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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

2963 - Vianna com dois enes


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5213                                 Data:  18  de outubro  de 2015

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RÁDIO MEMÓRIA NO DIA DO ROQUETTE PINTO

 

Jonas Vieira atendeu o telefone quando ainda estava embevecido pelos prodígios  canoros do Orlando Silva na canção em que ele recita e canta “Enquanto Houver Saudade”. Era o Sérgio Fortes.

-E, então, Sérgio Fortes?

-Essa frase final!... Eu diria que isso é coisa de Tagliavini, Pavarotti...

-Caruso. - acrescentou o Jonas Vieira.

-Isso é pra quem estudou canto à, craseado, exaustão.

-Orlando Silva era um predestinado.

Posto de lado por alguns segundos o cantor, a atenção se voltou para o calendário, que Sérgio Fortes leria como uma ilha cercada de caixas do Gato Preto por todos os lados, pois a sua mudança de residência se tornara um novelão mexicano, porque nunca chega ao fim. Era uma ninhada de Gato Preto de fazer inveja às coelhas.

-Quantos caminhões têm aí?

-Eu morro de vergonha, pois quem vê, pensa que é a mudança do Eike Batista.

Bem entendido, o Eike Batista do tempo do X de multiplicação, não o de agora em que o sinal é o de divisão.

Transmudado em Homem-Calendário, Sérgio Fortes impostou a voz.

-18 de outubro. O povo quer saber: antes de você se transformar em carioca das Laranjeiras, Jonas, torcia por quem, pois, em 1918, foi fundado o Fortaleza Esporte Clube?

-É o meu time no Ceará.

-Em 1944, aconteceu o sepultamento de uma figura muito importante: o major-general alemão Erwin Rommel, a Raposa do Deserto. Foi um gênio militar que teve um final de vida meio confuso.

-Ele queria fazer uma coisa e o Hitler não deixou; então, ele (Hitler) sofreu uma derrota fragorosa; se isso não tivesse acontecido, ganharia a batalha.

Que batalha seria essa vencida sem o aparato industrial americano por trás?... Jonas Vieira não explicitou.

Quanto à morte de Rommel, a versão mais aceita é que ele, sabendo, em 1944, que a Alemanha já havia perdido a guerra, participou da Operação Valquíria, que tinha por objetivo matar o Führer. Todos os envolvidos foram descobertos e executados com requintes de crueldade. Como Rommel era um herói nacional, foi-lhe dada a opção do suicídio com exéquias de herói nacional, o que ocorreu. Tal fato acontecia no império romano, que o nazismo procurava imitar, quando um grande nome caía em desgraça.

Os dois apresentadores, com a citação do Hitler, teceram comentários sobre os tiranos da atualidade e, pouco depois, o calendário seguiu em frente.

-Em 1968, John Lennon e Yoko Ono são presos, em Londres, por porte de drogas. Eu tenho impressão que, no caso específico do John Lennon, ele foi detido porque estava de braços dados com ela.

-A droga estava do lado dele. - alfinetou, ou melhor, arpoou o Jonas Vieira.

A palavra voltou ao Sérgio Fortes:

-A polícia, na ocasião, se mostrava meio liberal... mas alguém olhou para a Yoko Ono e disse: “Não nesse nível.” E levaram a mulher.

-São inexplicáveis certas coisas; um cara bonito, como o John Lennon, gênio, pegar um bagulho daquele.

O bagulho a que o Jonas Vieira se referia não era maconha.

-Como é que ele se agarrou àquele dragão? Eu, modestamente, recusaria.

Caramba, parecia que os dois acabaram de ouvi-la cantando, tantas foram as ripadas nas costas da japonesa.

-Nascimentos – alteou a voz o Homem-Calendário.

-Em 1517, nascia o Padre Manuel de Nóbrega, chefe da primeira missão jesuítica à América.

-Em 1836, Benjamin Constant, educador e militar brasileiro.

