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terça-feira, 4 de setembro de 2012

2214 - manobras, prerrogativas e boicotes

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4014                                     Data: 26 de agosto de 2012
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SENTANDO NO TÁXI

Quando entrei no táxi do Paizão, ele olhou o relógio.
-Quatro e meia da tarde; minha primeira corrida do dia.
-Eu chego ao trabalho uma hora antes para antecipar a minha saída “a las cinco de la tarde”, assim, evito o metrô ainda mais lotado, como já lhe disse algumas vezes.
Paizão, que gosta de falar, se animou.
-Uma passageira pega o ônibus da integração, na zona sul, salta na estação General Osório e vem de lá até Maria da Graça, de pé, no metrô, em seguida, entra no meu carro e diz com alívio: “Enfim, vou sentar.”
-Sentar é coisa séria. - assinalei com a voz solene.
-É sempre bom descansar o esqueleto num banco confortável. - manifestou-se sem perceber que eu pretendia enveredar o tema para a história.
-O aparentemente simples ato de sentar-se teve uma importância incrível na luta pela integração racial nos Estados Unidos.
Sem esperar por uma pergunta do Paizão, que talvez não viesse, prossegui:
- Rosa Parks, uma negra de Montgomery, no Alabama, cansada de um dia de trabalho, recusou-se a dar lugar a um branco num ônibus, em 1955. O motorista parou o veículo e ela foi presa. Liderados por Martin Luther King, os negros boicotaram os ônibus dessa linha e de outras, que sofreram um grande prejuízo financeiro. O caso do boicote aos ônibus de Montgomery chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos.
-O que nós, brasileiros, temos com isso? – interrompeu-me o Paizão.
-Ora, a integração racial diz respeito a todos. Essa revolta levou, poucos anos depois, ao presidente John Kennedy a enviar leis ao legislativo que ampliariam os direitos sociais e a integração racial.
-Por que é homenageado aqui?... – aparteou-me de novo.
-O presidente Kennedy?...
-A Avenida Martin Luther King?...
-Martin Luther King comandou os negros de uma maneira pacífica, como Gandhi liderou os indianos pela independência do Reino Unido. Nada mais justo que recebesse homenagens também aqui, no Brasil. Já Malcolm X, que foi um líder rancoroso dos negros americanos, não tem a mesma aceitação pelos cidadãos do mundo civilizado.
Enquanto eu falava, vislumbrei no rosto do Paizão que ele ainda não estava convencido com as nossas homenagens às personalidades estrangeiras.
-Veja o Nélson Mandela; ficou décadas preso e, quando foi solto, almoçou com o seu carcereiro. Como primeiro mandatário da África do Sul, não deixou que o ressentimento dos negros aflorasse.
O rosto do Paizão, no entanto, continuava crispado. Deixou-me na Rua Modigliani, mas sem se queixar da homenagem feita ao pintor italiano em Del Castilho.
No dia subsequente, não divisei táxi algum da rampa da estação de Del Castilho; para piorar, uma moça se encontrava sentada no banco de espera com um celular no ouvido.
-Terei de esperar e já como uma pessoa à minha frente.- previ com mau humor.
Mais perto do ponto, tive uma alegre surpresa: dois táxis aguardavam passageiros e o primeiro era o 009.
Abri a porta do carro do Cláudio, conhecido por Gaguinho e, antes de entrar, atentei para a moça do celular.
-Imaginei que não houvesse táxi e que aquela moça do banco aguardasse  por um.
-Talvez ela esteja com tempo, pois não me é desconhecida. - manifestou-se.
Ao lembra-me que, da última vez, Gaguinho se achava apressado para levar o filho da Rua Luiza Vale a Madureira, onde ele jogaria handebol, mudei de assunto.
-E o seu filho com o handebol?
-Rapaz, surgiu a possibilidade de ele jogar handebol pela Castelo Branco, no 2º grau e receber uma bolsa de estudo de 100%. - levado pela emoção, Cláudio gaguejou mais do que o costume.
-Os colégios passaram a investir também nos esportes?- perguntei.
-Não há problema de meu filho prosseguir no Fluminense, mas, na escola, só poderá jogar handebol pela Castelo Branco.
-E ele poderá, em seguida, partir para a faculdade. Dizem que o curso de Educação Física da Castelo Branco é bom.
Ainda gaguejando muito, interveio:
-Não existe só Educação Física na Castelo Branco, há outras matérias.
-Sim – concordei – há outras disciplinas.
-Se ele conseguir essa bolsa de estudo, será ótimo para mim; terei ima folga no meu orçamento.
-Vamos torcer. - disse, enquanto saltava do táxi na minha rua.
No dia  seguinte, fui conduzido pelo 045, o táxi do Gordinho. Mal as rodas do seu veículo começaram a girar, fomos retidos por um caminhão-baú com o pisca alerta acionado, que obrigava dois carros à nossa frente não ultrapassarem os 15 km/h.
-O motorista procura, certamente, o número de alguma casa. - supôs o Gordinho.
Parece o Trenzinho do Senna. - comparei.
-O Aírton Senna?
Como ele demonstrava curiosidade, desenvolvi o tema.
-No circuito travado da Hungria, o Aírton Senna dirigia um Fórmula 1 sem muita potência, e, no entanto, não deixava os adversários com   carros bem mais potentes o ultrapassarem. Nélson Piquet, que já se tornara seu desafeto, cunhou, então, esse termo: “Trenzinho do Senna”. Nesse autódromo da Hungria, em 1986, o Nélson Piquet realizou uma ultrapassagem sobre o Aírton Senna numa manobra que o Jackie Stewart comparou com  um looping feito num Boeing 737. (*)
-Grande piloto foi o Nélson Piquet! - exclamou o Gordinho, enquanto conseguia deixar o caminhão-baú para trás.
-Na comemoração dos dez anos do terceiro título do Nélson Piquet, só a ESPN realizou um programa apologético, a TV Globo não lhe dedicou uma imagem. Ele não vivia de bajulações mútuas com o Galvão Bueno.
O Gordinho me interrompeu porque o assunto lhe interessava.
-A imprensa, da mesma maneira que coloca lá em cima, coloca lá em baixo. Lembra-se do Zico quando voltou da Itália enrolado com o leão de lá?
-O imposto de renda que ele não pagou enquanto jogava pelo Udinese. - respondi.
-Isso. Ele andou arredio com os repórteres quando eles tocavam nesse assunto. Esqueceu-se o Zico que começou no futebol magricela que, embora craque, precisou da imprensa para ser projetado na carreira. Quando foi lembrado disso, mudou o comportamento com os repórteres,
 -A facção de torcedores, que o João Saldanha denominou de FLA-IMPRENSA tinha, de fato, um crédito muito grande com o Zico. - comentei antes de ficar em silêncio até a nossa chegada na Rua Modigliani.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO sofre de memória seletiva. Viu, entretanto, a manobra do Piquet ao vivo e jamais a esquecerá.

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