Total de visualizações de página

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

2976 - carga pesada


-----------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5226                              Data:  07 de novembro  de 2015

--------------------------------------------------

 

SABADOIDO

 

-Entrei na livraria Saraiva, na Rua Sete de Setembro, em busca do livro do Fernando Henrique Cardoso...

-“A Miséria da Política?” – interferiu o Claudio.

-Não, o cartapácio de que quase mil páginas. Nem me lembro agora do nome.

-O livro em que ele fala mal de todo o mundo, menos dele?

-Claudio, se você... mudemos para eu... se eu for gravar de noite o que aconteceu no meu trabalho, pouca gente vai escapar, imagine, agora, se eu estivesse exercendo a Presidência da República. O Getúlio Vargas declarou que, durante os anos em que esteve no poder, e foram muitos anos, não apareceu um só político lhe perguntando o que poderia fazer pelo Brasil, mas o contrário; é o mesmo sentido da frase que seria dita pelo Kennedy, quando assumiu, uma década depois, a presidência dos Estados Unidos.

-“Diário da Presidência”. - lembrou meu irmão o nome do livro.

-Retomando o fio da meada; eu fui à Saraiva comprar esse tijolo, mas sem muito tempo para namorar os livros que lá estavam expostos; assim, rumei logo para a seção “Novidades”.  O que encontro lá?... “Os Irmãos Karamazov”.

-Se os “Irmãos Karamazov” são novidades, o que seria “Antiguidade”?

-“A Bíblia de Mogúncia” – respondi ao meu irmão – que a Rosa Grieco sempre põe a mão quando faz um juramento.

A Bíblia de Mogúncia foi impressa por Johannes Gutenberg, o inventor da prensa de tipos móveis, de 1450 a 1455.

-Encontrou a “Bíblia de Fofocas” do Fernando Henrique Cardoso? – pilheriou meu irmão.

-Não.

-Carlão, você procurou na seção errada; tinha de ir na seção de livros de terror.- brincou o Daniel.

-Comprou, então, “Os Irmãos Karamazov”? – quis saber meu irmão.

-Para reler?... Depois que li a entrevista desse brasileiro originário da Rússia, que revelou que fez a revisão das revisões dos livros de Dostoievski, porque os revisores mudaram para o português castiço o russo coloquial do original; depois, principalmente, que reli “Crime e Castigo” em que essa linguagem informal é respeitada na tradução, além de as notas de rodapé do tradutor serem altamente esclarecedoras, temi encontrar “Os Irmãos Karamazov” com aquela velha tradução rebuscada.

-Ora, por que você não folheou o livro para saber, Carlinhos?

-Eu já havia feito musculação.

-Carlão é assíduo, agora, na academia da terceira idade. - manifestou-se meu sobrinho.

-Tratava-se de um livro de capa dura, que é muito bom para chamar a atenção nas estantes, mas horrível para ler. Eu presenteei, dois anos atrás, a Rosa Grieco com uma biografia do Toulouse Lautrec, de capa dura, e ela, mesmo lidando com livros há 80 anos, escreveu, numa carta, que tinha de fazer uma autêntica ginástica para lê-lo. Eu prefiro brochura e a Rosa, em se tratando de livros, também.

-O Luís Fernando Veríssimo disse que não leu “A Lanterna na Popa” porque temia que o osso esterno dele afundasse. - lembrou meu irmão.

-Osso esterno... caiu numa prova de Ciências no Santa Mônica; é o osso que fica na parte anterior do tórax e tem o formato de um “T”. Ele, então, lê deitado. – disse meu sobrinho.

-A piada do filho do Érico é boa; ele só se perde quando escreve sobre política e, principalmente, sobre economia, de que nada entende. - comentei.

-Você leu “A Lanterna na Popa”, não foi?- indagou-me meu irmão.

-Li a grande maioria das páginas na cama, em decúbito dorsal, e não houve problema algum com o meu esterno.

O Daniel, sempre pândego, interveio.

-Mesmo assim, Carlão, você deveria poupar o seu tórax, ora lendo em decúbito dorsal, ora, em decúbito ventral.

-Lendo, em decúbito ventral, eu só vi mulheres, mas nas praias apenas.

-Elas fingem que leem, Carlão, na verdade, bronzeiam as costas e a popança. (*)

-Esse livro do Roberto Campos tinha umas mil páginas e foi editado em brochura com 2 volumes. “Guerra e Paz”, do Tolstoi, que tinha umas 1200 páginas, eu li, numa edição da Abril, em capa dura, mas dividido em 4 volumes. Assim, a dificuldade, para mim, foram só as letras que eram um tanto pequenas.

-Você lembra, Carlão, daquele desenho animado em que o Charlie Brown ficou em recuperação, na escola, e teve de passar o fim de ano lendo “Guerra e Paz”?

-Claro, Daniel, é um dos meus desenhos prediletos. No meio da festa da passagem do ano, Charlie Brown lia o livro e acabou dormindo. Apareceu, então, a garotinha ruiva, o seu amor platônico e ele não viu.

-Você leva romance para ler no Trabalho? – quis saber meu irmão.

-Anos atrás, eu levava. Quando a SUNAMAM estava jogado às traças, eu li todo o “Tocaia Grande”, do Jorge Amado, em uma semana, sem precisar levar o livro para casa, pois era de uma colega.

-No horário do almoço, é permitido ler na Casa da Moeda. - informou meu sobrinho.

-No meu trabalho, o You Tube e o Facebook ficam desbloqueados das 12h 20min às 14 horas e eu fico, então, com as minhas vistas no computador.

-Para o funcionário público é mais fácil ler e escrever na hora do expediente; numa empresa privada, o funcionário, se fizer isso, leva um pé na bunda. - disse a Gina que vinha do quintal para a cozinha onde estávamos os três.

-Por coincidência, eu assisti a um documentário, anteontem, sobre o Carlos Drummond de Andrade. Ele diz que, mesmo atuando como chefe de gabinete do ministro Gustavo Capanema, conseguiu achar tempo para escrever alguns versos.