Foi ele o idealizador da expressão “Ordem e Progresso” da bandeira, influenciado pelo positivismo de Augusto Comte. 

-Em 1915, nasce o grande, grande, grande, Grande Otelo.

-É o centenário dele.

-Isso, Jonas, de 1915 a 2015.

-Em 1919, nasce um cidadão que eu conheço, é uma figura: Orlando Drummond. Ele é o rei da dublagem. Esses desenhos animados... Tudo é com ele. Genial.

-Em 1923... Jonas, lembra-se do Paulo Amaral, técnico e preparador físico?

-Certamente, eu o conheci pessoalmente. As histórias do Paulo Amaral são engraçadíssimas. Eram ele e o Mário Vianna.

-Não valia a pena chamar o Paulo Amaral para algo ligado ao desforço físico, Jonas.

-Sérgio, ele enfrentava uma multidão e o Mário Vianna não ficava atrás.

-Há uma história do Mário Vianna em que o seu vestiário foi cercado por torcedores, a polícia veio para protegê-lo e ele disse aos policiais: “Vão proteger os torcedores, porque eu vou sair.”

Jonas Vieira segundou o Sérgio Fortes com a história em que Mário Vianna, vestido de Papai Noel, na Urca, bateu num bêbado e foi aplaudido pela criançada. Soubemos desse caso, mas contado de outra maneira. Num posto de gasolina, nesse bairro, parou um Jipe com transviados que passaram a debochar do Mário Vianna que, vestido de Papai Noel, surrou todos eles.

Mas há uma façanha sua registrada em filme: depois de anular um gol da Itália contra a Suíça, na Copa de 1954, ele é cercado pelo time italiano e leva um soco nas costas, vira-se e põe a nocaute o agressor. Depois de expulsar alguns jogadores, volta-se para o banco da Itália e diz que o nocauteado, assim que acordasse, poderia voltar, pois não fora expulso.

Há a história da briga do Mário Vianna, trabalhando na Polícia Especial, com Madame Satã, na Lapa, que foi narrada pelos lutadores quando foram entrevistados pelo Pasquim. Esta, sim, foi a luta do século.

-Em 1925, nascia uma grande atriz e cantora grega, Melina Mercouri.

-Em 1926, o músico Chuck Berry.

-Esse foi ótimo, Sérgio.

-Nesse mesmo ano, Klaus Kinski, ator alemão.

-Esse eu não conheci.

-O que fez Fitzcarraldo. Tinha cara de doido.

-Em 1927, nascia um grande ator norte-americano. George C. Scott.

-Esse sim, eu conheço.

-Se não me engano, recusou um Oscar. Era meio doido.

Oscar pelo papel de Patton, tido por muitos entendidos como o mais brilhante general da Segunda Grande Guerra Mundial.

-Em 1933... para os meus amigos automobilistas, nascia Ludovico Scarfiotti, piloto italiano da Fórmula 1. Ele era do tempo em que a Ferrari tinha pilotos italianos.  Não aparece piloto italiano para correr pela Ferrari há uns dez anos.

-Eles correram da Ferrari. - não perdeu o Jonas Vieira a piada.

-Em 1939, nascia Lee Harvey Oswald, o homem que matou o Presidente Kennedy. Isso está cercado de muitas controvérsias.

-Essa história nós só vamos saber de verdade no apocalipse.

-Nesse mesmo ano, nascia Ted Boy Marino.

-Lutador de tele-catch, eu me lembro.

-Em 1944, o grande pianista Nélson Freire, o superpianista.

-Este sim, Sérgio.

-Em 1961, nascia o grande trompetista norte-americano Wynton Marsalis.

-Esse é genial.

-O cara é fera.

O calendário entrava, agora, na parte dos falecimentos.

-Em 1860, Casimiro de Abreu; ele era de 1837, ou seja, morreu com 23 anos.

