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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

2558 - o cabo que era frio



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4358                          Data: 04 de fevereiro de 2014
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173ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

Torturei a minha retentiva até que identifiquei o taxista em cujo carro eu entrara: o cunhado da Ivete. Aquele que uns quatro anos atrás me falou da sua cunhada, tão má motorista que, levando um colchão para Araruama, lá chegando, descobriu que o colchão caíra pelo caminho.
-Caramba, há quanto tempo!
-Estive em Cabo Frio.
Evidentemente que pretendia falar sobre as suas férias nessa concorrida cidade da região dos lagos, mas, na verdade, pelo tempo de seu sumiço seria mais plausível se dissesse que esteve em Marte.
-Cabo Frio é uma maravilha quando não é época de alta temporada. Se eu preciso relaxar os nervos, vou para lá.
-Os prefeitos têm sabido empregar o dinheiro dos royalties do petróleo; não se vê a especulação imobiliária predominando, os prédios se enquadram num determinado gabarito. - comentei.
-O prefeito de Cabo Frio é espetacular: o Alair Correa.
-De novo?!... Ele governava a cidade nos anos 80.
-Não; esse é o Correão, o pai.
-Então, é uma dinastia. - concluí.
-O Alair Correa dos anos 80 perdeu as eleições para o Ivo Saldanha, um psicanalista meio maluco, que, certa vez, veio de Cabo Frio à cidade do Rio de Janeiro a pé protestando contra não sei o quê. 
-Você conhece as histórias de lá. - admirou-se.
-Fui também àquela cidade muitas vezes.
Então, Cabo Frio deixou de ser assunto da nossa conversa porque nossa atenção se fixou num caminhão de recolhimento de lixo que atravancava o nosso caminho.
-Eles param o caminhão no meio da rua e vão lanchar. - indignou-se o cunhado da Ivete com o tom de voz alterado.
Eu via, pelo menos, três funcionários da COMLURB, na calçada, em plena atividade masticatória.
Irritado, nosso taxista buzinou.  Do outro lado, não gostaram das notas prolongadas do instrumento que foi popularizado pelo Chacrinha, e, acintosamente gesticularam que esperasse.
-Isto é trabalho. Eu estou trabalhando. - vociferou dardejando raiva no olhar.
Mas os comilões não esboçavam ânimo algum para se mexer, com exceção dos maxilares. Notei que, na direção oposta, um carro também parou porque seu motorista não encontrou passagem. Então, os irresponsáveis, com nítida má vontade, resolveram levar os pneus do caminhão para a proximidade do meio-fio desimpedindo a rua.
Quando o cunhado da Ivete pôde, enfim, seguir adiante com o seu táxi, xingou os comilões ao passar por eles e, por sua, vez, também foi ofendido.
Vão jogar uma laranja podre sobre nós. - temi sem me manifestar.
-Depois, eu chamo essa gente de lixeiro e muitos acharão que eu sou preconceituoso e eles, vítimas.
O cunhado da Ivete precisa voltar urgentemente para Cabo Frio. - pensei, enquanto saltava na Rua Modigliani.
No dia seguinte, fui de Maria da Graça para casa no táxi do Paizão.
-Você é o meu primeiro passageiro do dia. - recebeu-me com alegria.
Talvez algum leitor estranhe essa alegria, por julgar que a praça esteja péssima pra os taxistas devido à pouca demanda de passageiros, mas não é bem assim. Paizão começa o seu expediente às 4h da tarde e larga à meia-noite, sem preocupações com dinheiro, pois segundo ele, com 80 anos de idade, aposentado, trabalha apenas para evitar ferrugens no cérebro.
-Quando você é o primeiro do dia, eu dou sorte.
-Espero continuar como seu pé de coelho. - brinquei.
-Durmo às 2h da manhã, pois ao chegar em casa, um bom filme para assistir na televisão é sagrado para mim.
-O senhor não me disse um dia que, ao chegar do trabalho, encontra a sua neta com o controle remoto na mão?...
-Pois é, essa criançada de hoje dorme tarde. Na idade da minha neta, eu tinha de ir para cama às 8h da noite.
E voltou-se para mim:
-Você vê criança hoje dormindo antes da 11h da noite, mesmo quanto tem de ir à escola no dia seguinte de manhã cedo?
-Eu não convivo com criança, mas tenho ouvido de amigas, que têm filhos pré-adolescentes, queixas de que a meninada é notívaga.
-Algumas vezes, eu consigo entrar num acordo com minha neta e ficar com a televisão só para mim.
A tranquilidade da sua voz se desfez, como nos concertos em que um motivo bucólico repentinamente é sufocado por uma frase musical agitada. A sua cara era de quem sente o travor de uma fruta que não madurou.
-O que fizeram com essa ruazinha...
-Para ser sincero, pensei que fosse um beco; para mim, só existiam ruas do lado esquerdo da Rua Domingo de Magalhães.
Ouviu-me e prosseguiu com indignação:
-Os traficantes fecharam essa ruazinha, porque passaram a vender drogas nela, devido à UPP que implantaram  na favela do Jacarezinho.
E prosseguiu:
-Por essa ruazinha, eu cortava caminho quando levava e trazia minha mulher do Shopping Nova América para Maria da Graça.
-E agora, não pode mais?...
-Esses bandidos fazem o que querem.
E prosseguiu:
-Eu já lhe falei que essa história de UPP surgiu apenas para tirar o topete dos traficantes que estavam deslumbrados demais; a coisa estava muito acintosa. O tráfico de droga prossegue, mais discretamente, porém com a mesma intensidade e com a polícia embolsando a sua parte.
Ao saltar na Modigliani, Paizão me deteve pra declarar que tinha 80 anos de idade, que conhecia muito bem a gente que habita esta cidade.

Gosto do 140, fala mansamente e conduz o seu táxi com a mesma mansuetude.
Depois dos cumprimentos de praxe, reportei-me a ira do Vereador com o fato de o prefeito Eduardo Paes proibir vidros com insulfilm em kombis, vans e táxis.
-Ele é um número. - sorriu.
-Ele era o 184, mas não se referia ao número do táxi do Vereador e sim ao fato de ele expor ideias estrambóticas para a solução dos problemas do Rio de Janeiro.
-O 017 me disse, numa dessas corridas, que há casais que só pedem táxis com insulfilm. - prossegui.
-Eles querem discrição. - interveio.
-E o prefeito quer tudo às claras. - brinquei.
-Parece que o insulfilm 30 continua permitido.
Como eu não entendo das diferentes graduações dessa película, passei a falar de futebol e assim levamos o tempo até a minha chegada em casa.



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