-Mas ele foi um chefe de gabinete brilhante? – mostrou-se cética.

-Foi; muitas personalidades do mundo cultural, Villa Lobos, Jorge Amado, entre outras, elogiam o trabalho do Drummond, que facilitava as coisas quando tinham de falar com o ministro do Getúlio Vargas.

-Sei não. - insistiu no seu ceticismo.

-O melhor exemplo é o Machado de Assis; ele era o diretor geral da Secretaria da Indústria do Ministério da Viação e Obras Públicas. Como os republicanos desconfiavam que ele fosse simpatizante do Imperador Pedro II, tiraram o cargo dele quando a República foi proclamada. O Medeiros e Albuquerque, no livro de memórias “Quando Eu Era Vivo”...

-Eu li esse livro. – cortou-me o Claudio.

-O Medeiros e Albuquerque não diz isso claramente; ele escreveu que tiraram o cargo do Machado de Assis para que ele tivesse mais tempo para se dedicar à literatura. Mais tarde, quando o Artur de Azevedo declinou o convite para ser diretor e que, assim, Machado de Assis retornasse ao seu antigo posto...

Tomei fôlego e concluí:

 -A alegria do Machado de Assis foi tamanha, que o Medeiros e Albuquerque se conscientizou de quanto eles, os republicanos, magoaram o nosso maior escritor.

-Machado de Assis poderia, agora, voltar a escrever os seus romances no ministério. – alfinetou a Gina.

 

(*) Às vezes, o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO topa com o que parece errado e, na dúvida, pergunta ao Criador. Neste caso, embora poupança signifique habitualmente derrière, a proximidade com a lanterna na Popa indicou ao Distribuidor que nada mexesse.

 

 

 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

2974 - cartas na manga


 

---------------------------------------------------------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5224                            Data:  04 de novembro  de 2015

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

 

CARTAS DOS LEITORES

 

-O redator do Biscoito Molhado escreveu que, quando achou um celular na academia da terceira idade, telefonou para o sobrinho querendo saber como descobria o dono do achado ou do perdido, tanto faz. Quando os dois se encontraram no Sabadoido não falaram sobre isso?... Pelo que li, não. Josimar.

BM: Sim falamos, mas esse tema foi retirado da ata do Sabadoido; vamos a ele, então.

Em dado momento, meu sobrinho falou que não precisava de um I Pod, o que ele já possuía de aparelhos de informática bastavam. Eu lhe disse que, por coincidência, acabara de ler que oito toneladas de minério de ferro tinham o mesmo valor, em dólares, de um I Pod e que a economia brasileira deveria agregar valor às suas matérias-primas. Aproveitando a deixa, reportei-me ao celular que achara seis dias atrás. A minha cunhada, pôs em dúvida a honestidade do Toninho a quem entreguei o dito cujo:

-Será que ele vai entregar mesmo ao Vinícius, o verdadeiro dono?.

-Gina, ele telefonou três vezes seguidas em menos de dois minutos, ou seja, os dois devem ser muito amigos.

-O Toninho, agora, tem dois celulares. - insistiu ela na sua descrença.

-Eu fiz o que tinha de fazer, se ele não vai devolver ao verdadeiro dono, o problema já não é mais meu. - manifestei-me um pouco irritado com tanta descrença na natureza humana.

-Ele vai devolver sim; e se não devolver, não lhe interessa, você fez a coisa certa. - interveio o Claudio a meu favor.

E prosseguiu:

-Há pouco tempo, eu vi no chão de uma farmácia um celular parecido com esse de que você falou. Peguei e não pensei duas vezes: entreguei a balconista. Ela me olhou com a maior cara de espanto.

-Honestidade foi de quem achou o celular da Roberta (sua sobrinha). Numa época em que o celular era um tijolão da Motorola, pesava quase meio quilo, valia uma dinheirama e pouquíssima gente possuía um.

Eu e meu irmão percebemos que ela inventara uma métrica para medir honestidade, diminuindo os nossos gestos, e contra-atacamos.

-Naquela época, Gina, os ladrões não roubavam celulares.

-Os celulares só se tornaram atrativos com o advento do chip.

-Eu já havia achado dois, mas sem chip; o primeiro foi logo bloqueado, e não houve meio de descobrir o dono; o segundo, pertencia ao Mamute.

-Mamute é nome de traficante, Carlão.

-Era um rapaz que morava no Jacaré; ele veio buscar depois que o Claudio falou com a mãe dele e deu o endereço daqui.

-Então, Gina, bastava a Roberta bloquear o tijolão dela que ele se tornaria imprestável.

Minha cunhada ainda insistiu na métrica da honestidade, mas não tinha mais argumento plausível.

 

-No calendário do dia 1º de novembro, o Sérgio Fortes, no Rádio Memória, não falou da entrada em vigor do Cruzeiro, como padrão monetário do Brasil, em 1942, e da morte do jurista e político Francisco Campos, conhecido por “Chico Ciência”, devido à sua cultura enciclopédica, em 1968. Maurício

BM: Somando os comerciais com as pausas para meditação, Jonas Vieira e Sérgio Fortes têm menos de 50 minutos para apresentaram as atrações musicais, resta, por isso, pouco tempo para o calendário.

Mas concordo com o leitor; são duas datas que merecem ser lembradas.

O cruzeiro entrou em vigor em 1942, mas se fala até hoje em contos de réis. O presidente Sarney, de triste memória, foi ainda mais para trás e reviveu o cruzado, moeda de troca do Brasil no século XIX.