-Morreu muito cedo. - lastimaram todos.

-Em 1931, falecia Thomas Alva Edison, o homem que inventou tudo.

-Exatamente.

-Inventou a luz elétrica.

-O telefone. - confundiu-se o Jonas Vieira. 

Por coincidência, em 18 de outubro de 1889, morreu Antonio Meuci, para muitos, principalmente os italianos, o verdadeiro inventor do telefone, e não Graham Bell.

-Ele inventou a invenção. - brincou o Jonas Vieira.

Mais do que inventor, Thomas Edison era um eficiente empresário que trabalhava com uma engenhosa equipe de inventores. Nicolai Tesla chegou, durante um tempo, a ser membro da sua equipe.

-Jonas, uma data importante para nós... em 1954 , falecia Roquette Pinto, médico, professor, antropólogo, ensaísta... o Pai da Radiodifusão  no Brasil.

-Exatamente. - escandiu o Jonas Vieira todas as sílabas da palavra.

-Figura extraordinária, da maior importância.

-Jonas, 18 de outubro é o Dia do Pintor... Eu, envolvido com obras, estou comemorando. É o Dia do Estivador e é o Dia do Médico. É, também, o dia de um santo de primeira grandeza: São Lucas.

-Esse é do primeiro time. - confirmou o Jonas Vieira.

Houve, ainda, alguns comentários, mas o calendário já havia se encerrado.

 

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

,2962 - meninos e meninas


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5212                                 Data:  17  de outubro  de 2015

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PERGUNTAS AOS LEITORES FIÉIS E BISSEXTOS - NÚMERO 2

 

AO DIECKMANN

-Dieckmann, dois anos e meio atrás, você foi ao programa Rádio Memória e deixou os ouvintes e o Jonas Vieira – o Sérgio Fortes não estava (não, não era ainda a mudança) - desconcertados quando solicitou uma gravação da Lady Gaga. Nós, particularmente, o criticamos porque a filosofia do programa é reverenciar os artistas do passado, daí o nome do mesmo. Escrevemos na ocasião, em tom de crítica, que a Lady Gaga era para ser vista, não para ser ouvida.

Ah, sim: você justificou a sua solicitação, antes de a gravação ser tocada, que queria, agradar ao jardim de infância da Petrobras – assim, você chamou as suas colegas de trabalho que nós imaginamos que se encontrem na faixa dos 30 aos 50 anos de idade.

Pouco tempo depois, ela grava um disco em dueto com Tony Bennett, considerado um ícone pelos admiradores das belas vozes, e recebe elogios da crítica especializada. Em seguida, Lady Gaga alcança um autêntico triunfo, na entrega do Oscar de 2014, quando prestou um tributo ao filme “Noviça Rebelde”, que exige muito das cordas vocais da protagonista.

Quanto a nós, depois de vermos uma fotografia da cantora, em trajes de banho, com grande parte da metade do corpo tatuada e a outra sem uma só tatuagem, reformulamos nossa frase: Lady Gaga é para ser ouvida, não para ser vista.

Eis a nossa pergunta, Dieckmann: se você retornasse ao Rádio Memória, escolheria de novo uma gravação da Lady Gaga, mesmo sabendo que esse programa só contempla os artistas dos tempos idos e vividos?

 
                           AO ZICO

-Zico, você, como jogador de futebol, é considerado, pelos torcedores, o maior craque que vestiu a camisa do Flamengo. É verdade que eles não viram Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Zizinho, mas isso é outra história. Na Itália, em Údine, especialmente, os torcedores falam saudosos do tempo em que você jogou lá.  Mais tarde, deixou a aposentadoria e aceitou uma oferta dos japoneses para jogar no campeonato nacional do Japão de 1991-1992, e o fez com êxito. Lá mesmo, no Japão, você deu início à carreira de treinador, chegou a dirigir a seleção japonesa, mas longe do brilho dos tempos em que atuava nos campos como jogador.

