O BISCOITO MOLHADO
Edição 5292 SX
Data: 01 de junho de 2017
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO
NASCIMENTO - ANO: XXXIV
WADSTED
Terminada nossa mudança da Anita Garibaldi para a Paula
Freitas, em outubro de 2014, fiz à minha mulher uma promessa solene. Aquela
havia sido a última mudança de um colecionador tresloucado, no caso eu,
possuidor de vinte receivers Marantz, uma montanha de trens elétricos Lionel e
centenas de miniaturas de automóvel.
Com a agravante de que o tresloucado (eu) tem pavor dos
funcionários das empresas de mudanças. Faz questão de embalar e carregar suas
preciosidades sozinho.
Na mudança em pauta, ficou claro que o tresloucado (eu) não
tem mais saúde, e muito menos idade, para carregar, “no braço”, pesadíssimas
caixas acústicas escada acima. Acreditem, por favor. Quando comecei essa
empreitada, minha altura era 1,74 metro. Terminada a tarefa, havia diminuído para
1 metro e 68.
Assegurei à Beth meu propósito de me desfazer de muitas
traquitanas em nosso novo endereço. No começo até que a coisa caminhou bem.
Itens alvo de menor apreço foram devidamente negociados no mercado livre. Até
que aconteceu uma recaída, pequena, é verdade, mas um golpe devidamente acusado
pela Beth.
Um cidadão morador de São Gonçalo anunciou a venda de oito
exemplares da revista “Vitória Colegial”, que circulava entre os anos 50 e
60 entre os alunos do Colégio Santo Inácio. “A Vitória” comentava eventos
esportivos em que estavam empenhadas as equipes do colégio. Destacava o
desempenho expressivo dos Inacianos nos vestibulares. Publicava textos de
autoria dos alunos, tinha seção de piadas e palavras cruzadas. Transmitia
conselhos e reservava espaço para a pregação religiosa, sem exageros.
Não entendi como elas foram parar em São Gonçalo, localidade
onde não moravam alunos do colégio. Mas o anúncio estava todo certinho. Melhor
ainda, comprei oito revistas e o vendedor me enviou dezoito exemplares da
“Vitória Colegial”. Todos muito bem conservados.
O ocorrido me motivou a buscar na Internet maiores
informações sobre a revista. Elas existem. De imediato encontro um trabalho da
professora Miriam Waidenfeld Chaves. Ela perde tempo precioso esculhambando a
revista. Poderia ocupá-lo melhor discorrendo sobre a inseminação artificial das
borboletas. Em vez disso, comenta que a Vitória “produz um conjunto de
crenças que contribui para que os seus autores/leitores se percebam como um
grupo de alunos que se encontra em uma posição superior em relação aos
demais...” ou ainda, “Esse sentimento de grandiosidade, no qual tudo é
superlativo, transparece em quase todas as páginas da revista, que não perde a
oportunidade de chamar a atenção para os feitos de seus alunos, cuja vida seria
envolvida com acontecimentos igualmente grandiosos”.
Em outra parte do trabalho, a professora se escandaliza
quando a revista “descreve um simples jogo de futebol entre o admissão e o
terceiro científico como o maior espetáculo da terra”. E também não se conforma
quando a “Vitória” destaca os feitos de Jacques Klein, aluno do Santo Inácio,
que acabava de alcançar o primeiro lugar no importantíssimo Concurso
Internacional de Piano de Genebra.
Da leitura dessas bobagens, provavelmente financiadas com
recursos provenientes dos nossos impostos, concluo que nós, “Inacianos”, somos
“coxinhas” desde os anos 50 do século passado. E, não está dito, mas
depreende-se que os métodos de ensino dos jesuítas devam ser execrados. Bom
mesmo é o que acontece nos dias de hoje, quando iletrados ganham diploma de
“doutor” através do telefone celular. Permanecem analfabetos. Mas “doutores”.
A professora poderia, também, ter feito uma referência aos
títulos de nobreza com que eram agraciados, no Santo Inácio, os alunos que se
destacavam no “Quadro de Honra”. Média acima de 9,5 conferia ao discente um
título de “Imperador”. À medida em que a média baixava, o cidadão era ungido
com distinções inferiores: “Príncipe”, “Duque” e “Conde”. Ao longo de minha
trajetória inaciana, uma única vez fui agraciado com um título de “Imperador”.
Está devidamente emoldurado e é motivo de muito orgulho. Essa tradição
provavelmente causaria revolta à professora. Na sua avaliação seria uma prova
cabal de que todo Inaciano é monarquista.
Mas vamos ao que tem, realmente, importância. Recebi minhas
“Vitória Colegial” e desandei a lê-las, sem parar. Não são do meu tempo. Saí do
colégio em 1967 e elas cobrem, basicamente, o início dos anos 50. São, de
qualquer forma, interessantíssimas.
Uma delas comenta um jogo de futebol entre Alunos x
Professores. Os alunos vinham comandando o placar até que entrou em campo, com
batina e tudo, o Padre Faria. Quando o conheci, anos mais tarde, mais velho e
gordinho, sua participação na contenda não faria diferença. Naquela tarde de
1953, no entanto, a “Vitória” registra que o Padre Faria acabou com o jogo...
Em outra edição, de maio de 1952, tenho minha atenção
voltada para o desempenho do Santo Inácio nos vestibulares promovidos no ano
anterior. O grande feito foi alcançado por um tal Otto Gustavo Wadsted. Nem
mais nem menos, ele conquistou o primeiro lugar nos vestibulares promovidos
pela PUC e pela Escola Nacional de Engenharia.