Bem antes, 53 anos precisamente, Machado de Assis escrevia, numa crônica, de 1889, que dava a ideia de chamar a moeda do Brasil de cruzeiro. Eis um trecho dessa crônica:

“Tem a Inglaterra a sua libra, a França o seu franco, os Estados Unidos o seu dólar, por que não teríamos nós a nossa moeda batizada? Em vez de designá-la por um número e por um número ideal – vinte mil réis – Por que  lhe não poremos um nome – cruzeiro – por exemplo? Cruzeiro não é pior que outros e tem a vantagem de ser nome e de ser nosso. Imagino até o desenho da moeda; e de um lado a esfinge imperial, do outro a constelação...Um cruzeiro, cinco cruzeiros, vinte cruzeiros. Os nossos maiores tinham os dobrões, os patacões, os cruzados, etc., tudo isto era moeda tangível; mas vinte mil réis... Que são vinte mil réis? (…)”

Não foi à toa que Gustavo Franco, presidente do Banco Central do governo Fernando Henrique Cardoso, escreveu o livro “A Economia em Machado de Assis – O Olhar Oblíquo do Acionista”.

Com a inflação crescente dos governos Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, o cruzeiro perdeu três zeros, no governo Castelo Branco e ganhou um adjetivo, passou a ser Cruzeiro Novo. A inflação se deu por vencida, mas não por muito tempo, retornou nos governos militares que se seguiram e se vitaminou ainda mais com os primeiros governos da redemocratização.  Com a inflação, o cruzeiro se foi, voltou, se foi de novo, parece que, agora, definitivamente. Quanto à inflação, foi-se, mas já está de volta, bem parruda, por sinal.

Ah, sim, o nosso caro leitor citou o “Chico Ciência”, que morreu no dia 1º de novembro de 1968. Francisco Campos redigiu a Constituição de 1937, do Estado Novo de Getúlio Vargas, conhecida como “A Polaca”. Como se não bastasse, contribuiu com a redação do Ato Institucional nº1 da Revolução de 1964.

Francisco Campos é, acima de tudo, o redator do Código Penal (1940) e do Código de Processo Penal (1941) que vigoram até hoje com poucas alterações. Por isso, ele recebeu o cognome de “Chico Ciência”.

 

-Na visita que o Carlos Manga fez à casa do redator do Biscoito Molhado, falou-se que a primeira edição do videotape foi feito com o Carlos Manga, em 1961, no programa do Chico Anísio. Foi isso mesmo? Paulinho Criciúma.

BM: Foi sim, e o programa era “Chico City” na TV Rio. Quando nós víamos – digo nós porque eu estava diante da televisão – o Chico Anísio contracenando com ele mesmo, julgávamos que aquilo era mágica, e não deixava de ser. Carlos Manga era o mágico.

 

 

 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

2973 - mudanças, bruxas e farpas variadas


------------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5223                                Data:  03 de novembro  de 2015

--------------------------------------------------------

 

ACONTECEU NO DIA 1 DE NOVEMBRO

 

Sérgio Fortes reapareceu no Rádio Memória anunciando o fim da sua mudança e o porquê de ela demorar um mês.

-Eu sou colecionador, Jonas... coleciono miniaturas de carro, muitas coisas e, na hora da mudança, tenho de ter um cuidado danado para que nada se perca e isso demanda tempo.

O seu amigo Dieckmann coleciona até arame farpado, mas o Sérgio não chega a esses extremos.

A prolongação da mudança do Sérgio Fortes lembra um pouco a dos meus pais em meado dos anos 80. Meu avô morreu em 1963 e legou a meu pai seus discos de cera de carnaúba, 78 rpm, com óperas cantadas por Caruso, Aureliano Pertile, Lauri-Volpi, muitas canções napolitanas entoadas por Carlo Buti, além de gravações de Jacob do Bandolim e Vic Damone. A minha mãe não admitia “velharia” na casa nova, por isso, meu pai demorou muito com a mudança; parece-me que, na casa velha, ele escutou todos esses discos antes de se despedir deles.

Mas voltemos ao Rádio Memória.

-Jonas, vamos começar com uma data que deixou o Peter arrasado e a mim mais ainda; em 1º de novembro de 1309, Carlos de Valois entra em Florença com os Guelfos Negros e devasta a cidade.

-Até hoje, não se fala em outra coisa, Sérgio.

Houve um cisma entre os guelfos, uma facção política; os guelfos negros eram partidários do Papa Bonifácio VII e entraram em luta com os guelfos brancos. Carlos de Valois veio da França para apoiar o papa atacando Florença com a força das suas armas. Os guelfos brancos procuraram lugar para escapar; entre os exilados se achava um dos maiores poetas da história da literatura, Dante Alighieri.

-Em 1512, Jonas, o teto da Capela Sistina, pintado por Michelangelo, é exibido ao público pela primeira vez.

-Obra de um dos maiores gênios da humanidade.

-Eu imagino, Jonas, a coluna do Michelangelo, porque ele praticamente pintou todo o teto deitado. Eu não conseguiria nem segurar o pincel.

-Eu também não, Sérgio.

-Eu sairia daquele teto, repito sem segurar o pincel, com escoliose, cifose e lordose, tudo ao mesmo tempo.

-Vamos lá, Sérgio.

-Em 1800, a Casa Branca é inaugurada. John Adams se torna o primeiro presidente norte-americano a morar na Executive Mansion, rebatizada de Casa Branca mais tarde. Jonas, será que o John Adams levou mais tempo do que eu mudando-se para a Executive Mansion?

 -Se levasse, o mandato dele ia expirar sem que ainda tivesse transportado tudo.

Quem popularizou o nome da residência presidencial foi Theodore Roosevelt, presidente dos Estados Unidos de 1901 a 1909. No Brasil, temos o Palácio Jaburu, embora o jaburu resida, atualmente, no Palácio do Planalto.

-Em 1º de novembro de 1960, John Kennedy vence Richard Nixon nas eleições presidenciais americanas. Sérgio, foi quando houve o primeiro debate televisivo em campanha eleitoral; dizem que o John Kennedy venceu aí.

-O vice do Kennedy era o texano Lindon Johnson. Naquele filme do Oliver Stone, “Nixon”, disseram que até os bois do Texas votaram.

O mafioso Sam Giancana, que controlava os sindicatos também deu uma grande ajuda, mas não vamos tratar disso agora.

-Jonas, 1º de novembro de 1980, é a data do início do SBT, o canal do Sílvio Santos.

-Sérgio, o Sílvio Santos era camelô nas barcas Rio-Niterói.