Como autoridade, você recebeu e aceitou um convite da CBF para ser assessor do técnico Zagallo na Copa do Mundo de 1998. O início lhe foi traumático, pois a torcida do Flamengo o considerou culpado pela não convocação do Romário e rasgou o seu retrato, um drama digno das canções de Vicente Celestino.

Quando tudo estava esquecido, o ídolo reconciliado com seus idólatras, você aceitou, por volta de 2010, ser diretor-executivo do Flamengo sob a presidência da Patrícia Amorim.  Outro desgaste para a sua imagem, pois o Conselho Fiscal do clube o acusou de usar seus dois filhos, como laranjas, para intermediarem a contratação de jogadores.

Agora, você lança a sua candidatura para disputar a presidência da FIFA, um antro de corrupção desde a época em que o João Havelange ainda era presidente da CBD.

Zico, com todo o dinheiro que você já amealhou na vida, não é melhor você pensar apenas em disputar peladas de solteiros e casados?

 

À MIA FARROW

Mia Farrow, eu gostava muito da sua mãe, Maureen O’ Sullivan, não só como Jane (o Tarzan era o nadador Johnny Weissmuller), mas, principalmente, pelos filmes “Depois do Vendaval” e “Como Era Verde Meu Vale”.

Quando eu assistia a esses filmes na sessão da tarde, pela televisão, soube que Maureen O’ Sullivan tinha uma filha que seguia os passos da mãe no cinema. Antes de vê-la na tela, soube do seu casamento com o Frank Sinatra e li um comentário que Dean Martin fez ao amigo: “Frank, eu tenho na geladeira um uísque mais velho do que a sua noiva” (ou seria vinho?... não importa). Você estava com 21 anos e o cantor com 50.  Dois anos após o casório, você se encontrava no meio da filmagem de “O Bebê de Rosemary”, quando um advogado do Frank Sinatra lhe apresentou uma documentação, para ser assinada, em que ficava estabelecido o divórcio. Você chorou copiosamente, revelaram as testemunhas e eu achei o Frank Sinatra um mau cantor, simpatizando-me com a sua situação.

Depois, simpatizei-me ainda mais com você pelas suas ações beneficentes, entre elas a de adotar várias crianças estrangeiras abandonadas pela sorte. Época essa em que ia muito ao cinema ver os seus filmes com Woody Allen, seu companheiro por doze anos, embora vocês vivessem em casas separadas.

Quando nasceu Ronan, foi uma sensação no mundo cinematográfico. Poucos podiam imaginar o que dizia o Woody Allen – “Empurrei o carrinho do meu filho num passeio pelas calçadas de Nova York” (as palavras não eram precisamente estas, mas o sentido, sim).

Então, veio o escândalo, você surpreendeu seu companheiro com fotografias da sua filha adotiva, a coreana Soom-Yi Previn, nua. Ah, sim: o sobrenome Previn é porque a adoção se deu quando você estava casada com o músico André Previn, seu segundo marido. Você salivou tanto ódio, até parecia que a modelo das fotografias eróticas se chamava Soom-Yi Previn.

Os anos se passaram, mas o seu ódio de mulher traída não se saciava e uma das suas filhas disse à imprensa, que quando ainda estava na primeira infância, foi molestada pelo ator, que usava, como pretexto para cometer crimes de pedofilia, brincadeiras com um “trenzinho”. E mais: nós, cinéfilos, não pudemos assistir em toda a sua inteireza um documentário sobre os filmes de Woody Allen porque você, na justiça, censurou todas as cenas em que aparecia. Bolas, você foi protagonista de dezenas de filmes dele!

Com o correr dos anos, Ronan se tornou um rapaz com a cara do... Frank Sinatra. Caramba! Eu vi a fotografia do seu filho; não há necessidade nem de exame de DNA: ele só não deve ter a voz do Frank Sinatra.

