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quinta-feira, 8 de junho de 2017

3036 - FM Meritocracia para todos



O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5296 FM                           Data: 08 de junho de 2017

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIV


A MENINA DOS LIVROS (*)
Vou escrever esta crônica enquanto ainda estou sob o impacto do que acabo de ver em noticiário televisivo:  Uma criança de oito anos sentada sobre as pernas num pranchão, sendo levada (em segurança) pela correnteza numa rua inundada, de uma cidade qualquer, não importa qual seja, são muitas que estão sob o efeito de fortes chuvas que têm causado alguns mortos e muitos milhares de desabrigados no Nordeste. Pessoas geralmente das mais humildes categorias sociais. 
Rivânia, a Ri, foi alertada pela avó:  “Prepara o que você puder levar, as águas estão chegando, vão levar tudo.”
E a menina foi encontrada, levada para uma igreja, onde o padre a recolheu e, em sua mochila, que ela mantinha abraçada enquanto era carregada pelas águas, continha apenas livros e material escolar.
Coisa simples. Eram seus possuídos. Um dos participantes do programa acabara de comentar uma das cenas já tornadas comuns dos “malfeitos” que têm causado na cidadania comum, algo difícil de explicar, que são os crimes denunciados pela Operação Lava-Jato. O comentarista mostrou o aspecto da menina, seu olhar perdido, e logo comparou com os canalhas  denunciados, que se apropriaram de bilhões de dólares ou reais, denunciados como propina, transformada em Caixa 2,  uma justificativa canhestra para justificar a safadeza. Citou o ex-governador do Estado do Rio como o verdadeiro exemplo de falta de caráter, já condenado e ainda devendo 10 outros processos de crimes do mesmo nível, feliz por adquirir presentes para a esposa, verdadeira perua engalanada de joias feitas para seu uso exclusivo. Causou comoção, entre os demais participantes do programa, como certamente nos espectadores. Em mim, por exemplo foi um choque. Uma criança sobraçando uma mochila de livros, seu único possuído, estudante de uma escola que deve estar caindo aos pedaços, pois falta verba para consertos, onde o ensino é quase nenhum, enquanto o dinheiro público é desviado para alimentar a ânsia do luxo desabrido com que se exibiam em restaurantes de luxo, enquanto o dinheiro da propina  chega fácil, em malas recheadas de milhares de reais, levadas por portadores de confiança.
Quanto aos pobres, que se danem! A menina que tem apenas livros é apenas mais uma dos milhões de brasileiros que ainda vivem de esperanças.
Como ainda há espaço, vou aproveitá-lo para citar o nome de um cidadão comum, nascido em Irajá, subúrbio carioca, onde viveu 18 anos, até que foi viver  na Bahia, com a mãe e  três irmãos. Depois foi para São Paulo, fez vestibular para estudar Direito, dois anos depois economizou algum dinheiro, foi para Londres tentar um curso de Direito Internacional. Dividia-se entre as aulas e o trabalho em telemarketing e a venda de tecidos africanos em territórios de candomblé, dedicou-se à Assistência Humanitária, ao combate à intolerância religiosa, passou a dar palestras em universidades, Entrou para a ONU em 2005, antes esteve em ONGs Médicos do Mundo, francesa e Merlin, inglesa, trabalhou no Congo, Timor Leste, Peru, Iraque, Libéria, Costa do Marfim, Sudão, Sri Lanka, Colômbia, Bangladesh e Mali. Levou atendimento básico a pessoas em zonas de guerra, ajudou a vítimas de terremotos e de erupção vulcânica, aconselhou governos na gestão de riscos de desastre como enchentes ou secas, participou da reconstrução de hospitais e sistemas de saúde, coordenou a assistência a campos de refugiados, voltados para saúde, educação e infraestrutura de transporte, segurança, em lugares aonde ninguém ia ou jamais ouvira falar. Já enfrentou fogo cruzado em regiões em guerra, levando caminhões com mantimentos e uma clínica móvel com médicos e enfermeiros. Em áreas controladas pelos rebeldes,  eles cobram para permitir o acesso aos territórios  que controlam. O pedágio é o paracetamol levado para os feridos ou gasolina para os veículos de assistência médica.
Há meia página de jornal citando as atividades desse cidadão comum de 44 anos de idade, que é diplomata da ONU, em julho vindouro vai para a Alemanha concluir o doutorado sobre o papel das empresas privadas na proteção aos civis em  países em guerra. O nome desse brasileiro de Irajá, afrodescendente: GERSON BRANDÃO. Merece o Prêmio Nobel da Paz. Ou não?
(*) Fernando Milfont       (milfont90@gmail.com)  


Um comentário:

  1. Sim, é claro. Um de nossos heróis modernos.
    As poucas vezes que doei meus livros sofri bastante. Se pudesse levaria no caixão.
    Não sei explicar muitas coisas em mim mas o apego da menina aos livros, entendo. A necessidade de nossos livros é muito próxima a necessidade de respirar. Sem eles, sufocamos.
    Espero que a vida permita que ela conserve esse amor. A luta pela sobrevivência quase sempre é um enterrar de sonhos.

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