-Sei... sei. Ele participou de uma disputa de locução, no rádio e venceu o Chico Anísio e o José Vasconcellos, mas voltou a ser camelô porque ganhava mais.

-Sim, Sérgio; mas foi Francisco Carlos que o levou para Rádio Nacional, onde conheceu César de Alencar, que foi uma escola para ele.

-Ele, Jonas, acreditou num negócio criado por um humorista, Manoel de Nóbrega, o Baú da Felicidade e levou o negócio adiante que, com ele, prosperou.

Com Sílvio Santos, tudo dá certo.

-Jonas, encerrados os eventos históricos, vamos aos nascimentos.

-Quem nasceu, Sérgio?

-Em 846, Luís II, o Gago, rei da França em 846. Para agradar a Rosa Grieco, leitora do Biscoito Molhado, vai em francês: “Louis II, Le Bègue”. Jonas, eu fico imaginando a angústia de um rei gago, que não consegue se expressar diante dos seus súditos.

-Como naquele filme, Sérgio, “O Discurso do Rei”.

-Pois é; a Inglaterra entra em guerra contra a Alemanha nazista, e o Rei Jorge VI tendo de liderar seu povo.

-Vamos lá. Em 1500, nasce Benevenuto Cellini, escultor e ourives italiano. (*)

-Sim.

-A vida dele inspirou uma ópera de Berlioz, que interessou Franz Liszt. Ela foi produzida por Liszt, em Weimar, que contou com o tenor Karl Beck, aquele que estreou o papel de Lohengrin de Wagner.

-Jonas, eu faço esse registro, agora, para não perder a minha influência na língua russa. Já há algum tempo que não falo no baixo Dmitri Hvorostovsky, no compositor Rimsky Korsakov...

-Qual foi o russo que faria anos hoje, Sérgio?

-Dmitri Michailowitsch Poscharski, príncipe russo.

-Sérgio, daqui a pouco eu vou colocar a gravação da embolada do Jararaca e Ratinho, e você vai ver que ela é bem mais difícil de pronunciar.

-Esse príncipe, Jonas, recebeu do czar Miguel I, o título de “Salvador da Pátria”.

Quando surgem salvadores, a pátria nunca é salva.

-Jonas, essa data eu não poderia deixar passar em branco, nem em qualquer outra cor, pois diz respeito a nós, degustadores de cerveja.

-Principalmente no bar da General Glicério, Sérgio.

-Em 1798, nascia Benjamin Lee Guinness, fabricante de cerveja.

-Vamos brindar, Sérgio.

-Também foi prefeito de Dublin.

-Ele deveria estar bêbado para aceitar esse cargo.

-Em 1945, nasce Gilberto Braga, novelista brasileiro. Jonas, ele escreveu boas novelas, mas, de um tempo para cá, o gênero anda bem ruinzinho.

-Por mim, Sérgio, poderiam acabar todas.

-Agora, vamos aos falecimentos.

-Quem, morreu, Sérgio?

-Em 1922, morreu o escritor brasileiro Lima Barreto.

-Grande escritor, dos melhores.

-Jonas, você sabe quem foi Paul Tibbets?

-Não tenho a menor desconfiança.

-Foi o piloto do Enola Gay, o piloto do bombardeiro B-29 que largou a bomba atômica em Hiroshima. Ele morreu em 2007, nasceu em 1915.

-Vida longa.

-Eu penso, Jonas, como ele se sentia ao colocar a cabeça no travesseiro.

-Em 2008, morre Yma Sumac, cantora peruana. Outro dia falei dela, do seu nascimento; dos muitos discos que meus avós tinham da Yma Sumac.

-Jonas, hoje não tem santo de primeiro time, segundo time... porque é o Dia de Todos os Santos. A gente se agarra com todos de uma vez só e ficamos garantidos.

-Bem garantidos, Sérgio.

-Mas não existe o Dia de São Jonas.

-É verdade; mas Jonas foi um profeta muito querido por Deus. – disse o seu xará.

Lembramos aqui que, um dia antes, 31 de outubro, foi o Dia das Bruxas. Saudações do Biscoito Molhado à Jandira Feghali, à Maria do Rosário, à Ideli Salvati e à Erenice Guerra.

 

(*) Passado o impacto da nomeação das bruxas – nomeação que excluiu, no mínimo uma, anteriormente tida como jaburu, mas que é bruxa mesmo – o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO lembra-se da primeira vez que ouviu falar das esculturas de Cellini: foi no filme “Como Roubar Um Milhão de Dólares”, uma pequena estátua falsa que teve como modelo a avó da própria Audrey Hepburn. As melhores falas do filme giram em torno da estatueta, uma beleza, por sinal.

Neste mundo de objetos cultuados, seria razoável supor que essa estatueta possa valer uma boa grana, mesmo que seja de plástico, pois os traços da Audrey estão imortalizados.

 

 

 

 

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

2972 - pau puro na prefeitura


 

------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5222                                Data:  02 de novembro  de 2015

-----------------------------------

 

SABADOIDO

 

-Como é o nome do camarada da Banda Calypso?

-Chimbinha. – disse-me a Gina.

-Eu cismo com Chiminho, um gato que tivemos na rua Cachambi. E o nome da outra pessoa dessa banda?- emendei com outra pergunta.

-Joelma.

-Carlão está interessado agora em ouvir brega pop? – ironizou o Daniel logo que a sua mãe me respondeu.

-Não; fiz essas perguntas porque vazou no Facebook uma redação do ENEM sobre “Violência contra a mulher”.

E prossegui:

-Nessa redação, que até dava para entender a letra...

-Normalmente, não se entende a letra nem o que o candidato quis dizer.- interrompeu-me o Claudio.

-Nessa redação sobre violência contra a mulher, dizia eu, o camarada, no primeiro parágrafo, escreveu que a Banda Calypso alcançou um grande sucesso graças a Joelma, e, no entanto, o Chiminha, que tudo devia a ela, baixou-lhe o cacete.

-Eles eram casados, têm até filhos, agora, se separaram. - comentou a Gina.