Quanto ao Woody Allen, passaram-se uns 20 anos, e ele continua casado com a Soon-Yi Previn, o que prova que ele não agiu como tarado.

Mia Farrow, por que tanto ódio?

 

 

 

 

 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

2961 - poema da bicha desolada


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5211                                  Data:  15  de outubro  de 2015

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SABADOIDO

 

-Carlão, lembra quando você foi multado por excesso de velocidade no Túnel Rebouças?

-Claro que me lembro; havia vários carros ladeando o meu, de repente, um flash. Notei que todos os carros foram ficando para trás.

-A notificação da multa veio com a fotografia, bem nítida, do seu FIAT com o número da chapa. Lembra isso, Carlão?

-Lembro; você aproveitou e fez uma montagem no computador: eu recebendo a bandeirada e a Ferrari do Schumacher atrás de mim.

-Eu não poderia perder a deixa, Carlão.

-Você zombava muito dos seus conhecidos pelo computador, agora, então, com o Facebook para divulgar...

-Eu tenho que zoar, Carlão. O que eu sofri quando o Fluminense caiu para a 2ª divisão e, depois para a 3ª... A minha vingança é maligna.

-Eu me lembro de um jogo em que o Flamengo perdeu de 4 para o Palmeiras e você colocou uma gargalhada estridente de um porco, que é o símbolo palmeirense.

-Eu vou lhe explicar, Carlão. - Daniel e, agora, atuava como professor de  uma comédia.

-No campeonato brasileiro de 2004, o Palmeiras meteu 4 a 0 no Corinthians. Os torcedores colocaram no e-mail a figura de um porco soltando uma tremenda gargalhada com a camisa do Corinthians. O que fiz eu? Arquivei esse vídeo, faço uma montagem, mudando a camisa para Flamengo, Vasco e Botafogo, e, quando eles levam de 4, solto no Facebook.

-Derrota do Fluminense, nem pensar, não é Daniel?...

-Mas não é só isso: eu tenho um saco de gozações arquivadas no computador e posto no Facebook no momento certo; e não é só sobre futebol, não.

-Eu sei Daniel, eu sei... já comprovei várias vezes que o seu repertório de maldades sobre os mais diversos assuntos é inesgotável.

-Maldades, Carlão?... - fingiu perplexidade.

-E gozações com versos, Daniel?

-Ninguém mais é poeta, Carlão, todos, agora, são internautas.

-Eu sei. Se alguém for caçoar de outro com versos, passa de atiradeira à vidraça.

-É verdade. - citou um dos seus bordões.

 

-Mas, Daniel, no futebol, se gracejava com rimas. “É canja, é canja/ É canja de galinha?/Arranja outro time / Pra jogar na nossa linha”.

 -Há muitos anos que os torcedores não cantam isso. Eles fazem rimas com palavrões, quanto mais cabeludos melhor.

-Mas isso não é gracejo entre torcedores, é grosseria. - assinalei.

De repente, os olhos do meu sobrinho faiscaram.

-Recordo-me agora, Carlão, de versinhos de torcedores sem palavrões. Lembra quando o Flamengo tinha o ataque com Sávio, Romário e Edmundo, que os rubro-negros  afirmavam que era o maior ataque do mundo?

-Claro, década de 90, eles jogaram contra o Vasco e perderam, e não foi de pouco. “Maior ataque do mundo/maior ataque do mundo/ para um pouquinho, descansa um pouquinho/ Sávio Romário, Edmundo.” - cantaram dezenas de milhares de vascaínos no velho Maracanã.

-Carlão, essa é a versão oficial; os torcedores do Vasco cantaram assim: “Maior ataque do mundo/maior ataque do mundo/ joga um pouquinho, cheira um pouquinho/ Sávio Romário, Edmundo.”

-Seja como for, Daniel, foi, talvez, o último momento de inspiração dos torcedores de futebol.

