O BISCOITO MOLHADO
Edição 5299 FM
Data: 15 de junho de 2017
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO
NASCIMENTO - ANO: XXXIV
COISAS DE CEARENSE (2)
É sempre agradável recordar o passado, trazer à lembrança
apenas o que houve de bom, como se tudo passasse por um filtro, para não causar
tristezas. Pois lá vem à memória o chamado “footing” dos domingos, costume dos
idos dos anos 30/40, na capital cearense.
O pernóstico mas charmoso passeio, girava em torno da Coluna
da Hora (inaugurada com pompa e circunstância, ao soar a meia-noite do primeiro
dia de 1936), um monumento de
cimento de uns 10 ou 15 metros de altura, de uns dois metros quadrados, com um
relógio em cada lado, construído no centro da Praça do Ferreira, o local mais
famoso da cidade onde, nas ruas
laterais, existiam as lojas mais
modernas, os três cinemas, os pontos de ônibus e de bondes e por onde passavam, quase
obrigatoriamente, todos os que iam às compras, aos negócios ou simplesmente
nada tinham a fazer.
Era o charme das noites domingueiras, um desfilar de modas o
passeio, que começava às sete hora e terminava pontualmente às nove. Às vezes, também havia, para
animar, retretas com bandas de música tocando marchas militares ou alguma valsa
vienense, um ou outro samba, de ritmo “quebrado”, faltando o “tempero” carioca,
coisa de pouca importância, era parte do roteiro musical variado, servia para
alegrar a noite.
As moças, em
grupos, geralmente de braços dados, costume sem nenhuma conotação extravagante,
a não ser a da amizade, circulavam em torno da coluna, que tinha em volta um jardim. Num
círculo mais amplo, os rapazes se mantinham parados, a conversar, de olhos nas
menininhas em flor, vestidas à exigência domingueira, a andar sem pressa,
jogando seu charme urbano-cearense ao frescor da noite, até que no relógio
soavam as nove horas. Estava implícito, era o sinal. De repente, a praça ficava
quase deserta, acabara-se o burburinho, era como se alguém tivesse dito:
“Soltaram a onça!” Quem por lá ficava era por não ter o que fazer nem para onde
ir, pois não havia, como hoje, bares, onde se joga conversa fora ao longo da
noite. Quem viveu aqueles bons tempos tem, disso, doces recordações.
A vida era calma no tempo da inocência das jovens
adolescentes. A cidade era também calma. De diversão, raramente uma peça de
teatro, o mais comum era o cinema, filmes em preto e branco, que o colorido só
veio muito tempo depois, com a modernização, que a tudo mudou, nos costumes, na
vida, no cotidiano.
As saias
encurtaram, a inocência cedeu lugar ao agarradinho, aos furtivos beijos, aqui e
ali um avanço mais ousado, nada que pudesse atrair a ação violenta dos pais,
com ameaça de expulsão de casa e lição inexorável aos atrevidos.
Os cinemas, em
que as sessões noturnas de fim de semana eram o supremo luxo, oportunidade
única para exibição de vestidos da moda lançada em revistas semanais, que
chegavam às bancas com tedioso atraso, foram sumindo aos poucos, na poeira dos filmes de faroeste, ou nos
dramas ou comédias em que os quartos tinham as camas dos casais separadas, o desenrolar da vida ficava
apenas nas intenções, que não passavam de um beijo sem o ardor e a volúpia dos
que são mostrados hoje até nas matinês mais comuns. Ficaram somente as
recordações de suas salas, umas transformadas em lojas, uma outra devorada por
incêndio.
A Coluna da
Hora sumiu, o “footing” acabou, a inocência se esfumou, os tempos são outros, a
vida tornou-se mais agitada, logo veio o tempo da II Guerra Mundial, a cidade
viveu os tempos do black-out, as ruas ficaram às escuras, havia o temor de um
bombardeio por submarinos inimigos, desconfiava-se de tudo, temia-se uma
destruição da cidade, que escapou ilesa, ainda bem!
A vida tem dessas coisas, os acontecimentos se sobrepõem,
vão caindo na rotina ficam eternamente na lembrança, alguns transformam-se em
saudades.
Boa Noite,
ResponderExcluirTrocando os anos de 30/40 para 40/50 se parece com a minha infância no Rio de janeiro. Muda apenas o cenário. Praça XV, Cinelândia, missa aos domingos na antiga Catedral. Moças de braços dados, saias e anáguas rodadas, um leve rubor de rouge nas faces para encobrir, quem sabe, o verdadeiro rubor causado por um olhar mais atrevido.
Meu derradeiro sonho está contido em sua última frase. Que permaneça eternamente em minha memória a lembrança dos tempos "idos e vividos".
A verdadeira literatura é aquela que nos transporta para o sentimento universal. É aquela que nos iguala enquanto seres capazes da mesma emoção.
Como esta página.
Tenho certeza de que tanto o autor desta elogiada edição, como o general Mac Arthur, hão de concordar com você.
ResponderExcluirOs anos 40 teriam sido o ápice da civilização ruborizada se não fossem os alemães.
Deu no que deu, esse monte de sem vergonhas em Brasília. Tudo culpa dos alemães.