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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4365 Data: 18 de fevereiro
de 2014
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WILSON BATISTA NO RÁDIO MEMÓRIA
1ª PARTE
Jonas Vieira abriu os trabalhos
alardeando dois convidados sem identificá-los de pronto. Sérgio Fortes não foi
tão hitchcokiano e informou o que aconteceu no dia 16 de fevereiro no correr da
história. Depois, assinalou que era o Dia de Santo Onésimo. Tal nome me
conduziu não a uma igreja, mas a uma sala de um apartamento da Rua Cachambi
onde ficava a vitrola, e junto a ela, meu pai ouvindo, embevecido, as serestas
cantadas pelo Onésimo Gomes.
A voz do Jonas Vieira me tirou do início
dos anos 60 para hoje ao anunciar seus dois convidados; um, presente
espiritualmente, Wilson Batista, e o outro bem materializado ali, no estúdio da
Rádio Roquette Pinto, Rodrigo Alzuguir. Este, biógrafo do grande compositor da
música popular brasileira, que, durante mais de dez anos, arregaçou as mangas e
conseguiu lançar o livro “Wilson Batista, o Samba Foi a Sua Glória,” no ano do
centenário do sambista, ocorrido em 2013.
A locução do Rodrigo Alzuguir confirmava
as palavras do titular do programa que o apresentou como cantor, ele, no
entanto, também pianista e dançarino, limitou-se, na duração do Rádio Memória, a
mostrar apenas a sua faceta de pesquisador (é verdade que trauteou um samba ou
outro do seu biografado, mas isso veremos depois).
Houve alguns minutos dedicados à
descontração, quando foi citado o nome do santo protetor do Ciro Monteiro, até
que o convidado (o que estava lá em carne e osso) se referiu à seleção das
músicas de Wilson Batista que fizera.
-Para ele, em cada samba tinha de haver
uma tese. - acentuou.
E deu-se o início da parte musical do
Rádio Memória. “Lealdade” foi o primeiro samba a ser escolhido; foi gravado
pela primeira vez pelo Orlando Silva, o que deixou o Jonas Vieira ainda mais
desvanecido. E antes que fosse ao ar, o
biógrafo teceu comentários com palavras próximas a estas:
-Nesse samba, Wilson Batista já pregava
a igualdade de direitos entre homem e mulher. Vejam bem: isso nos anos 40. A
tese é que o casal deve viver junto enquanto houver amor, se não, cada um deve
seguir o seu caminho.
O próximo samba foi “Salgueiro”; com
ele, veio uma novidade para mim, pelo menos, Araci de Almeida foi a cantora que
mais gravou Wilson Batista, e também uma surpresa, pois foi também ela quem
mais gravou Noel Rosa, que foi chamado por ele de Frankenstein num samba em que
levava nítida desvantagem num duelo musical que travou com o “Poeta da Vila”.
A gravação era de 1943, e antes foi
explicado que Wilson Batista explorava a “pegada feminina”, ou seja, também se
colocava no lugar da mulher. No “Salgueiro”, percebia-se uma mulher liberada,
com direito de escolha.
Soada a última nota do samba, Sérgio
Fortes expressou a sua admiração pelo acompanhamento orquestral.
-Que clarinete! - destacou Rodrigo
Alzuguir.
-Luiz Americano é o clarinetista.
-interveio o Jonas Vieira.
O biógrafo se mostrou dubitativo, mas
Jonas Vieira assegurou que era mesmo o Luiz Americano, incansável e virtuose do
instrumento.
Em seguida, o biógrafo acentuou que
Wilson Batista foi um dos mais profícuos compositores da sua época com mais de
quinhentas obras.
-Ele e Haroldo Lobo.
Jonas Vieira lembrou Lamartine Babo, mas
o seu convidado concordou que, metafisicamente, a criação de Lamartine Babo era
enorme, mas não em quantidade.
E trataram das parcerias. Wilson Batista
ora tirava, ora colocava parceiros nas suas composições. Foi lembrado que até o
seu pai, J. Batista, apareceu como seu parceiro. Seu biógrafo chamou mais a
atenção para Marina Batista, sua mulher, que surge como parceira de mais de
vinte sambas.
Alguns entravam como autores porque
divulgavam o samba, outro, um gerente de loja, comprava a parceria com eletrodomésticos.
E também foi citado o bicheiro China, que até cavalos tinha no Jockey Clube.
Rodrigo Alziguir comunicou que conta vários casos de inusitadas parcerias, na
sua biografia, envolvendo, inclusiva, Nélson Cavaquinho.
-E a próxima música?
Antes de responder, Rodrigo Alzuguir fez
uma pequena introdução. Falou da mania do compositor de fazer citações literárias,
de mencionar filósofos.
-É curioso, pois ele não tinha educação
formal, mas era fascinado pelo mundo dos intelectuais. No Café Nice, misturava-se
com Orestes Barbosa, com jornalistas. Perguntava que livro estava lendo... Se
alguém dissesse Dostoievsky, por exemplo, indagava qual era a tese do livro.
“Chico Brito” – respondeu, finalmente, ao
Jonas Vieira e prosseguiu:
-Quem canta é a Dircinha Batista, a sua
cantora preferida, que se sai muito bem nesse samba difícil de cantar.
E acrescentou:
-Esse samba termina com uma citação de
Rousseau: “O homem nasceu bom e, se bom não se conservou, a culpa é da
sociedade que o transformou.”
-Paulinho da Viola regravou. - lembrou o
Jonas Vieira.
O biógrafo afirmou que Chico Brito é o
alter ego de Wilson Batista e, empolgado, trauteou o início do samba:
-”Lá vem o Chico Brito descendo o morro
na mão do meganha...”.
E explicou que a censura do Estado Novo
interveio, e Wilson Batista teve de mudar a letra, sob pena de o samba não ser
gravado. Ele alterou, então, meganha para Peçanha.
Há quem diga sobre esse samba que
Peçanha seja um nome perfeito para delegado, nós, do Biscoito Molhado, que já
tivemos um gato com esse nome, concordamos com o biógrafo do Wilson Batista,
que considerou a homofonia entre os nomes a razão da mudança feita pelo grande
compositor popular.
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