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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

2569 - a sinagoga



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4369                              Data: 23 de fevereiro de 2014
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NAS INVASÕES HOLANDESAS

Eu e Elio estávamos no meio das invasões holandesas no Brasil.
-Kahal Zur Israel, a primeira sinagoga do novo mundo. - entusiasmou-se o Elio diante dela.
-Uma façanha e tanto do Conde Maurício de Nassau no meio de tanta intolerância religiosa que grassa pelo mundo. - manifestei-me.
-Principalmente da Espanha, que agora domina Portugal, e institui a execrável inquisição. - acrescentou.
-Com os crimes causados pelo fanatismo religioso, as medidas de Maurício de Nassau, aqui no nordeste do Brasil, concedendo liberdade religiosa, são um exemplo para o mundo. - aduzi.
-Um avanço, Carlos.
-Cem anos depois desse ato de tolerância, o filósofo Voltaire fixou residência na fronteira da França com a Suíça; caso os católicos quisessem o seu pescoço, ele fugia para a Suíça, caso fossem os calvinistas que o perseguissem, ele se refugiava na França. - lembrei.
-Sim, Carlos, mas não vamos falar do futuro. - sugeriu e foi adiante no seu discurso:
-E os melhoramentos que Maurício de Nassau realiza em Recife... A Companhia das Índias Ocidentais acertou em cheio quando o nomeou administrador das terras conquistadas.
-Fala baixo, Elio; pensarão que você é traidor.
Isso acontecia em 1637, mas eu e Elio vivemos os ataques holandeses ao Brasil desde o primeiro...
Vimos que, há pouco mais de 10 anos, ou seja, em 1624, a Companhia das Índias Ocidentais enviou uma armada com quase 2 mil homens, sob o comando do almirante Jacob Willekens, com a missão de atacar Salvador.  Com vários pontos de vulnerabilidade, os neerlandeses conquistaram a capital do Brasil com facilidade, aprisionaram o governador-geral Diogo de Mendonça Furtado com o filho e alguns oficiais solidários, e ele foi enviado para a Europa. O nobre holandês Johan Van Dorth exercia agora o governo.
Diante desse cenário, voltei-me para o Elio.
-Sua mãe, Dona Sarita, foi professora de História do Colégio Pedro II, o que ela lhe ensinou sobre essas invasões?
-Carlos, ela me ensinou que, no período histórico que vai de 1580 a 1640, Portugal e suas colônias estavam sob o domínio da Coroa da Espanha, era a “Dinastia Filipina”.
-Sei; Filipina porque o rei espanhol era Felipe II.
Elio prosseguiu:
-Disse-me a minha mãe que quase toda a Holanda estava submetida à Espanha.
-Como quase toda a Holanda? - estranhei.
-Algumas províncias conseguiram a sua independência, mas a República das Províncias Unidas, com sede em Amsterdam, não.
-Com as invasões ao Brasil, eles provam que não estão subjugados. - concluí.
-O conflito surgiu anos atrás e Felipe II, como retaliação, impediu que o comércio espanhol se desse com os portos holandeses. Como Portugal, e consequentemente o Brasil, estava sob o tacão da Espanha...
-Mas os antepassados do Dieckmann não se deram por vencidos.
-Eles, grandes comerciantes, que investiam pesadamente capital na agro-manufatura açucareira do nordeste do Brasil, criaram a Companhia das Índias Orientais, que conseguiu o monopólio do comércio da Ásia. Com o êxito obtido, eles fundaram a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, em 1621, precisamente, e um dos seus maiores objetivos era retomar o comércio do açúcar explorado no nordeste do Brasil.
-E vieram, então, as agressões holandesas ao Brasil colonial.
Minhas palavras ainda ecoavam, quando despontou no horizonte uma armada espanhola de cinquenta e dois navios. Pouco depois, 14 mil homens pisavam o chão de Salvador. A luta era desproporcional, os antepassados do Dieckmann foram derrotados e expulsos do país.
