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terça-feira, 18 de novembro de 2014

2736 - uótizap


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4986                                 Data: 16  de  novembro de 2014

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192 ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

-Modigliani?

-Desta vez, não, Vou para a Rua 24 de Maio. Saí mais cedo do trabalho para visitar minha sobrinha no seu aniversário.

-Vou por aqui para evitar o trânsito da Aristides Caire e da Arquias Cordeiro.

-Faça o que achar melhor. - disse ao Bob Esponja.

-Daqui a pouco, paro para o almoço e para tirar uma sesta, estou no volante desde as 3h da manhã.

Mesmo cansado, ele sempre está pronto para uma conversa.

-Na viagem de metrô, agora, três meninas adolescentes, falando espanhol, se dirigiram aos passageiros, cantaram duas músicas e, depois, recolheram uns trocados.

-Bonitinhas?

-Sim, e vestidas como quaisquer jovens brasileiras de classe média. Mas não é a primeira vez; quando pego o metrô, entre 11 e meio dia, comumente me deparo com essas garotas latino-americanas cantando, tocando instrumentos e passando o chapéu.

-Elas pedem ostensivamente dinheiro pela exibição? - demonstrou curiosidade.

-Não; dizem que um sorriso já paga o show, mas se alguém quiser contribuir...

-E você contribuiu?

-Com dois reais.

-Se elas forem venezuelanas, compram um estoque de papel higiênico antes de voltar para o seu país, mas se forem argentinas, compram dólares antes do retorno. - comentou.

-Creio que só saem do Brasil se nosso país cair na mesma decadência dos países delas, o que pode acontecer com tantos descalabros deste governo. - disse-lhe.

-Essas meninas agem nessa hora porque podem se locomover com facilidade pelos vagões, por isso, o amigo não as vê no horário normal de ida e volta do trabalho.

-Bonitas, artistas, educadas, não importa, elas estão praticando mendicância e isso não é proibido pela direção do Metropolitano?

-Quando fui segurança do metrô, tínhamos ordens de impedir que aquele pessoal que aparece nos ônibus dizendo...

-Eu poderia estar roubando, mas estou aqui pedindo aos senhores uma ajuda para tratar do meu filho doente. - antecipei-me.

-Isso. - confirmou.

-É o clichê dos pedintes.

Ele prosseguiu:

-Nós tínhamos de proibir esses pedintes, bêbados, aquelas pessoas que perturbam os passageiros. Pelo o que o amigo me disse, essas garotas não perturbam, mas não importa, é pedido de dinheiro, e não pode.

-Eu me sentiria constrangido se as visse sendo maltratadas.

Bob Esponja se tornou autobiográfico.

-Eu era segurança do metrô, no ano 2000, quando assaltaram na estação de Triagem, fui para a marca do pênalti. No ano seguinte, assaltaram a bilheteria de Del Castilho e a mim, inclusive, Então, a minha cabeça foi entregue numa bandeja.

-Eles lhe assaltaram também?- surpreendi-me.

-Andávamos desarmados, vou fazer o quê?... Fui, então, dirigir táxi.

-E também foi assaltado. - não consegui conter a ironia amarga.

-Se eu não quiser ser assaltado, vou ter de sair do Brasil. Mas há lugares piores, como os países dessas meninas de que o amigo estava falando.

-Você vai entrar no Buraco do Padre, dobrar à direita, passar pela bifurcação que leva ao Lins de Vasconcelos. Solto no primeiro prédio que aparecer.

-Do lado do colégio?

-Sim.

-Deixa comigo.

Bob Esponja ainda teve tempo para falar de um parente seu, do Maranhão, que se alojou na sua casa para prestar as provas do ENEM.

 

 Na volta para casa, o profissional do táxi que peguei, embora desconhecido para mim, mostrou uma desenvoltura que poucos da cooperativa Metrô demonstram.

-Amigo, com isto aqui – mostrou-me o celular – você fica sabendo de tudo.

-O WhatsApp?

-É este nome aí.

E prosseguiu:

-Agora mesmo, recebi de um colega de praça a notícia de que um táxi está pegando fogo.

Sem largar o volante – provocaria um acidente se o fizesse – virou-se e me mostrou a foto de um táxi, tomado pela chama, no seu celular.

-Não sei onde foi, mas logo vou saber.

-Por coincidência, venho da casa da minha sobrinha, e o marido dela, que é professor de História, me disse que será obrigado a comprar um celular com WhatsApp, porque são marcadas reuniões importantes entre os seus colegas de profissão, e ele fica sem saber porque não tem esse dispositivo no celular.

-Eu não sabia como se usava isto, mas meu sobrinho me ensinou. Essa garotada fuça aqui e ali e descobrem, nós, adultos, já temos medo de escangalhar se mexermos muito.

-Eu caminho antes do amanhecer ouvindo noticiário do rádio, às vezes, da Jovem Pan, e muitas notícias são dadas por ouvintes, que se identificam, através de WhatsApp. Por exemplo, essa moça que caiu da ponte Rio-Niterói, na segunda-feira de carnaval, depois do carro capotar diversas vezes, a informação foi dada por WhatsApp.

-Nós, por esse negócio sabemos de tudo o que está acontecendo na praça.

-Já sabe onde esse táxi está pegando fogo?

-Não me informaram ainda.

-Sendo bem usado, o WhatsApp é de grande utilidade; no seu caso, você fica sabendo de lugares que deve evitar por causa de engarrafamento.

-Eu recebi a notícia que vão estourar manifestações de bandidos em Guadalupe, Irajá, Bangu, por vários bairros.

-A PM vai desalojar os invasores do conjunto de Guadalupe, e haverá confusão.

-Mas a confusão não será só lá. Aqui está dizendo. - indicou o celular.

-Ontem de manhã, no trabalho, um colega me mostrou uma mensagem da mulher dele, no WhatsApp, que era justamente igual a esta: manifestações de marginais por quase toda zona oeste.

 -Eu, daqui a pouco, estou recolhendo o meu táxi. Não vou ficar de bobeira.

-O WhatsApp também pode ser um propagador de boatos em velocidade supersônica.- pensei sem me manifestar.

 

Lembrei a corrida do dia anterior, no táxi do ponto da Domingo de Magalhães. O 151 estava empolgado porque seu filho baixara mais de 100 músicas do computador para o seu pendrive.

-Ele fez uma pasta com o nome: músicas do meu pai.

-Você escolheu?

-Não; as músicas entraram aleatoriamente.

E ele, que só ouvia o rádio da central da cooperativa, se detinha agora, com a música pop.

-Olha, esta é antiga. - disse-me.

Eu nunca ouvi aquele som estridente, mas não falei nada.

Ele passava rapidamente de uma música para outra, qualificando-as de novas ou antigas.

-Esta é da década de 80, é antiga.

Caramba, “Chega de Saudade”, para ele, deve ser da pré-história. - pensei sem me manifestar.

  E, assim fomos, até a Rua Modigliani, escutando uma cacofonia ora nova, ora antiga.

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