Como diria meu pai, fiquei encafifado. Até hoje não sei o
significado exato do termo, nem mesmo se ele existe. Mas fiquei encafifado.
Desse Otto nunca se ouviu falar. Por onde será que anda esse
sujeito tão brilhante? Inacianos conhecem na ponta da língua a trajetória de
seus colegas famosos: Mario Henrique Simonsen, Vinicius de Morais, Arnaldo
Jabor, Nelson Mota, Paulo Coelho, Tasso Jereissati, Paulo Francis... Mas esse
Otto, o que foi feito dele?
Recorro à Internet. Em questão de minutos estou apto a
responder no “Céu é o limite” sobre a vida de Otto Gustavo Wadsted. Por mais
que possa ser alvo da implicância da professora, ele deve ser motivo de orgulho
para seus companheiros Inacianos.
Otto nasceu nos Estados Unidos no dia 6 de dezembro de 1933.
Tinha cidadania dinamarquesa. Seu pai e avô, diplomatas importantes, também se
chamavam Otto Wadsted. Sua mãe, Concepción Carafí, era uruguaia.
Ele passou a infância nos Estados Unidos. Ao fim da segunda
grande guerra morou na Itália e depois veio para o Brasil. Estudou no Santo
Inácio e obteve, em 1956, seu
diploma de engenheiro civil, na Escola Nacional de
Engenharia.
Também na Internet descubro que em fevereiro de 1957 ele
trabalhava numa empresa chamada Indústrias Metálicas de Estruturas e
Construções Ltda. Uma ata de reunião de diretoria registra seu endereço. Morava
na rua Bulhões de Carvalho 563, apartamento 502.
A anotação seguinte é o seu Master Degree em Engenharia e
Administração, obtido em 1966 no Massachussets Institute of Technology.
Trabalhou no Banco Mundial e esteve envolvido em longas missões na Venezuela e
na Bolívia. Gostava de discutir temas relacionados com os problemas dos países
em desenvolvimento, especialmente industrialização, geração de empregos e
combate à pobreza. Podia fazer isso nos seis idiomas que falava fluentemente.
Em 1971, foi admitido no Departamento de Economia da
Universidade de Ottawa. Ali lecionou até 1996. Foi notícia dos jornais quando
mergulhou nas águas geladas do Canal Rideau para salvar uma mulher que tentava
suicídio.
Nunca se casou. Esteve sempre acompanhado de sua mãe, até a
morte da Sra. Concepción. Otto morreu sozinho em seu apartamento, provavelmente
no dia 27 de maio de 2010. Diante das circunstâncias, seu corpo demorou a ser
encontrado.
Luigi Logrippo, amigo de longa data, não quis que sua morte
passasse despercebida. Resumiu, na rede, a vida daquele professor solitário e
reservado, que era adorado por seus alunos.
A iniciativa de Logrippo resultou em dezenas de
manifestações sobre os predicados de Otto Gustavo Wadsted. Uma delas veio do
Brasil. De um modesto funcionário de Otto chamado Francisco Ludgero Sobrinho,
que trabalhou com ele nos anos 50. Ludgero destacou o enorme coração do amigo. Contou
que, nas proximidades de um dia de Natal, recebeu do antigo patrão a remessa de
uma boa soma em dinheiro. Com uma mensagem: “Sei que você não recebe o
décimo-terceiro salário. Não quero que você seja uma exceção diante de seus
amigos”.
Matei a charada. Agora sei bem quem foi Otto Gustavo Wadsted.
Motivo de orgulho para seus pares Inacianos. E de desgosto, certamente, para a
tal professora.
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ResponderExcluirOs tempos mudaram...hoje no O Globo, enorme matéria sobre a cracolandia em SP, na qual foi feito um video em que aparece um daqueles tristes drogados, que foi reconhecido por seus colegas inacianos aqui no RJ e por ai segue a matéria....
ResponderExcluirSegundo o redator inaciano, que ouviu falar do Sarda, ele desandou para o incomensurável depois de adquirir uma Vemaguet.
ExcluirAcredito seriamente em Educação na formação do indivíduo. Acredito no comprometimento dos colégios católicos na formação do homem. Não entendo o pouco caso em relação à religião que doutos inacianos, salesianos/outros possuem na não aceitação do valor implícito na educação que receberam. Fiz uma leitura na NET sobre o grande homem que foi o Dr. Otto Gustavo Wadsted.
ResponderExcluirNão sei se a idade já está pesando mas não entendi o porquê da senhora Miriam Waidenfeld Chaves. A pista seria o nome? Não vejo razão.
O redator agradece, em genuflexo, o seu comentário. Pessoalmente, suspeito de professores, sejam militares, eclesiásticos, ou comuns.
ExcluirApresentei seu Blog à minha neta. Fiz novo comentário após, em 31/05.
ResponderExcluirO seu O BISCOITO MOLHADO agradece, mas não se responsabiliza por danos permanentes. Nem passageiros.
ExcluirExcelente texto. Na Biblioteca do Santo Inácio há dezenas de edições da Vitória, a maioria doada pelo Victorino Chermont (turma de 62). Meu colega de turma de 66 Luiz F. C. V. Andrade tem todas de 1959 a 1966, editadas pelo Pe. Passos e Pe. Castro. Tem muita historia interessante nelas.
ResponderExcluirSabia que o ilustre blogueiro iria apreciar. Espero que o redator leia o comentário. Talvez ele faça uma oferta, para desespero da Bete.
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