-Se você fala de inspiração poética, talvez.

-Antigamente, faziam-se muitas gaiatices em versos, mesmo quando o assunto era sério, quase trágico. Exemplo: O jornalista e romancista Pardal Mallet se desentendeu com o Olavo Bilac e os dois duelaram.

-Alguém morreu?

-Pardal Mallet saiu ferido na barriga pelo florete do poeta. Fizeram, então, uns versinhos.

-Recita aí?

-Daniel, eu nunca mais vi esses versos; sei que terminava com um trocadilho infame. Era mais ou menos assim: “Mallet, como águia/ Quis voar/ Voar; pois é... / Pardal mal é.”

-Eu mostraria no Facebook um pardal espetado servido numa bandeja... sei lá, talvez eu bolasse outra imagem.

-Nessa questão, sempre fui antiquado, se assim querem me rotular. Eu fazia as gozações em versos, geralmente, redondilhas maiores. Você estudou isso no ensino médio, não foi?

-Sei; redondilhas maiores são versos com métrica de sete sílabas; e as redondilhas menores, cinco sílabas.

-Na faculdade, eu escrevi versinhos que retratavam vários professores. Na nossa festa de formatura, pediram-me que fossem lidos.

-E você leu?

-Não, porque eu não tinha bebido o suficiente. Não consigo ser o centro das atenções, sóbrio, ainda mais numa festa.

-Com todo o mundo bêbado, é fácil, Carlão.

-Daqueles versos todos, só me lembro, hoje, da quadrinha que fiz sobre o Armênio, nosso professor de Econometria, que falava e ninguém entendia nada. Não havia fonoaudióloga que desse jeito nele. Aqui, vai a quadrinha:

“Na Armênia, foi esfolado

O santo Bartolomeu.

Eu também sou santo: o Armênio

Esfolou co' o nervo meu.”

 

-Não está ruim, Carlão.

-Havia um colega de serviço, na Marinha Mercante, que era homossexual...

-Homossexual, Carlão?

-Contam que ele, no carnaval, saiu de pareô calçando sandálias Karina. A turma gritou bicha e ele contra-atacou: “Isto é para quem tem dinheiro”. Prosseguindo: ele contava feliz da vida, para nós, um seu caso com o filho de um médico, ortopedista muito famoso nos anos 50, 60, creio que nos anos 40 também. Quando eles romperam, esse nosso colega dava pena.

-Entrou numa depressão profunda?

-Isso, Daniel. Depois de muito sofrimento, ele se enamorou de um engenheiro do DNER, hoje DNIT.

-Ele, então, deu uma repaginada no visual.

-Eu, assistindo ao drama dele, escrevi uns versos que guardei de cor apesar de tantos anos terem se passado. Aqui vão eles:

“Com alegria de menina,

Calçou sandália Karina

E gritou todo faceiro:

“Isto é pra quem tem dinheiro”.

 

Querendo corpo de atleta,

Recorreu a uma dieta:

Vivia comendo aqui

Rodelas de abacaxi.

 

Mas não se sabe o porquê

Entrou em fase deprê;

Não estava mais risonho,

Tudo lhe era enfadonho.

 

Cabisbaixo e abatido,

Vivia o que tinha sido.

Tomado pela apatia,

Não vivia o novo dia.

 

Sua expressão era amarga,

Parecia que uma carga

Grande, de causar assombros,

Carregasse nos seus ombros.

 

Mas, então, tudo mudou,

Um novo amor encontrou.

Agora, saltita em festa,

Como Bambi na floresta.”

 

-Carlão, são precisamente vinte e quatro versos.

-O número exato, Daniel, o número exato.

-É isto aí.

 

 

 

 

 

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

2960 - Custódio Mesquita


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5210                               Data:  14  de outubro  de 2015

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124ª VISITA À MINHA CASA

 

-Custódio Mesquita, você deveria ter me visitado em 2010, ano do seu centenário.

