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segunda-feira, 1 de julho de 2013

2409 - Cassandra apitou e arrebatou


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4209                            Data:  15  de Junho  de 2013
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CARTAS DOS LEITORES

-Sou um ouvinte contumaz do instigante Rádio Memória, da Roquette Pinto, mas tenho notado que o inefável Dieckmann exagera nos adjetivos para expressar a sua infinita admiração por uma cantora, orquestra, compositor, coral, gravação, enfim, dizendo na maioria das vezes que são “arrebatadores”. Ele não poderia ser mais substantivo nos seus comentários radiofônicos? Tomás
BM: Como o nosso amigo, de participante bissexto do programa Rádio Memória, mais cedo ou mais tarde, irá formar um quarteto mágico (coisa do Felipão) com Jonas Vieira, Sérgio Fortes e José Maurício, aqui vão algumas palavras para ele expressar a sua admiração depois de as gravações serem tocadas, ou mesmo, antes:
Vibrátil, ardente, arrebatante, impressionante, eletrizante, cintilante, chispante, empolgante, elevada, grandiosa, sublime, majestosa, opulenta, apaixonada, eloquente, intensa, penetrante, férvida, fremente, flamifervente, flamante, fascinante, avassaladora, indestrutível, eterna, comovente, palpitante, comovedora.
Já imaginaram o Dieckmann dizendo, por exemplo, que a interpretação da Clementina de Jesus do “Incompatibilidade  de Gênio”, do Aldir Blanc e João Bosco,  foi flamifervente?

-Soube, pelos jornais, que a presidente Dilma foi a Portugal, mas retornou falando ainda o “dilmês”, dialeto em que o feminino de presidente é “presidenta” e em que, muitas vezes, as palavras se juntam numa frase que fica sem sentido. Todavia, ela veio citando uma personagem de Camões, o poeta mais festejado pelos lusitanos; trata-se do “Velho do Restelo”. Não contente em não ajudar os nossos velhinhos aposentados, ela usa o de Camões para defender a sua calamitosa política econômico-financeira que afunda ainda mais o Brasil. Ademir
BM: Foram vários os colunistas que comentaram essa incursão da nossa presidente pelos Lusíadas e procuraram fazer uma tradução plausível do “dilmês” para o português do seu discurso. Merval Pereira, o mais esforçado desses colunistas, para tanto, recorreu ao historiador e escritor Alberto da Costa e Silva, à Cleonice Berardinelli, a nossa maior especialista em literatura portuguesa, ao professor e filósofo Eduardo Lourenço e ao pensador Antonio Sérgio.
Reproduz ele o que Alberto da Costa e Silva registrou, que o Velho do Restelo disse várias coisas que realmente aconteceram em Portugal: o esvaziamento demográfico do país por causa da ida das pessoas para o Oriente em busca de riqueza fácil, o sacrifício de gerações que acabaram enriquecendo os holandeses e os ingleses, a decadência da agricultura e das manufaturas lusas. E finaliza Merval Pereira:
“Como se vê, a oposição pode bem representar uma visão crítica do modelo instalado pelo governo Dilma no país, sem ser pessimista e muito menos antipatriótica, como tanto Dilma quanto Lula gostam de dizer, confundindo críticas ao governo com críticas ao país.”
O que a redação do Biscoito Molhado estranhou foi o fato de ninguém lembrar que o Velho do Restelo foi fartamente citado pelo deputado Ulysses Guimarães, no Congresso Nacional, quando investiu contra aqueles que criticaram a Constituição de 1988. Eis que o cronista Jorge Bastos Moreno, que já escrevera uma pequena biografia dele, em capítulos, no Globo, refrescou a memória do nosso mundo político. De lambuja, cita, ipsis litteris, um trecho do Ulysses Guimarães em que fala de Cassandra, porém como agoureira, como ficou popularmente conhecida.
A bem da verdade, Cassandra, que sofreu uma maldição do deus Apolo, porque não correspondeu aos seu assédio sexual, acertou em todas as  suas previsões.


-Fui uma das 200 mil pessoas que estiveram no Maracanã que não viram essa bofetada do Obdúlio Varella no Bigode, que só o Mário Filho viu, comentada na Folha de São Paulo pelo Ruy Castro. - Moacyr
BM: Meu caro Moacyr, li recentemente a crônica do Mário Filho sobre o Fla x Flu da Lagoa, decisão do campeonato carioca de 1941, e considerei uma página admirável, pois nela se via o historiador com o pulso de literato. Todavia, ao escrever sobre a final da Copa de 1950, o irmão do Nélson Rodrigues, com essa bofetada que “ardeu no rosto da multidão”, deixou que o ficcionista sufocasse o historiador, incorrendo em leviandade. Nélson Rodrigues nunca incorreu em erro parecido, ainda mais que a sua pretensão, nas crônicas de futebol, era só literária.
Discordo, porém, da especulação feita, não pelo Ruy Castro, mas por outro cronista, que os torcedores invadiriam o campo e linchariam os uruguaios, caso esse tapa na cara ocorresse. Assisti, há um ou dois anos, um documentário sobre essa decisão. Alguns jogadores uruguaios contaram que, já campeões do mundo, saíram na noite desse domingo pelas ruas do Rio de Janeiro, para espairecer e não foram perturbados. Naquela época, os delinquentes não vestiam a camisa de um clube e se agrupavam nos dias de jogo.
Evaristo, que nos anos 50 e 60 conseguiu a façanha de ser ídolo do Real Madri e do Barcelona, além de ter sido festejado pelos flamenguistas, tornou-se, depois, técnico de futebol, e disse, dia desses, com toda experiência que acumulou: “Antes, os torcedores ficavam tristes, cabisbaixos quando seus times perdiam, hoje, ficam furiosos, agressivos.”
Concluímos que, caso uma seleção vença o Brasil na Copa do Mundo de 2014 e seus jogadores saiam à noite, acabarão pendurados em ganchos de açougue como bois esquartejados, no mínimo...
A Copa do Mundo no Brasil, em 1950, basta ler os historiadores sem laivos literários, foi perdida na véspera, quando os famigerados cartolas mexeram na programação dos atletas, trocando o local da concentração, acrescida da missa de quase duas horas a que os jogadores tiveram de assistir, de pé, horas antes da partida e outros fatores extra-campo. Culpar jogadores, como fizeram com Barbosa e Bigode, pior do que um crime foi um erro – como teria dito Talleyrand.
Recordo-me que, logo depois do fracasso da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1966, o presidente da CBD, João Havelange, afirmou na televisão que, em 1958 e 1962, o Brasil teve excelente jogadores, mas que, em 1966, tínhamos apenas bons jogadores.  Ocultou o fato de quatro seleções terem sido convocadas para essa Copa, por pura politicagem sua e de demais cartolas, e o Brasil ter saído dessa derrocada sem que ninguém soubesse qual foi, de fato, o time titular.
Quatro anos depois, com quase os mesmos jogadores 1966, o escrete brasileiro alcançou o seu terceiro título, no México, de maneira inesquecível.
E, assim, chegamos ao apito final desta edição.


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