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quinta-feira, 3 de abril de 2014

2585 - o estresse



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4385                            Data: 17  de março de 2014
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176ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

-Domingo de tarde, um passageiro me pediu para levá-lo ao Maracanã.
Ouvi o Botafoguense e lhe perguntei em seguida:
-No jogo do Flamengo pela decisão da Taça Guanabara?
-Isso!
Depois dessa exclamação, foi em frente:
-Nos velhos tempos, eu nem pensaria de fazer uma corrida dessas, a não ser obrigado pela lei.
-Reporta-se ao Maracanã em dia de jogo do Flamengo, e mesmo de outros clubes grandes, quando ele recebia mais de 120 mil torcedores?
-Mesmo sem decisão alguma, o Maracanã ficava repleto. - lembrou.
-Agora, com o Flamengo decidindo a Taça Guanabara, não deu mais de 13 mil torcedores lá. - constatou.
-Ficou longe da atual capacidade máxima de 70 mil.- consolou-se o Botafoguense, pois o seu clube do coração perdera a partida.
-Esse seu passageiro ia ao jogo?
-Ele me disse que sim.
-O irônico dessa história toda é que um governo populista elitizou o que há de mais popular no Brasil: o futebol. - enveredei pela política, acrescentando:
-Esse torcedor, seu passageiro, era da classe C?
Não soube me responder, e prossegui:
-O partido político deste governo se gaba de ter transferido uma multidão de pobres para a classe C. No entanto, as estatísticas mostram que 25% de integrantes dessa classe devem o dobro do que ganham.
-Conheço muita gente que se enforcou até o pescoço com dívidas. - garantiu-me o Botafoguense.
-Baixaram os juros na canelada, baixaram os impostos sobre alguns produtos de consumo durável e a classe C, sem experiência em lidar com crédito, se enforcou.
-Você esqueceu o celular; lança-se um, com maiores recursos, e mais caro, o pessoal sai comprando sem se importar com o dia de amanhã. - interveio.
-Quiseram que o país crescesse através do consumo sem, que antes, houvesse investimento. A conta não fechou. Temos, então, 6% de inflação e pouco mais de 2% de PIB.
Ele me ouviu, com interesse, e me disse:
-Eu não entendo de economia, por isso, fico com uma dúvida. Os Estados Unidos não cresceram também por aí, uns 2%?...
-Mas a inflação lá é de 1%.  Essa é a grande questão: o Brasil atravessa a estagflação, estagnação com inflação, o que é terrível.
Deixou-me na Rua Modigliani com o ar de que refletia sobre os nossos problemas econômicos.

Preparado para levar turistas no seu táxi durante a Copa do Mundo? - perguntei ao 151que, nesse periódico, é identificado como Meu Nobre.
-Já levei gringos, não será a primeira vez.
O prefeito quer alguns taxistas falando inglês durante a Copa do Mundo.
-Esse Eduardo Paes não sabe de nada; todos falam a mesma língua, a do dinheiro. - afirmou com alguma veemência.
-Alguns taxistas já estão aprendendo inglês. - ouviu-me e reagiu com desdém.
-O 162 me disse que, com ele, não haverá problema, pois já fala inglês.- provoquei.
-Fala nada. - garantiu.
-A responsável pelo Copacabana Palace afirmou, numa entrevista, que todos os quartos estarão ocupados na Copa do Mundo, e foi além: os funcionários não devem tratar os estrangeiros de doutor ou doctor.
 -Eu também não gosto desse tratamento. - revelou ele, que só me chama de “Meu nobre”.
-Dois tratamentos que detesto: doutor e meu patrão.  Um dos porteiros do prédio onde trabalho, ou me trata por “doutor” ou de “meu patrão”.
-Reclame com ele.- sugeriu a solução mais simples.
-Se eu percebesse que ele age como um puxa-saco, visando algum proveito, eu reclamaria, mas, no caso, é simplicidade, mesmo.
-Alguém da cooperativa o chama de doutor ou de meu patrão?- teve a curiosidade.
-Não, ninguém. O 081, por exemplo, só me chama de “patrício”, embora eu não seja português.
A chegada à Rua Modigliani encerrou a nossa conversa.

Há alguns meses que eu não pego o táxi do Flamenguista. Como passou muito tempo, volto a lembrar que assim o identifico porque no painel do seu carro se acha um escudo do Flamengo, minúsculo, aliás. Como nunca puxou assunto de futebol comigo, diferentemente do Botafoguense, a iniciativa não partiria de mim.
-Este trânsito!... - exclamou demonstrando cansaço e resignação.
-Li, no jornal, nesse último domingo, que o horário do rush, em São Paulo, é agora 11 horas da manhã; desde 2007, era 6 horas.
-Pelo que eu sei, o trânsito de São Paulo tem retenção o dia todo e, aqui, foi pelo mesmo caminho.
-Sim, mas o pico lá, agora, é 11 horas da manhã. Assim estava no Globo.
-Veja bem; nessa hora, o trabalhador paulista devia estar na fábrica, nos escritórios, há, pelo menos, 3 horas; no entanto, está preso no trânsito.
Na esteira do que dissera, referi-me aos problemas econômicos que advém de trânsitos loucos.
-Mas como é São Paulo, com toda aquela pujança, ninguém falará que a economia não cresce.
Depois de uma pausa, retomou o diálogo.
-Nessa história toda, o que me interessa mesmo é o estresse. Com pouco tempo dentro deste táxi, lá se foi a boa disposição que eu estava quando acordei. Isso, quando acordo bem, o que nem sempre acontece.
-Essa questão de estresse é terrível mesmo. Os especialistas declararam que, quando estamos sob tensão, o organismo secreta cortisol, o hormônio do estresse, que provoca danos no coração.
-Minha avó passou dos 90 anos; vivia no interior de Minas Gerais, num sítio, na maior tranquilidade.
-E, provavelmente, comia frituras com banha de porco.
-Ah, sim, minha avó comia gordura, muita gordura, certamente, e viveu saudável a vida toda. Ela não se preocupava com nada, dizia a minha mãe.
-E as atividades num sítio, numa fazenda, só podem fazer bem. - afirmei.
-É o estresse; o diabo do estresse que estraga tudo. - maldisse.
-Os estudiosos da matéria apresentam algumas indicações para neutralizar o estresse.
-Interessante. - murmurou.
-Uma delas é fazer carinho em um cachorro.
-Eu, fazer carinho em cachorro?!... E se ele me morder?
-Tem-se de fazer carinho em cachorro que não seja estressado também. - expliquei-lhe.
-Como já nos achávamos na Rua Modigliani, não pude relacionar outras indicações para o combate ao estresse.



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