-Seguiram-se, nessa redação, uns três ou quatro parágrafos, que dava para ler, mas não para entender, até que o candidato termina com esta pérola: “Com os pratos na mesa na hora certa, roupa lavada e bem passada, não haverá violências contra as mulheres.”

Gina resmungou a sua contrariedade com esse machismo, enquanto meu irmão imitava o Carlos Imperial quando anunciava as notas dos quesitos dos desfiles das escolas de samba: “nota deeeeeeeeeeeeeez.”

-Ele, então, foi favorável ao Chiminha meter a porrada na Joelma?

-Sei lá, Daniel; na cabeça desses caras, as sinapses estão desconectadas.

-Sinapses, sinopses, sinusites, tudo se desconectou. - brincou meu sobrinho com as palavras.

-Carlinhos, você que já assistiu ao “Poderoso Chefão” cinco vezes, o cantor Jimmy Fontana é o Frank Sinatra? – quis saber a Gina.

-Sim; o Frank Sinatra até ameaçou o Mario Puzo, que foi quem escreveu a história. Aquela cena do Poderoso Chefão em que o produtor de cinema, que não queria dar um papel para o Jimmy Fontana, acorda com a cabeça decapitada do seu melhor cavalo na cama, se reporta ao Frank Sinatra e ao filme “A Um Passo da Eternidade”. Sinatra queria atuar nessa fita, mas, como fizera uma das suas em Hollywood, negaram-lhe o papel, ele recorreu, então, ao Sam Giancana, chefão da máfia, que entrou em ação com aquela sutileza que convence todas as pessoas que desejam viver.

-E o Frank Sinatra ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante com “A Um Passo da Eternidade”. - lembrou meu irmão.

-Frank Sinatra foi crooner da orquestra do Tommy Dorsey.  Com o sucesso que obtinha, quis sair e fazer carreira solo, mas estava preso por contrato. Dizem que, depois de a máfia ameaçar o Tommy Dorsey, ele liberou o Sinatra. – citei mais esse caso.

-Pelo menos, ele fazia por merecer, Carlão; atuou bem, cantou bem.

-Numa dessas, ele quase se dá mal... Claudio (voltei-me para meu irmão), lembra-se daquele ator que pertencia à turma do Frank Sinatra juntamente com Dean Martin, Sammy Davis Júnior e era casado com uma Kennedy?

-Peter Lawford. – respondeu-me rapidamente.

-Através dele, John Kennedy, quando ainda era senador, conheceu Frank Sinatra. Quando ele disputou com o Nixon a presidência dos Estados Unidos, os Kennedy procuraram o Frank Sinatra com o objetivo que ele intermediasse um acordo com Sam Giancana, o poderoso chefão.

-O Kennedy ganhou do Nixon por uma margem muito pequena. – cortou-me o Claudio, que se calou, em seguida, para que eu continuasse.

-Sam Giancana dominava os sindicatos de Chicago e a intervenção dele foi fundamental para a vitória do Kennedy. No poder, seu irmão, Robert Kennedy, nomeado procurador-geral dos Estados Unidos, abriu uma espécie de CPI contra a máfia. Muitos mafiosos queriam o fígado do Frank Sinatra, mas o Sam Giancana interveio, dizendo que o Sinatra entrara de otário nessa história. Quando falam do assassinato do John Kennedy, para mim a máfia é a principal suspeita.

-Aquele assassino não agiu sozinho. – quebrou a Gina o seu silêncio.

-O Lee Oswald... não, ele estava a serviço de alguém.

-Depois ele é assassinado quando estava cercado de policiais...

-Por um tal de Jack Rubin. – completou o Claudio a frase que a Gina deixou nas reticências.

-No Poderoso Chefão 2, há uma cena de um mafioso assassinando idêntica a essa do Jack Rubin e Lee Oswald. Poucos anos depois, o assassino do assassino morreu de câncer. Tudo muito suspeito. – manifestei-me.

Daniel, que havia retornado ao seu quarto uns cinco minutos atrás, para tocar teclado, gritou de lá:

-Carlão, quer que eu toque alguma coisa da Chiminha e da Joelma?-.

-Nãoooooooooooooooooo.

-Quer sim.- incentivou-o o Claudio sadicamente.

 

Afastado esse perigo, prosseguimos.

-Esse candidato do ENEM poderia citar as porradas que o candidato do Eduardo Paes a prefeito, o Pedro Paulo, deu na mulher.

-O Eduardo Paes está colocando panos quentes.

-Panos quentes nos olhos dela que ainda estão inchados.- seguiram-se as palavras do Claudio às da Gina. (*)

-Depois dessa, não se elege mais. - observei.

-O eleitor brasileiro a tudo perdoa, principalmente aos ladrões. - expressou seu ceticismo minha cunhada.

-Carlinhos, eu me encontrei, no Carrefour, com o Tião.

Como ele não identificou logo esse Tião, o primeiro que me veio à cabeça foi um que jogava truco e buraco com ele, mas que havia falecido uns cinco anos antes, porém, sempre lembrado pelo Claudio.

-Que Tião?

-Ora, o da Chaves Pinheiro.

-Há uns 200 anos que ele sumiu. - justifiquei-me.

-Ele foi viver numa cidade do Espírito Santos na divisa com a Bahia.

-Tião estava muito feliz. A mulher dele morreu... (enveredou pelo humor negro.

-Aquela que você chamou, num Sabadoido, de abjeta e o Luca lhe disse que a palavra era muito forte. - voltei-me para a Gina.

-Eu não suporto pessoa que é sua amiga, mas, quando passa em companhia da mulher, finge que nunca o viu. O Tião era assim, quando estava com a mulher; Kung Fu, também, quando passava do lado da Nicinha. – reclamou a Gina.

-Eu lamento, até hoje, o Luca não ter dado umas boas porradas no Kung Fu no Lar de Júlia.- afirmei.

Claudio voltou ao encontro com o nosso amigo de décadas que andava sumido.

-O Tião queria comprar um molho, mas não havia Cristo que conseguisse entender o que ele queria dizer.

