixavam de cabelo em pé na minha infância, foram preservadas em 13 matrizes de acetato.

Mas voltemos ao 017 com a música popular brasileira. Desta vez, se ouvia no seu táxi “Dois Pra Lá Dois Pra Cá.”

-Esta música com a Elis Regina!...

-Li um artigo, anos e anos atrás do José Ramos Tinhorão, em que ele escreveu que o João Bosco não estava à altura das letras do Aldir Blanc. - manifestei-me.

-A melodia é uma beleza também. - contestou.

-Eu diria que os três maiores letristas vivos são Chico Buarque, Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc.

-Você esqueceu o Caetano Veloso.

-Quatro; os quatro maiores. - penitenciei-me.

-Não gosto deles quando se metem em política.

Dei-lhe razão e fui adiante:

-Aldir Blanc foi sumamente infeliz numa coluna do Globo nesta campanha eleitoral. O que lhe interessa mais era o Ministério da Cultura, ou seja, o seu umbigo e pintou o Aécio Neves como um político dos milionários, almofadinha. Parecia que a sua opinião foi formada pelo João Santana, e, sabemos nós, os marqueteiros são formadores de opinião dos eleitores intelectualmente limitados.

-Vamos ouvir a música. - pediu.

E a ouvimos até a Rua Modigliani.

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