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sexta-feira, 19 de julho de 2013

2424 - Chatô 2, o ministro



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4224                                   Data:  07 de  julho de 2013
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90ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

-Chateaubriand, certamente que, em termos literários, o seu tempo de exílio na Inglaterra foi frutífero.
-Sim; conheci o “Paraíso Perdido”, de Milton e fiquei deslumbrado. Para que a musicalidade dos versos não se perdesse, fiz a tradução em prosa para o francês. Lost Paradise exerceu uma profunda influência na minha criação literária.
-Fora do caldeirão político em que fervia a França, você pôde refletir sobre a Revolução Francesa sob outra perspectiva, menos apaixonadamente.
-Tentei refletir, pois perdi parentes e grandes amigos nessa carnificina. Escrevi, então, em 1797, “Ensaio sobre as Revoluções”.
-No ano seguinte, você se converteu ao catolicismo?
-Foi, na verdade, o meu retorno à fé católica, que cultivei na minha infância e juventude. Lembre-se que cogitei em ser padre nos meus 17 anos de idade.
-Bem, o Terror era uma página virada na França, veio o Consulado e, em 1800, foi concedida anistia aos emigrantes.
-Voltei e editei o Mercure de France. Dois anos depois, 1802, lancei o Génie du Christianisme que alcançou uma repercussão surpreendente para mim.
-Seu livro contribuiu para o renascimento religioso na França pós-revolucionária.
-Nosso país se tornara bárbaro quando se afastou dramaticamente da religião. - comentou.
-Napoleão Bonaparte, que ambicionava conquistar a Igreja Católica, percebeu a sua importância.
-Nomeou-me secretário da legação à Santa Fé. Depois, nomeou-me ministro em Valais, na Suíça.
-Mas não durou muito a sua ligação com o imperador?
-Não durou porque, em 1804, ele ordenou a prisão e o fuzilamento do Duque d' Enghien, Antoine-Henri de Bourbon.
-Como disse Talleyrand sobre essa execução: “Mais do que um crime, foi um erro. - lembrei.
-Um crime.
-E você teve de voltar a viver dos minguados vencimentos de escritor?
-Por pouco tempo, porque, para a minha perplexidade, a czarina da Rússia doou-me uma substanciosa soma em dinheiro.
-A Czarina era uma mulher requintada, intelectualmente, foi aluna de música de Haydn, em Viena. - intervim.
-Com esse dinheiro, que me caiu do céu, viajei; fui a Grécia, ao Egito, a Palestina, a Espanha. Garatujei num caderno muitas notas e, mais tarde, escrevi “Os Mártires” e Itinerário de Paris a Jerusalém”. E foi publicada, vinte anos depois, a novela “As Aventuras da Última Abencerrage”, minhas impressões da Espanha.
E prosseguiu:
-Pisando o solo de Paris, de novo, desanquei Napoleão Bonaparte e me retirei para uma modesta propriedade, que chamei de “O Vale do Lobo” em Châtenay-Malabry. Lá, em 1809, concluí “Os Mártires” e dei início “As Minhas Memórias”.
-Os seus pares não negaram o seu valor, Chateaubriand, apesar das paixões políticas, e você foi eleito para a Academia Francesa.
-Sim, em 1811, quando a minha narrativa de viagem foi publicada, “Itinerário de Paris a Jerusalém”, mas eu, que fora julgado sedicioso pelo imperador,  não pude pronunciar meu discurso de recepção.
-Com a queda de Napoleão, em 1814, você pôde retornar a Paris?
-Sim, ela ocorreu em 6 de abril de 1814 com a renúncia do Imperador e seu exílio na Ilha de Elba.
-E um mês antes da queda do primeiro império francês, você escreveu o panfleto De Buonaparte et des Bourbons, que obteve extraordinária  repercussão, pois a França estava cansada de guerras, principalmente depois da derrocada na Rússia.
-Sim, foram vendidos alguns milhares desse panfleto.
-Mais do que isso, você contribuiu para a ascensão ao poder dos Bourbons.
-Não nego a minha contribuição para o retorno dos Bourbon com o Rei Luís XVIII, irmão do guilhotinado Rei Luís XVI.
-Talleyrand resumiu o período da Restauração dos Bourbon em uma só frase: “Ele não aprenderam nada, nem esqueceram nada.”- reportei-me ao lúcido diplomata.
-Talleyrand se referia a esses representantes do Antigo Regime que agiam, agora, da mesma maneira que se fazia na época do reinado de Luís XVI e Maria Antonieta sem atentar para as transformações por que a França passou. Mesmo temendo o retrocesso, servi ao Rei Luís XVIII, como Talleyrand, ministro de Napoleão, também serviu.
-Mas Napoleão fugiu da Ilha de Elba, em 1815, o exército desensarilhou as armas por ele, que reassumiu o poder na França.
E antes de Chateaubriand se manifestar, repeti a frase de Talleyrand, dita há pouco, para acentuar que, assim, foi possível a ressurreição, ainda que por cem dias, do imperador Bonaparte.
-Durante esses cem dias, segui para o exílio em Ghent com os Bourbons.
-Napoleão amargou a sua derrota definitiva, em Waterloo, Luís XVIII voltou a governar e o militar mais fiel de Napoleão, o Marechal Ney, “O bravo dos bravos”, foi  fuzilado em dezembro desse ano emblemático.
-Sim, ele era um bravo, recusou a venda nos olhos, porém, na Batalha de Waterloo, ele liderou uma carga em massa da cavalaria às forças do Duque de Wellington sem o apoio da infantaria. - comentou.
-Luís XVIII o nomeou ministro de estado. Os historiadores escreveram que ele nutria pouca simpatia por você e, por isso, o seu objetivo era afastá-lo do centro dos acontecimentos em Paris.
-Ele me nomeou embaixador na Suécia.
-Em 1820, você era embaixador em Berlim, mas continuou atuante na fervilhante política do seu país como um dos escritores do Le Conservateur.
-Aliei-me aos ultra-monarquistas aliados do futuro Rei Carlos X, mormente depois do assassinato do Duque de Berry.
-Você ainda teve cargos importantes com Luís XVIII, e quando seu irmão, Carlos X, assumiu, em 1824, foi nomeado embaixador em Roma.
-Isso só aconteceu em 1828, mas me demiti no ano seguinte por divergir da sua política.
-Pouco depois, Chateaubriand, precisamente em 1830, foi deflagrada a Revolução de Julho e a Casa de Orléans, com Luís Filipe, o Rei Cidadão, passou a governar.
-Eu permanecia fiel ao legitimismo, por isso, não aceitei o Rei Luís Filipe, e me retirei da vida política para me dedicar apenas à literatura.
-E elaborou a sua obra-prima, “Memórias do Além-Túmulo”.
-Não vi, infelizmente, a sua publicação.
-Ela se deu logo que você morreu, em 1848.
-Falando na minha morte, é hora de eu ir.
E se desfez no ar, enquanto eu me recordava de novo da frase de Victor Hugo: “Ser Chateaubriand ou nada.”






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