-Pior do que a Dilma, Claudio.

-Pior é impossível, Carlinhos. Depois de muita luta, entendeu-se: barbecue, era molho de barbecue. 

-Barbecue é churrasco em inglês. Por que ele não falou molho de churrasco?

-Porque o brasileiro quer falar a língua do americano, por isso se confunde. - explicou-me a Gina.

-Como diz o Ancelmo Goes: “barbecue é o cacete”. – pilheriou meu irmão.

-O Augustinho me dizia (irmão do Tião), quando era garoto, que a grande preocupação do Seu Lins (o pai) era o Tião, porque andava até com ladrões de cavalos.

-Tião andava com maus elementos. - ratificou meu irmão.

-Então – prossegui – disse-me o Augustinho que o Seu Lins o colocou para trabalhar, ainda rapazinho, na Casa José Silva. O lema dele era: não quer estudar?... vai trabalhar, então.

-Tem de ser assim. - concordou a Gina.

-Agora, que ele é viúvo, volta a morar aqui? – indaguei.

-Nada; já voltou para a tal cidade.

-Nós falamos em ladrões de cavalos... leram, nos jornais, que  roubaram dois, e um deles se chamava Petrobras.

-Carlinhos, quem põe o nome de alguma coisa de Petrobras está pedindo para ser roubado. – não perdeu a deixa a Gina

 

(*) Esse “acidente” ocorreu quando a agredida descobriu o romance entre o agressor e o dos panos quentes, em 2011, mais ou menos. Ocorre que o romance entre eles está de pé até hoje e ela deve ter sido convencida a ficar calada, mas a queixa ficou.

 

 

 

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

2791 - O Manga, quem diria, acabou no Cachambi


------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5221                              Data:  01 de novembro  de 2015

------------------------------------------------

 

126ª VISITA À MINHA CASA

 

E o Carlos Manga se materializou à minha frente.

-Manga, certa vez, garoto, assistindo a uma comédia da Atlântida, no Cine Cachambi, a minha curiosidade foi despertada quando apareceu na tela o seu nome em letras garrafais e eu me perguntei, por que esse tal de Manga não aparecia se era tão importante?

-Você quer dizer “DIREÇÃO CARLOS MANGA”, que tomava toda a tela do cinema.

-Sim; a partir do seu nome, cheguei, anos mais tardes, aos diretores dos filmes e da relevância deles. Para mim, até então, bastavam apenas os artistas.

-E, rapaz, há tanta gente que não aparece para os espectadores, mas, sem eles, o espetáculo não acontece.

-Para mim, aqueles filmes eram Oscarito, Grande Otelo, Cyll Farney, Eliane, figurantes e mais nada; daí, a minha curiosidade, ou melhor, espanto, com aquele nome Carlos Manga tão destacado quanto os deles.

-Você lembrou o Cyll Farney... ele foi fundamental no meu início no cinema.

-Quando você descobriu sua vocação?

-Creio que desde a primeira vez que fui ao cinema. Eu fiquei maravilhado com uma fita expressionista alemã, de 1924, “As Mãos de Oriac”. O enredo gira em torno de um pianista, que perde as mãos, em um acidente de trem e lhe são transplantadas as mãos de um criminoso, que tomam vida própria.

-Pena que não vi.

-É do mesmo diretor de “O Gabinete do Dr. Caligari”, Robert Wiene. - acrescentou.

-Mas você não seguiu logo a sua vocação?...

-Meu pai era advogado e me levou a estudar Direito; eu era estudante e bancário. Um dia, avisei-lhe que entraria no mundo do cinema e ele me perguntou o que eu sabia de cinema; respondi a ele que nada, mas que iria aprender. Assim, larguei o banco e o curso de Direito no segundo ano.

-Foi para a Atlântida?

-Fui, lá galguei cargo por cargo desde os mais humildes; trabalhei no setor de almoxarifado, contrarregra, assistente de montagem e de revelação, até chegar a diretor.

-Você havia dito que Cyll Farney o ajudou no seu início.

-Ele me auxiliou sim. Cyll Farney era 3 anos mais velho do que eu, ele, de 1925, e eu de 1928. Muito novo, menos de 20 anos de idade, estreou em “Um Beijo Roubado”, tocando bateria com o irmão Dick Farney.   

-“A Dupla do Barulho” foi a sua primeira película como diretor?

-Sim; com o Oscarito e o Grande Otelo, em 1953. Mas, um ano antes, eu representei em “Carnaval Atlântida”, dirigido por José Carlos Burle.

-Eu me recordo que meus vizinhos, mais velhos do que eu, esculhambavam as chanchadas, mas, quando elas entravam em cartaz, o Cine Cachambi ficava lotado e esses vizinhos, quando as luzes se acendiam, estavam com as caras risonhas.

-Eu lidava com críticos mais ferozes que nos tachavam de cultivar um estilo menor; transcorrido o tempo, reviram as suas opiniões... pelo menos, os melhores deles fizeram isso.

-O filão das chanchadas era entreter a plateia com um enredo simples, engraçado, romanesco e malicioso, misturado com carnaval, shows com mulheres de pernas de fora e muita confusão.

Ele confirmou com um sorriso generoso e eu continuei matraqueando:

-Eu me dizia na época do Cinema Cachambi: as americanas são mais bonitas, com a honrosa exceção da Fada Santoro, mas as brasileiras são mais apetitosas com aquelas pernocas.

-Naquele tempo, as americanas não mostravam as pernas.

-Pois é, Carlos Manga; a primeira atriz que vi nua foi a Brigitte Bardot, mas num tempo muito curto, pois proibiram a minha entrada para assistir “E Deus Criou a Mulher.”

-A nossa Brigitte Bardot foi a Norma Bengell, já em 1959, em “O Homem de Sputnik”.

-Soube, anos depois, que todos os trejeitos da Brigitte Bardot, na cena em que a Norma Bengell seduz o Oscarito, foram feitos por você, atrás das câmeras e ela os repetia.

