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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

2784 - Enorme Dicionário Biográfico


 

 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5034                               Data: 26 de  janeiro de 2014

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

PARTE IV

 

BONDE – Havia os lotações, os ônibus, os trens, mas nenhum transporte coletivo era mais encantador, para mim, do que o bonde.

Com 15 anos de idade, comecei um tratamento dentário no consultório do meu tio, na Rua do Ouvidor, num prédio colado às Lojas Americanas e me deslocava do Cachambi até lá de bonde. Eu poderia pegar o Castelo Inhaúma, o Praça Seca-Tiradentes, o Castelo-Cachambi, dando uma boa caminhada, o que sempre gostei de fazer, e ir para lá, mas não, eu preferia o bonde mesmo com a baldeação. Descia a Rua São Gabriel, pegava o bonde 85, Cachambi, saltava no Méier, próximo à Arquias Cordeiro, atravessava a passarela para o outro lado e subia o estribo do 77, bonde Piedade.

Para me distrair na viagem, um pouco demorada, lia “A Tribuna da Imprensa” - eu era lacerdista na época. No consultório, aguardando o atendimento, a minha leitura passava a ser “O Cruzeiro”, principalmente as páginas humorísticas, embora não deixasse de ler mais um capítulo da novela policial protagonizada pelo Leopoldo Heitor, o advogado do diabo.

Como eu estudava no Visconde de Cairu, localizado no Méier, eu só trocava o bonde pela “viação canela”. Cortava caminho pela Rua Basílio de Brito, atravessava a Cachambi, subia a Coração de Maria (uns dois quilômetros), e alcançava o bairro do meu colégio. Já escrevi, em alguma página perdida, que transformava o dinheiro das passagens em maços de cigarro Continental. Mas o costumeiro mesmo era a minha ida até o Cairu de bonde.

Para nós, que estudávamos lá, era questão de honra saltar do bonde andando quando ele entrava na Rua Carolina Méier, porque o caminho a pé para o colégio ficava mais curto.

Como a minha mãe, para a minha vergonha, me levou ao Cairu até agosto de 1961 – esse mês e ano se imprimiram na minha memória porque soube por ela da renúncia do Jânio Quadros – cheguei atrasado na aprendizagem de saltar do bonde andando.

Eu examinava o estilo de cada um pular fora do elétrico – como o chamam os portugueses – mas não ousava tentar, temia esborrachar-me no chão.

Em um domingo, fui com meus familiares à Cidade dos Meninos, em Caxias e entrei num brinquedo giratório. Uma descoberta. Sair dele, em movimento, era como saltar do bonde andando; assim, passei a usar esse brinquedo como um simulacro do elétrico dos portugueses. Depois de muito treinar, considerei-me apto, na ida ao colégio, no dia seguinte, de superar o meu medo.

O bonde parou perto do Hospital Salgado Filho e saí do banco para o estribo estreitando no corpo, com um dos braços, a pasta do material escolar sob umas axilas. Ele se aproximava, agora, da curva da Carolina Méier e me preparei. Era só abaixar a perna esquerda, deixando que a sola do sapato raspasse o chão, para largar a barra do bonde e dar uma corridinha para conciliar o movimento do bonde com o chão estático. Fiz tudo certo, na teoria, mas caí no asfalto. Um moço se aprestou em me socorrer; eu, prontamente, me pus de pé e apanhei a minha pasta que, felizmente, não se abrira. Lembro-me que ele me disse que eu dera sorte, pois o vidro do meu relógio não se quebrara com a queda.

Na segunda tentativa, fui bem sucedido.

Quando o governador Carlos Lacerda acabou com os bondes, em 1964, deixei de ser lacerdista.

 

BOXE – Mais um gosto – paixão é uma palavra muito forte – que herdei do meu pai: o boxe. Ele ligou o rádio para acompanhar a luta-exibição entre Archie Moore e Luisão, no Maracanãzinho, lá pelo fim dos anos 50, e eu me juntei a ele.

O narrador, cujo nome não sei, torcia alucinadamente pelo boxeador brasileiro como se fosse a decisão mundial do título dos pesados. Encerrada a luta com um empate – disso eu me recordo claramente – ele ululava de alegria, dizendo que o público invadia o ringue para abraçar, beijar e carregar em triunfo o brasileiro.

Antes que eu, garoto, me contagiasse com aquele clima de patriotismo, meu pai me informou que Archie Moore não nocauteara o Luisão porque se tratava de uma luta-exibição, o que todos pareciam ter esquecido. O próprio Luisão se esqueceu – eu soube dias atrás lendo sobre esse combate na internet.  Empolgado pela gritaria da torcida, Luisão passou a desferir golpes para derrubar o seu oponente. Archie Moore o chamou, definitivamente, à realidade com um direto que o fez dobrar os joelhos, em seguida, procurou o “clinch”, para que ele não fosse à lona. Naquele momento, só os conhecedores do boxe perceberam o que se passava no ringue.

Enquanto o narrador vibrava com o empate, meu pai me dizia que Archie Moore estava entre os maiores do boxe, juntamente com Rocky Marciano, Joe Louis, Sugar Ray Robinson e mais uns poucos.

Ressurgiu a minha atração pelo pugilismo, quando a televisão entrou no meu mundo, e eu assistia ao “TV Rio Ringue”, apresentado pelo Luiz Mendes e o Léo Batista. Lá, vi o Luisão enfrentando o Hiram Lima, pelo título brasileiro, e sendo derrotado. Luisão terminou como muitos pugilistas, sonado de tantas pancadas na cabeça, e lutando contra adversários imaginários para os pobres coitados, como ele, rirem.

O surgimento do Éder Jofre, no início dos anos 60, me tornou ainda mais aficionado pelas lutas, até eu receber uma ducha de água gelada, quando, ao ligar o rádio de manhã, soube que ele fora derrotado no Japão por um tal de Harada. Porém, as façanhas do Cassius Clay, com a plasticidade dos seus movimentos no ringue, não deixaram a minha atração pela chamada “nobre arte” esmorecer. Depois dele, o boxe perdeu a graça para mim.

 

 

   

 

 

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