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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

2225 - mulher que faz almoço quer casar

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4025                                       Data: 09 de setembro de 2012
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OS  TÁXIS  NA VÉSPERA DO FERIADÃO

Entrei no táxi 017 do Dedão do Arqueiro Inglês. Como ele sempre está disponível para uma conversa, não perdi tempo.
-O centro da cidade hoje, uma hora e meia atrás, estava tumultuada; sirene de bombeiros, barulho de helicóptero...
-Havia uma manifestação por lá. - interrompeu-me.
-Um colega de trabalho, na falta de um rádio, procurou saber o que havia pela internet.
-Mas a internet fornece notícias com essa rapidez? - mostrou-se cético.
-Ele disse que um prédio de 21 andares da Visconde de Inhaúma havia sido interditado, por volta do meio-dia e meia, porque foram ouvidos barulhos ameaçadores de rachaduras.
-Rapaz, andam batendo muito no chão naquela redondeza. - enfatizou.
-As rachaduras não tinham sido ainda encontradas.
-Se há fumaça, o fogo aparece. - disse ele.
Sem tomar fôlego, fez-me uma pergunta retórica:
-Sabe o prédio da Petrobras que construíram pelos lados da Cruz Vermelha?
E prosseguiu:
-Levantaram aquilo em tempo recorde . Uma construção portentosa de aço e vidro que rachou as vidraças dos edifícios próximos e não sei até que ponto mexeu com a estrutura deles.
Deixou-me no meu destino e, duas horas depois, mais ou menos, eu soube pelo noticiário do rádio que o tumulto fora provocado, na realidade, por funcionários públicos em greve que pretendiam acuar a Presidente da República, que tinha ido premiar os alunos da Olimpíada de Matemática, no Teatro Municipal.
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Peguei, no dia subsequente, o táxi 124, que vejo antes das 6 horas da manhã, na Rua Van Gogh, quando me dirijo a pé ao metrô de Del Castilho e nunca viajo nele na volta do trabalho.
-Rua Modigliani. - avisei.
Seria uma corrida silenciosa, se ele não reclamasse do despertador, que o acordou intempestivamente.
-Não faz três dias que o meu despertador tocou. Levantei-me da cama atônito, cansado, sentido que não dormira nada. Fui conferir a hora: duas e meia da manhã. Com a cabeça de volta ao travesseiro, compreendi tudo: a faxineira, que estivera lá em casa, resolveu limpar o meu despertador. E mais: arrancou, com a vassoura, uma pecinha do meu telefone, que ficou mudo por um tempo. - desabafei.
-Eu mesmo faço a faxina da minha casa. Pego esfregão, balde d' água, sabão, e vou em frente. Arranco teias de aranha dos cantos mais escondidos, arrastando cama e guarda-roupas.
Examinei-o discretamente, vi que era forte e não tinha mais de quarenta anos de idade, e lhe fiz esta pergunta:
-Não recorre a ninguém para realizar esse serviço?
-Nem para cozinhar. Eu mesmo preparo a minha comida.
E arrematou, já na Rua Modigliani.
-Se uma mulher faz esse trabalho por você, quer casar.
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No dia que se seguiu fui para casa no táxi do Botafoguense.
-O Botafogo joga, mais sofrimento... - mostrou-se apreensivo.
-Se começo a ficar irritado, assistindo a um jogo do Botafogo, mudo imediatamente de canal. Há sempre alguma coisa para se ver; por exemplo, aos domingos, no mesmo horário do Campeonato Brasileiro, a ESPN transmite o Campeonato Espanhol.
-Ao vivo?
-Apesar das cinco horas de diferença entre os dois países, sim, pois os jogos na Espanha começam bem tarde. Os locutores comentavam que um jogador já marcou um gol num dia e outro no dia seguinte.
-Mesmo sofrendo, eu vejo o Fogão. - insistiu no seu amor ao clube.
-E as opções não são apenas o futebol, há o US Open, as paraolimpíadas.
-Pois é; as paraolimpíadas, que agora chamam por outro nome. Eu vi o corredor brasileiro, que deu uma atropelada de cavalo puro-sangue e derrotou o adversário  que participou  das Olimpíadas.
E emendou uma pergunta:
-Você viu como ele ficou despeitado, não aceitando o cumprimento do brasileiro?
-A fama que o Oscar Pistorius alcançou, por ter disputado competições com atletas sem deficiência física, numa olimpíada, subiu-lhe à cabeça. Colocou em dúvida a prótese utilizada pelo Alan Fonteles.
-Isso! Alan Fonteles é o nome do brasileiro. - interferiu o Botafoguense.
-O comitê internacional limita a altura dos atletas biamputados com prótese. Eles têm um método para fazer esse cálculo e o brasileiro se enquadrou. O Oscar Pistorius se desculpou, depois.
Deixou-me o Botafoguense na Rua Modigliani expressando o seu otimismo com a melhora do Seedorf e o lançamento dos garotos no time de cima do Botafogo.
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6 de setembro. No cimo das rampas, avisto apenas um táxi.  Torço febrilmente para que ele saia do ponto comigo. Pela Lei de Murphy, minha chance é zero. Penso em Pangloss, o filósofo Leibniz, caricaturado por Voltaire, que dizia que vivemos no melhor dos mundos. Pela Lei de Pangloss, minha chance é de 100%. É verdade que não existia táxi na época de Voltaire, Leibniz e, muito menos, Pangloss.
O táxi permanece no mesmo lugar, e só falta uma rampa.
-Não saia daí... Não saia daí... Não saia daí... - repito esta frase como um mantra.
Consigo agora vislumbrar o número do táxi: 140. Não há um só passageiro do metrô, além de mim, que se encaminhe para o ponto dos taxistas. O meu adversário só  poderia surgir de um chamado pelo rádio da cooperativa. Ufa! Não chamaram. Entro no táxi.
-Só há o senhor aqui? – indaguei.
-Muitos foram levar passageiros para  Rodoviária e estão presos no engarrafamento.
-É véspera de feriadão.
-Eu já tive de ir lá, na Rodoviária, mais cedo e fiquei preso, por um bom tempo, no trânsito. Ainda bem que apareceu o senhor.
-A recíproca é verdadeira. - afirmei com toda sinceridade.
E perguntei em seguida:
-É melhor, neste dia, rodar por aqui?
-Nem fala! As pessoas que querem ir para longe sabem que há táxis aqui, na Domingo de Magalhães e vêm nos pegar. Passageiros fiéis, como o senhor, ficam prejudicados com isso.
Reportei-me ao Paizão.
-Há um senhor que começa a rodar por volta das quatro e meia da tarde e larga pela meia-noite. Algumas  vezes, eu sou o seu primeiro passageiro  do dia.
-É o Demerval. - identificou-o.
-De dias como hoje, o Demerval foge. - prosseguiu.
-Ele, com 78 anos, está muito bem.
-Está ótimo. - concordou.
-Quem também trabalhava de noite era o Gaguinho, não o Claudio, mas o Messias.
-Messias morreu; tinha coração de boi e não se cuidava.
-Na Rua Modigliani, antes de saltar do táxi, agradeci pela corrida, e ele agradeceu também.

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