-Se eu tivesse a plástica da Norma Bengell, eu mesmo faria a cena no lugar dela. – sorriu. 

-Eu, na minha cadeira, fiquei tão assanhado quando o Oscarito.

-Não lhe deram “E Deus Criou a Mulher”, mas eu lhe dei “O Homem do Sputnik”.

-Você se espelhava muito no cinema americano.

-Era a nossa fonte de inspiração. “Matar ou Correr” foi uma paródia do “Matar e Morrer”. Aquele clássico psicológico, angustiante do princípio ao fim se transformou numa comédia com o Oscarito, Grande Otelo e José Lewgoy. Descontração era com a gente nos estúdios da Atlântida.

-Li, dia desses, que a engraçadíssima cena do espelho entre o Oscarito e a Eva Todor, em “Os Dois Ladrões”, foi tirada de um filme dos Irmãos Marx.

-Não, não – cortou-me -; eu me baseei numa cena do “I Love Lucy”, série da televisão, na cena em que Lucille Ball contracena com Harpo Marx. Meus atores imitaram, como eu queria, praticamente toda a caracterização deles.

-Eu tive a sorte de assistir a essa cena, quando a série “I Love Lucy” era retransmitida pela TV Tupi. Por mais genial que fosse Harpo Marx, Oscarito não lhe deveu nada.

-Eva Todor também se saiu muito bem. – acentuou.

-Outra grande sorte que dei, vendo televisão, foi com a antológica imitação do Al Jolson. Depois, o meu queixo caiu, ao saber que você era o imitador.

-Nos meus primeiros anos da Atlântida, o Oscarito me disse que eu o imitava muito bem, em seguida, pediu-me para imitá-lo diante dos demais atores e de toda a equipe de filmagem. Fui aplaudido calorosamente.

-Você nem sempre ficou atrás da câmara dirigindo.

-Fui ator em filmes, novelas... pouca coisa. Eu gostava mesmo era de dirigir atores.

-Bem, o filão das chanchadas da Atlântida se esgotou em meados dos anos 60.

-Quando isso aconteceu, fui para a televisão. Fiquei um tempo e me mudei para a Itália em 1970. Fui morar junto à Cidade do Cinema, Cinecittà. Lá, avistei-me com o meu ídolo, Frederico Fellini. Ela me disse: “Garoto, quantos filmes você fez?” “Cinquenta” – respondi. “Não minta.” “Cinco”.

-Estava mentindo ainda, pois fez quatro vezes mais do que cinco filmes. – interferi.

-A quantidade pouco importava. Eu disse a Fellini que pretendia filmar. Ele me disse que era impossível, que, na Itália, só aceitavam diretores italianos (reserva de mercado como no Brasil). Mas me aceitou como assistente de direção. Voltei ao Brasil 4 anos depois, Fellini, vendo-me partir, gritou ao longe: “Manga”; eu me voltei, e ele me mandou um beijo com as duas mãos.

Notei que, nesse momento, que os olhos do emotivo cineasta brasileiro estavam marejados de lágrimas.

-Aprendeu muito com ele?

-Claro. Aqui chegando, em 1974, escrevi, produzi e dirigi “O Marginal”, com Darlene Glória e Tarcísio Meira, influenciado pelo método de direção Felliniano.

-A primeira edição em vídeo-tape da televisão brasileira veio com você.

-Comigo e com o técnico Marcelo Barbosa. Isso foi em 1961, quando aceitei o convite do Chico Anysio para dirigi-lo na TV Rio.

-Seu trabalho na televisão foi vasto.

-Sim, eu era incansável, se não havia cinema, eu partia para a televisão.

-Aquele interesse que eu tinha, quando garoto, assistindo à suas chanchadas, retornou décadas depois quando acompanhei duas minisséries em que você foi o diretor artístico: ”Engraçadinha... Seus Amores e Seus Pecados” e “Agosto”.

 -Dirigi outras: “Memorial de Maria Moura”, “A Madona de Cedro”, “Incidente em Antares”, “Decadência”.

-Adorei, no “Agosto”, a panorâmica com as cenas do povo revoltado nas ruas, com o suicídio de Getúlio Vargas e o momento em que se vislumbra um cinema com o cartaz “Matar ou  Correr”. Foi uma citação sua que nada teve de cabotina, pelo contrário, foi muito bem idealizada.

E partiu tão rapidamente, que não pude repetir o gesto de Fellini, quando ele se foi da Cinecittà.

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 3 de novembro de 2015

2970 - o bêbado e o andarilho.


 

---------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5220                          Data:  30 de outubro  de 2015

--------------------------------------------------------

 

NA ACADEMIA DA TERCEIRA IDADE

 

Exercitando-me na academia da terceira idade, antes do nascer do sol, (atualizando a frase do Nélson Rodrigues) eu me sinto mais só que Robinson Crusoé sem celular. Antes, havia o Jessé; eu o via desde a época em que eu caminhava na rua, no estacionamento do Shopping Nova América, por aí, enfim. Numa dessas caminhadas pela rua, abordou-me pela primeira vez perguntando se poderia me acompanhar. Bem, correndo ou caminhando, nunca sofri de solidão, pelo contrário, eu a prefiro; respondi-lhe que o meu itinerário era completamente doido, ele percebeu a minha má vontade e reagiu com brusquidão: “Faça o que você achar melhor”.    

Com a implantação da academia da terceira idade na Praça Manet, em Del Castilho, dois meses antes das eleições de 2014, acrescentei às minhas caminhadas exercícios físicos propiciados pelos aparelhos que lá estão. Foi quando me baixou a necessidade de ter alguém próximo para conversar e, assim, pôr para correr o tédio que eu sentia naqueles simuladores de esqui e de caminhada. Então ele, que mora em Maria da Graça, soube da novidade e apareceu lá. Como é mais gregário do que eu, reaproximou-se de mim e, depois de tantos anos nos avistando, na hora da passagem da noite para o dia, soube que se chamava Jessé e ele que eu era o Carlos. Tornamo-nos companheiros de ginástica, parceiros como os jovens dizem.