A máquina do tempo avançou cinco anos e me arremessou, junto com o Elio, no mar do Caribe, num navio da frota espanhola que transportava montanhas de prata, principalmente e ouro, que foram extraídas das suas colônias. Nós dois vimos a interceptação dos navios e o saque de toda esse riqueza, perpetrada pelos holandeses sob a ordem do Almirante Piet Heyn.
-Carlos, com a posse dessa riqueza, eles terão recursos para formar uma nova e muito mais poderosa expedição para invadir de novo o Brasil.
Elio não esqueceu as aulas de Dona Sarita. De fato, eles enviaram uma esquadra de 64 navios e a investida se deu na Capitania de Pernambuco, na cidade de Olinda e Recife, o centro de maior produção de açúcar.
Com a vitória consolidada, a Companhia das Índias Ocidentais trouxe da Europa mais 6 mil homens  e mais ainda escravos da África para a exploração da cana-de-açúcar.
Contudo, a resistência dos nativos veio e quem a liderou foi Matias de Albuquerque. Seus homens se concentraram nos arredores de Recife, e, de lá, investiram contra os invasores usando a tática de guerrilha. A alta mobilidade no ataque, com as rápidas retiradas das denominadas “companhias de emboscada”, provocou baixas nos invasores neerlandeses. No entanto, muitos senhores de engenho de cana-de-açúcar estavam satisfeitos com a técnica de administração dos holandeses e, com isso, passaram para o seu lado, destacando-se entre eles Domingos Fernandes Calabar.
Os holandeses, que se fortificaram, tomaram a Paraíba, estendendo suas posses e as forças sob o comando de Matias de Albuquerque baquearam, batendo em retirada até o rio São Francisco.
Nesse contexto, a Companhia das Índias Ocidentais nomeou o príncipe Maurício de Nassau, homem culto e liberal, para governar quase todo o nordeste do Brasil.
Maravilhado com a sinagoga Kahal Zur Israel, Elio rumou para ela, enquanto eu o seguia com passos curtos. Estaquei no portal e, de lá, o vi orando. Uma hora depois, saiu à rua.
Notícias da Europa chegaram ao Brasil: Portugal quebrou os laços que o subjugava à Espanha e assinou uma trégua de dez anos com os Países Baixos.
-Sabe o que isso significa, Carlos?... O domínio espanhol ficou abalado, e a guerra de independência dos Países Baixos recrudescerá.
Com o domínio de todas as etapas da produção de açúcar, os holandeses passaram a investir também nas Antilhas, onde era produzido por menor custo do que no Brasil. Desde 1638, o preço de diversos tipos de açúcar iniciou uma tendência de baixa. Tornando o quadro ainda mais assustador, a safra de 1641-1642 foi dramaticamente prejudicada pelas enchentes que atingiram os canaviais. Tornando o quadro ainda mais desolador, a escravaria foi atacada pela varíola, praga trazida de Angola. Com a queda acentuada do preço, a receita da Companhia das Índias Ocidentais caiu em 1/3.
Os senhores de engenho e lavradores já deviam a Companhia 5,7 milhões de florins, quando Maurício de Nassau, em 1644, agora conhecido como “O Brasileiro”, retornava a Europa.
Nessa conjuntura, a Companhia passou a cobrar as dívidas dos senhores de engenho, o que provocou a Insurreição Pernambucana.
De repente, eu e Elio, estávamos no meio da Batalha de Guararapes.
-Elio, esta batalha junta todos os brasileiros de todas as raças, ricos e pobres; Felipe Camarão, que é índio; João Fernandes Vieira, negro. Disse-me meu professor do ginásio que foi o gérmen do nacionalismo brasileiro.
-Todos chefiados por Vidal de Negreiros, um senhor de engenho endividado que não quer pagar. - ironizou o Elio.
Um tiro de bacamarte, que quase nos atingiu, obrigando-nos a correr para um lugar seguro.
-Carlos, na escola nos ensinarão que Portugal, com os brasileiros, venceu os holandeses. Eles de fato saíram das terras conquistadas, mas no Tratado de Paz de Haia...
Depois das reticências, explicou que Portugal, por esse tratado, teria de pagar, durante 40 anos, oito milhões de florins aos Países Baixos, o que representava 63 toneladas de ouro.
Dito isso, ele rumou para orar na sinagoga  Kahal Zur Israel antes da chegada dos religiosos intolerantes.

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