-Mas vim para o centenário do Orlando Silva.

-Ele gravou muitas criações suas.

-Sim; Eu vou lhe narrar uma história, que foi muito contada pelo Mário Lago na sua vida bem mais longa do que a minha. Nas nossas peças, nós reservávamos, gratuitamente, um camarote para a Dona Balbina. Quem era a Dona Balbina?... A mãe do Orlando Silva, que sempre levava com ela o filho, que escolhia as músicas que mais o deleitavam para gravar.

-O Orlando Silva dizia que, depois da morte da mãe, nunca conseguiu cantar mais “Rosa”, de Pixinguinha, porque era a música de que ela mais gostava.

-A letra do Otávio de Souza, naquele estilo barroco, não é grandes coisas, mas a música do Pixinguinha... Que beleza! Mas Dona Balbina gostava muito das minhas composições com o Mário Lago.

-Custódio Mesquita, você pertenceu a uma família rica.

-Apesar de meu pai, que era comerciante, ter morrido jovem – eu tinha 4 anos de idade – deixou a minha mãe bem financeiramente falando.

-Ela o queria um pianista de músicas eruditas e um estudante de boas notas na escola.

-Esses grilhões que represavam a minha energia... Eram muitos, e lutei contra eles.

-Para conter a sua indisciplina, ele o tornou escoteiro do Fluminense Futebol Clube. Não deu certo, eu sei, você devaneava muito para ficar sempre alerta.

-Mas não foi de todo mal, pois, no corpo de escoteiros, aprendi a tocar tambor, o que, mais tarde, me levaria a instrumentista de bateria. Fui um ótimo baterista. Um dia, minha mãe me surpreendeu, com um conjunto que se apresentava no Cinema Central, tocando bateria.

-Você estava matando aula?

-Cabulando, gazeteando, enforcando... era tudo isso.

-A sua mãe investiu, mais ainda, no seu talento para a música?

-Sim, mas como você disse, antes, ela me queria como concertista de piano e eu não tinha paciência para treinar, durante horas, escalas. Você conhece a peça para dois pianos e orquestra “O Carnaval dos Animais”, de Saint Saens?

-Claro.

-Entre os animais carnavalescos, ele colocou os alunos de pianos, que são representados por escalas, cada um terminando com um estrondo na repercussão, a coda, que devia ser a fúria dos professores.

-Então, você desprezou as partituras?

-Desprezei, tocava de ouvido.

-Ainda assim, não havia quem negasse o seu extraordinário talento musical.

-Houve um músico que se recusou a atuar numa orquestra dirigida por um pianista que tocasse “de ouvido”, mas isso não impediu que eu obtivesse meu diploma de regente.

-Você já compunha?

-A minha composição é de 1930, eu estava, portanto, com 20 anos de idade. Era um samba-canção, mas só se tornou disco dois anos após, quando o Sílvio Caldas gravou. Ele também fez gravações de dois foxtrotes meus, o gênero musical em que eu transitava com mais facilidade.

-Fizeram sucesso?

-Sucesso mesmo, eu obtive em 1933, na voz da Aurora Miranda, com a marchinha “Se a Lua Contasse”. Não só fiquei conhecido em todo o Brasil, como até no exterior. Fiz até uma temporada, em 1936, pela Argentina, e eles, lá, me pediam para tocar “Se a Lua Contasse”.

-Como foram os seus primeiros anos como profissional da música?

-Eu toquei na Rádio Clube do Brasil, na Rádio Philips, na Rádio Mayrink Veiga e em escolas de danças. Eu era um pianista de respeito.

-E a sua mãe?

-Eu não tocava Chopin, mas toquei muito Ernesto Nazareth, por quem eu nutria uma admiração extrema. Gravei, com orquestra, inúmeros choros e valsas dele.