Jessé não era idoso, tinha 54 anos, e, praticante de exercícios físicos desde muito tempo, era vigoroso. Às vezes, eu me portava como um guru e ele aceitava o papel de Gafanhoto; quando lhe disse que o aparelho de equilíbrio era ótimo para o cerebelo, a região do cérebro que regula a nossa psicomotricidade, ele, que só se preocupava com os músculos e os sistemas cardiovascular e cardiorrespiratório, passou a se equilibrar.

Quando estávamos nos simuladores, conversávamos tanto que, quando eu olhava o relógio, já havia passado 30 minutos e eu lhe confessava que, sozinho, não chegaria aos 15 minutos por causa do fastio de estar só. Ele era, podemos dizer, o meu amigo da madrugada. Assinale-se que esses encontros se davam aos sábados, domingos e feriados por causa da minha ida ao trabalho antes das 5h 30min da manhã. Nos dias úteis, eu aparecia lá antes dos pores de sol, mas, então, era o Jessé que ainda se encontrava no seu trabalho.

Num fim de semana, Jessé não pareceu na hora costumeira. No fim da semana seguinte, surgiu meio combalido e me explicou o porquê: caíra no boxe do banheiro do seu serviço, enquanto tomava banho. Mesmo sentindo dores, tentou alguns exercícios até se dar por vencido. Disse-me que fora orientado pelo médico a fazer uma ressonância magnética, obedeceu, e, depois, quando reapareceu, e lhe perguntei pelo resultado, fez uma careta e deu três giros de 180º com a mão direita: “mais ou menos”.

Isso se deu por volta de novembro do ano passado, em seguida, Jessé sumiu. Nos primeiros meses de 2015, nada de ele ressurgir e eu me sentia como Robinson Crusoé sem o Sexta-feira e sem o celular (lembram-se da atualização da frase do Nélson Rodrigues?).

Será que deu zebra na sua cirurgia de próstata? – perguntava-me. Um dia, nesses interessantes diálogos sobre o simulador de esqui, ele me comunicou que seria submetido em janeiro de 2015 a uma operação da próstata, nada arriscado, pois se tratava apenas de uma prostatite que requeria apenas raspagem.

Por volta do mês de março deste ano, saindo para o trabalho, vislumbrei, na madrugada, um vulto na academia da terceira idade: era o Jessé. A operação da próstata?... Tudo correu bem, respondeu-me, o problema que ocasionou o seu sumiço foi uma depressão, já vencida e um assalto que sofreu. Agora, voltaria aos exercícios físicos, na Praça Manet, como antes.  Mentia, provavelmente, para si próprio, pois as suas aparições se tornaram raras.

Em um domingo, no meio de vários aparelhos que acionava, me contou o seu drama: sair de Maria da Graça e morar no Flamengo. Vivia desde garoto em Maria da Graça, numa casa com quintal onde cultiva árvores frutíferas e cachorros, mas a mulher dele insiste na mudança para a zona sul. Sofria com essa situação. Animei-o dizendo que, algumas vezes, em priscas eras, eu pegava o 298, saltava na Rua Santa Luzia, andava até o Aterro do Flamengo e corria na pista de Cooper que lá existe. Sim, para correr, o Flamengo não seria nada mal, mas ainda assim, ele não estava convencido com essa mudança e me comunicou que iria conversar muito seriamente com a esposa. Bem, parece que ela saiu vitoriosa, pois desde então, uns 4 meses, por aí, não avistei mais o Jessé.

Voltei a ser mudo e só na rocha de granito, como no verso do poema “Dom João” de Guerra Junqueiro. Assim, restringia-me, às vezes, apenas à caminhada que, como registrei mais acima, o enfado não me atinge, Três domingos atrás, depois de caminhar uns 35 minutos na academia da terceira idade, por sinal, imunda – por mais que os garis limpem, mais sujam – fui para a quadra de maior dimensão onde estendi a minha caminhada por mais 65 minutos.

Logo depois, retornei à academia para girar em 360º cada um dos meus braços, umas cinquenta vezes, pois não queria passar pelo sofrimento de dois colegas meus de trabalho que estão com os ombros avariados. Assim, rodava eu meu braço no aparelho de rotação dos membros superiores, quando olho para o chão e vislumbro, no meio da imundície, algo que me pareceu um celular. Abaixei-me e peguei o objeto. Eu não era mais Robinson Crusoé sem celular.

    Era, na verdade, um smartphone, quando o manuseei, rapidamente, vi que havia facebook, whatsapp e outras coisas que, à primeira vista, eu não identifiquei. Voltei para casa com o dito cujo.

Achado não é roubado, mas se é possível saber quem é o dono, não resta a menor dúvida, que é roubo. Com que moral eu iria esculhambar o Lula, o Renan Calheiros, o Eduardo Cunha, o PT e o PMDB, em geral, se roubo celular? Escarafunchei o achado de todas as maneiras e não conseguia encontrar o nome do seu dono, aliás, não encontrava nome algum. Telefonei para meu sobrinho, e ele me aconselhou a continuar tocando na tela daquilo que a agenda apareceria. Segui seu conselho, e o máximo que consegui foi tirar duas fotos minhas em instantâneos lamentáveis.

Desisti e fui ler “Crime e Castigo”. Duas horas depois, o celular tocou, corri para atender, li, na tela, o nome “Toninho”, mas a voz dele não me chegava aos ouvidos. Quando tocou pela segunda vez, aconteceu a mesma coisa, mas notei que o número do telefone desse tal Toninho aparecia. No terceiro toque, eu anotei o número e, pelo meu telefone fixo, entrei em contato com ele. Fiquei, então, sabendo que ele morava na Rua Honório e que o dono do celular, Vinícius, também era morador do bairro. Como ele, Toninho, se encontrava nas proximidades, em menos de 20 minutos, já estava junto ao portão do prédio em que moro, recebendo das minhas mãos o que seu amigo perdera.

-Ele bebe e perde as coisas. - disse-me.

Eu caminho e acho, aquele já era o terceiro.