O BISCOITO MOLHADO
Edição 5296 FM
Data: 08 de junho de 2017
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO
NASCIMENTO - ANO: XXXIV
A
MENINA DOS LIVROS (*)
Vou escrever esta crônica enquanto
ainda estou sob o impacto do que acabo de ver em noticiário televisivo: Uma criança de oito anos sentada sobre
as pernas num pranchão, sendo levada (em segurança) pela correnteza numa rua
inundada, de uma cidade qualquer, não importa qual seja, são muitas que estão
sob o efeito de fortes chuvas que têm causado alguns mortos e muitos milhares
de desabrigados no Nordeste. Pessoas geralmente das mais humildes categorias
sociais.
Rivânia, a Ri, foi alertada pela avó: “Prepara o que você puder levar, as
águas estão chegando, vão levar tudo.”
E a menina foi encontrada, levada para
uma igreja, onde o padre a recolheu e, em sua mochila, que ela mantinha
abraçada enquanto era carregada pelas águas, continha apenas livros e material
escolar.
Coisa simples. Eram seus possuídos. Um
dos participantes do programa acabara de comentar uma das cenas já tornadas
comuns dos “malfeitos” que têm causado na cidadania comum, algo difícil de explicar, que são
os crimes denunciados pela Operação Lava-Jato. O comentarista mostrou o aspecto
da menina, seu olhar perdido, e logo comparou com os canalhas denunciados, que se apropriaram de
bilhões de dólares ou reais, denunciados como propina, transformada em Caixa
2, uma justificativa canhestra para
justificar a safadeza. Citou o ex-governador do Estado do Rio como o verdadeiro
exemplo de falta de caráter, já condenado e ainda devendo 10 outros processos de
crimes do mesmo nível, feliz por adquirir presentes para a esposa, verdadeira
perua engalanada de joias feitas para seu uso exclusivo. Causou comoção, entre os demais
participantes do programa, como certamente nos espectadores. Em mim, por
exemplo foi um choque. Uma criança
sobraçando uma mochila de livros, seu único possuído, estudante de uma escola
que deve estar caindo aos pedaços, pois falta verba para consertos, onde o
ensino é quase nenhum, enquanto o dinheiro público é desviado para alimentar a
ânsia do luxo desabrido com que se exibiam em restaurantes de luxo, enquanto o
dinheiro da propina chega fácil,
em malas recheadas de milhares de reais, levadas por portadores de confiança.
Quanto aos pobres, que se danem! A menina que tem apenas
livros é apenas mais uma dos milhões de brasileiros que ainda vivem de
esperanças.
Como ainda há espaço, vou aproveitá-lo para citar o
nome de um cidadão comum, nascido em Irajá, subúrbio carioca, onde viveu 18
anos, até que foi viver na Bahia,
com a mãe e três irmãos. Depois
foi para São Paulo, fez vestibular para estudar Direito, dois anos depois
economizou algum dinheiro, foi para Londres tentar um curso de Direito
Internacional. Dividia-se entre as aulas e o trabalho em telemarketing e a
venda de tecidos africanos em territórios de candomblé, dedicou-se à Assistência
Humanitária, ao combate à intolerância religiosa, passou a dar palestras em
universidades, Entrou para a ONU em 2005, antes esteve em ONGs Médicos do
Mundo, francesa e Merlin, inglesa, trabalhou no Congo, Timor Leste, Peru,
Iraque, Libéria, Costa do Marfim, Sudão, Sri Lanka, Colômbia, Bangladesh e
Mali. Levou atendimento básico a pessoas em zonas de guerra, ajudou a vítimas
de terremotos e de erupção vulcânica, aconselhou governos na gestão de riscos
de desastre como enchentes ou secas, participou da reconstrução de hospitais e
sistemas de saúde, coordenou a assistência a campos de refugiados, voltados
para saúde, educação e infraestrutura de transporte, segurança, em lugares
aonde ninguém ia ou jamais ouvira falar. Já enfrentou fogo cruzado em regiões
em guerra, levando caminhões com mantimentos e uma clínica móvel com médicos e
enfermeiros. Em áreas controladas pelos rebeldes, eles cobram para permitir o acesso aos territórios que controlam. O pedágio é o
paracetamol levado para os feridos ou gasolina para os veículos de assistência
médica.
Há meia página de jornal citando as
atividades desse cidadão comum de 44 anos de idade, que é diplomata da ONU, em
julho vindouro vai para a Alemanha concluir o doutorado sobre o papel das empresas privadas na proteção aos
civis em países em guerra. O nome
desse brasileiro de Irajá, afrodescendente: GERSON BRANDÃO. Merece o Prêmio Nobel da Paz. Ou não?
(*)
Fernando Milfont (milfont90@gmail.com)
Sim, é claro. Um de nossos heróis modernos.
ResponderExcluirAs poucas vezes que doei meus livros sofri bastante. Se pudesse levaria no caixão.
Não sei explicar muitas coisas em mim mas o apego da menina aos livros, entendo. A necessidade de nossos livros é muito próxima a necessidade de respirar. Sem eles, sufocamos.
Espero que a vida permita que ela conserve esse amor. A luta pela sobrevivência quase sempre é um enterrar de sonhos.