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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

2565 - Peçanha



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4365                        Data: 18 de fevereiro de 2014
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WILSON BATISTA NO RÁDIO MEMÓRIA
1ª PARTE

Jonas Vieira abriu os trabalhos alardeando dois convidados sem identificá-los de pronto. Sérgio Fortes não foi tão hitchcokiano e informou o que aconteceu no dia 16 de fevereiro no correr da história. Depois, assinalou que era o Dia de Santo Onésimo. Tal nome me conduziu não a uma igreja, mas a uma sala de um apartamento da Rua Cachambi onde ficava a vitrola, e junto a ela, meu pai ouvindo, embevecido, as serestas cantadas pelo Onésimo Gomes.
A voz do Jonas Vieira me tirou do início dos anos 60 para hoje ao anunciar seus dois convidados; um, presente espiritualmente, Wilson Batista, e o outro bem materializado ali, no estúdio da Rádio Roquette Pinto, Rodrigo Alzuguir. Este, biógrafo do grande compositor da música popular brasileira, que, durante mais de dez anos, arregaçou as mangas e conseguiu lançar o livro “Wilson Batista, o Samba Foi a Sua Glória,” no ano do centenário do sambista, ocorrido em 2013.
A locução do Rodrigo Alzuguir confirmava as palavras do titular do programa que o apresentou como cantor, ele, no entanto, também pianista e dançarino, limitou-se, na duração do Rádio Memória, a mostrar apenas a sua faceta de pesquisador (é verdade que trauteou um samba ou outro do seu biografado, mas isso veremos depois).
Houve alguns minutos dedicados à descontração, quando foi citado o nome do santo protetor do Ciro Monteiro, até que o convidado (o que estava lá em carne e osso) se referiu à seleção das músicas de Wilson Batista que fizera.
-Para ele, em cada samba tinha de haver uma tese. - acentuou.
E deu-se o início da parte musical do Rádio Memória. “Lealdade” foi o primeiro samba a ser escolhido; foi gravado pela primeira vez pelo Orlando Silva, o que deixou o Jonas Vieira ainda mais desvanecido.  E antes que fosse ao ar, o biógrafo teceu comentários com palavras próximas a estas:
-Nesse samba, Wilson Batista já pregava a igualdade de direitos entre homem e mulher. Vejam bem: isso nos anos 40. A tese é que o casal deve viver junto enquanto houver amor, se não, cada um deve seguir o seu caminho.
O próximo samba foi “Salgueiro”; com ele, veio uma novidade para mim, pelo menos, Araci de Almeida foi a cantora que mais gravou Wilson Batista, e também uma surpresa, pois foi também ela quem mais gravou Noel Rosa, que foi chamado por ele de Frankenstein num samba em que levava nítida desvantagem num duelo musical que travou com o “Poeta da Vila”.
A gravação era de 1943, e antes foi explicado que Wilson Batista explorava a “pegada feminina”, ou seja, também se colocava no lugar da mulher. No “Salgueiro”, percebia-se uma mulher liberada, com direito de escolha.
Soada a última nota do samba, Sérgio Fortes expressou a sua admiração pelo acompanhamento orquestral.
-Que clarinete! - destacou Rodrigo Alzuguir.
-Luiz Americano é o clarinetista. -interveio o Jonas Vieira.
O biógrafo se mostrou dubitativo, mas Jonas Vieira assegurou que era mesmo o Luiz Americano, incansável e virtuose do instrumento.
Em seguida, o biógrafo acentuou que Wilson Batista foi um dos mais profícuos compositores da sua época com mais de quinhentas obras.
-Ele e Haroldo Lobo.
Jonas Vieira lembrou Lamartine Babo, mas o seu convidado concordou que, metafisicamente, a criação de Lamartine Babo era enorme, mas não em quantidade.
E trataram das parcerias. Wilson Batista ora tirava, ora colocava parceiros nas suas composições. Foi lembrado que até o seu pai, J. Batista, apareceu como seu parceiro. Seu biógrafo chamou mais a atenção para Marina Batista, sua mulher, que surge como parceira de mais de vinte sambas.
Alguns entravam como autores porque divulgavam o samba, outro, um gerente de loja, comprava a parceria com eletrodomésticos. E também foi citado o bicheiro China, que até cavalos tinha no Jockey Clube. Rodrigo Alziguir comunicou que conta vários casos de inusitadas parcerias, na sua biografia, envolvendo, inclusiva, Nélson Cavaquinho.
-E a próxima música?
Antes de responder, Rodrigo Alzuguir fez uma pequena introdução. Falou da mania do compositor de fazer citações literárias, de mencionar filósofos.
-É curioso, pois ele não tinha educação formal, mas era fascinado pelo mundo dos intelectuais. No Café Nice, misturava-se com Orestes Barbosa, com jornalistas. Perguntava que livro estava lendo... Se alguém dissesse Dostoievsky, por exemplo, indagava qual era a tese do livro.
“Chico Brito” – respondeu, finalmente, ao Jonas Vieira e prosseguiu:
-Quem canta é a Dircinha Batista, a sua cantora preferida, que se sai muito bem nesse samba difícil de cantar.
E acrescentou:
-Esse samba termina com uma citação de Rousseau: “O homem nasceu bom e, se bom não se conservou, a culpa é da sociedade que o transformou.”
-Paulinho da Viola regravou. - lembrou o Jonas Vieira.
O biógrafo afirmou que Chico Brito é o alter ego de Wilson Batista e, empolgado, trauteou o início do samba:
-”Lá vem o Chico Brito descendo o morro na mão do meganha...”.
E explicou que a censura do Estado Novo interveio, e Wilson Batista teve de mudar a letra, sob pena de o samba não ser gravado. Ele alterou, então, meganha para Peçanha.
Há quem diga sobre esse samba que Peçanha seja um nome perfeito para delegado, nós, do Biscoito Molhado, que já tivemos um gato com esse nome, concordamos com o biógrafo do Wilson Batista, que considerou a homofonia entre os nomes a razão da mudança feita pelo grande compositor popular.





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