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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

2563 - invertendo o processo



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4363                         Data: 13 de fevereiro de 2014
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174ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

E passamos eu e Paizão a tratar da falta de segurança na cidade.
-Eu lhe contei da dona que entrou na quadra em que eu caminhava às 6h da manhã de um sábado, perguntando se podia ficar comigo?
-Ficar com você? - estranhou.
-Nada entendi também na hora; mesmo ela andando apressadamente, como uma atleta, percebi que não pretendia caminhar.
E o que ela queria?
Antes de eu falar alguma coisa, dirigiu-se a mim com agressividade.
-Eu queria ver se um parente seu fosse assaltado. Eu acabo de ser assaltada.
-O que a senhora quer que eu faça?- foram as palavras que me vieram à boca. Ela nada disse, e subiu a Rua Vlamink, ainda desarvorada, falando com todas as pessoas que passavam.
-Certamente, contava que acabou de ser assaltada. - concluiu o Paizão.
-Depois, entendi por que ela me perguntou se poderia ficar comigo, procurava proteção, mas ao se tornar agressiva, queria que eu agisse como um policial.
-E os policiais pensam em agir em defesa dos cidadãos? - reagiu o Paizão com sarcasmo mesclado com decepção.
-Já tive parentes assaltados, já fui assaltado.
-E quem não foi?
-Das cinco e meia da manhã até cinco e quarenta e cinco, o tempo que levo da minha casa à estação do metrô de Del Castilho, são quinze minutos de risco de assalto que eu corro de segunda a sexta-feira. -disse-lhe.
-Ainda está escuro nessa hora, mas mesmo que estivesse claro, esses marginais não desistiriam de roubar os trabalhadores.
Retomei a palavra:
-Semana passada, quando eu estava a uns cinco metros do beco dos cracudos, que sou obrigado a atravessar , pois é caminho para a estação de Del Castilho, deparei-me com uma moça com um capacete de motociclista na mão, a pé, indagando-me onde se encontrava a cabine de PM mais próxima. Indiquei-lhe a do Norte Shopping, e, em seguida, lembrei-me da cabine bem mais próxima, após o viaduto de Del Castilho e lhe avisei que para ir lá teria de subir por ele.
-Essa cabine do viaduto foi desativada há muito tempo. -Informou-me e acrescentou:
-Você sabe o que aconteceu com a dona?
-Roubaram-lhe a motocicleta. - respondi.
-E você tem alguma dúvida?!...
Enquanto eu saltava do seu táxi, Paizão comentava que a polícia estava mais interessada em dividir a receita da madrugada com os traficantes.
Antes de o Albino me receber com a sua pergunta infalível  - como está o metrô? – eu me antecipei.
-Tenho notado que as chamadas de emergência no metrô caíram consideravelmente de 2012 para cá.
-Como eu só ando de carro, nada entendo de metrô. Explique-me essa chamada de emergência.
-Se algum passageiro passa mal, um bom samaritano quebra o lacre da emergência e informa ao maquinista da ocorrência. A composição para, em seguida, e vem a pergunta que repercute por todos os vagões: “Qual o motivo da emergência?”
-É assim? - apressou-se, cortando o fluxo da minha tagarelice.
-Então, o metro reinicia a viagem até a próxima estação, onde um segurança já aguarda o doente. Normalmente moças com crise de pressão baixa causada por dietas.
Ele sorriu e eu prossegui.
-Quando se ouve a pergunta – Qual o motivo da emergência? - as reações de contrariedade dos passageiros são unânimes.
-Querem mais que o adoentado se dane. - deduziu.
-Para eles é um estorvo, - acrescentei.
-É sempre assim no metrô?
-Essa solidariedade?... Por coincidência, hoje, na volta do trabalho, quando as portas dos vagões abriram na estação da Presidente Vargas, ouvi, atrás de mim (eu me amparava num balaústre), vindo dos que entraram uma voz que dizia “uma gestante”. Vi, então, uma moça grávida de seis ou sete meses.
-E não cederam lugar a ela no banco destinado a idosos, deficientes físicos, grávidas?...
Antes de me manifestar, devo ter expressado um sorriso de decepção.
-As duas mocinhas que se refestelavam nesse banco, identificado pela cor laranja, fizeram cara de paisagem e a grávida permaneceu em pé. Uma jovem, constrangida por esse absurdo, se levantou e cedeu o lugar para ela.
-Infelizmente, são poucas as pessoas como essa mocinha e isso em todo o lugar. - frisou, enquanto eu saltava na Rua Modigliani.
-Hoje é a noite da minha peladinha.
Embora eu já tivesse ouvido mais de uma vez o Bob Esponja louvar as suas façanhas sexuais, sabia que o assunto era outro.
-Quarta-feira, não é isso?... O seu dia de jogar futebol.
- Dia sagrado. - frisou.
Como me contou, meses atrás, que o nível da sua glicose assustara o médico, perguntei-lhe sobre a diabete.
-A taxa de açúcar deve ter caído com as peladinhas semanais.
-Por que não caminha pelo menos quatro vezes por semana? - aconselhei.
-Com este calor?!... Há doidos, como o 081, que caminha pelas ruas; já foi assaltado na Rua Rocha Pita, Ele já teve um dedo do pé amputado pela doença, Eu prefiro jogar bola a andar pelas ruas.
-E você dorme bem?
-O amigo quando desce a Van Gogh às cinco e meia da manhã, geralmente me vê no ponto com o meu táxi.
-Sim, mas eu durmo às nove e meia da noite. - retruquei.
-Não dá para eu dormir tão cedo; sou exigido pela minha noiva e pelas mulheres que sempre aparecem... - deixou escapar um sorriso safado.
-Disse que, depois dessas peladas, a sede aumenta e seca algumas garrafas de cerveja.
-Com um churrasquinho. - acrescentou.
-Lembra-se do deputado federal Luís Eduardo Magalhães?
Depois de breve esforço evocativo, respondeu-me:
-O filho do ACM?!... Se não me engano, morreu depois de uma caminhada sob o sol a pino em Brasília.
-Não foi o sol a pino que lhe provocou o enfarte. Segundo o Nuno Cobra, que também foi personal-trainer do Aírton Senna, Luís Eduardo Magalhães inverteu o processo.
Sem lhe dar chance de intervir, pois desviaria o tema em questão, segui em frente.
-O processo se resume em primeiro lugar, dormir bem; em segundo lugar, numa alimentação correta e nas horas certas, por último, a atividade física. O Luís Eduardo Magalhães dormia mal, deitava-se de madrugada; alimentava-se horrivelmente, pois frequentava aqueles restaurantes de Brasília onde ingeria comidas gordurosas.
-E praticava exercícios físicos. - aparteou-me porque se sente agoniado quando não fala por dois minutos num diálogo.
-Por ter invertido o processo, isto é, colocado o terceiro ítem da hierarquia em primeiro lugar, Luís Eduardo Magalhãs apressou o deslocamento das placas de gorduras nas artérias que lhe provocaram o infarto. Não seria a atividade física que neutralizaria os malefícios das noites mal dormidas e da alimentação descontrolada.
-Rua Modigliani. - anunciou o Bob Esponja o fim da corrida.
Desci do seu táxi sem ter a certeza de que ele entendera o porquê de eu lhe lembrar o fim  do promissor político baiano.

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