E prosseguiu:

-É sabido que Ernesto Nazareth, quando se avistou com o legendário concertista, Arthur Rubinstein, sentou-se ao piano e se pôs a tocar Chopin. Era como rezar o Pai Nosso para o Papa, Arthur Rubinstein queria ouvir as músicas de Ernesto Nazareth.

-É claro; a sensibilidade artística do concertista queria músicas novas para os seus ouvidos, como foram as de Villa Lobos, que ele gravaria. - assinalei.

-Quando eu precisava relaxar os nervos, sentava ao piano e tocava Nazareth.

-Custódio, como você entrou no ambiente do teatro?

-Meu parceiro e amigo, Mário Lago, me levou. No teatro, escrevi e musiquei, sozinho ou com parceiros, umas trinta peças.

-Você também foi ator?

-Não foi só o Mário Lago que atuou, eu também atuei. Fui ator de teatro e de cinema.

-Você também contracenou com o Grande Otelo, não foi isso?

-Em 1943, no filme “Moleque Tião”, em que fiz o papel de galã, a trilha sonora era minha. Estreei no cinema em 1935, com “Alô, Alô, Brasil”, e, em 1938, atuei em “Mesquitinha”.

-E o seu maior sucesso no teatro como ator?

-Creio que foi no papel de Dom Pedro I na peça “Carlota Joaquina”.

-Essas incursões não prejudicavam a sua carreira musical?

-Não; não impediu que eu compusesse, com libreto do Sadi Cabral, a opereta “A Bandeirante”, que foi encenada em 1938.

-Você era bonito, tinha 1,80cm de estatura...

-Mas o que diziam de mim, eu sei, era eu ser esquisito, até mesmo vaidoso.

-Contam que o Orestes Barbosa, ao vê-lo passar com o Mário Lago, comentou com amigos: “Lá vai o Narciso com o seu lago.”

Ignorou o chiste espirituoso e disse:

-Consideravam-me esquisito porque eu não frequentava os locais dos meus pares: Lapa, Praça Tiradentes, Café Papagaio, Café Nice. Eu gostava era de passeios pela madrugada, conversar, nessas caminhadas, tanto com intelectuais como com mendigos. Mesmo casado e com filho, não abri mão de chegar de madrugada à minha casa.

-Você foi casada com a atriz Alda Garrido?

-Não deu certo. Casei, depois, em 1942, com Helene Moukhine.

-Sobre a sua vaidade, falam que o secretário do Francisco Alves, o Rei da Voz, o procurou com um recado do seu patrão, na Galeria Cruzeiro...

Interrompeu-me, requentando a sua indignação:

-O Francisco Alves queria que eu fosse até a casa dele e lhe mostrasse composições, pois iria lançar um disco novo. Disse ao seu secretário que o Francisco Alves é que viesse à minha casa, Rua Ipiranga, 32. A distância era a mesma.

-A sua saúde não era boa, por isso você se foi tão cedo, aos 35 anos de idade.

-Eu era epiléptico, mas ninguém me viu tendo convulsões; sofria de tuberculose; mas os males hepáticos acabaram de vez comigo.

-Ficou sem os passeios pela madrugada.

-No hospital, os médicos queriam tanto que eu repousasse, que não me deram papel para escrever; ainda assim, compus melodias escrevendo nos espaços vazios dos jornais.

Não lhe disse que essas melodias se perderam para não entristecê-lo no momento em que deixava à minha casa.

 

 

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

2958 - acordos e traições


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5208                                Data:  11  de outubro  de 2015

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SABADOIDO

2ª Parte

 

-O Globo chegou cedo?- perguntei a meu irmão, que se acomodara na sua cadeira de descascar laranja, para chupá-la.

-Chegou às 5 horas da manhã.

-Naquele dia em que a mamãe foi levada ao hospital, eu só atinei, no meio da confusão, às 11 horas da manhã, que o Globo não havia sido entregue.

-Depois, eles nos enchem o saco para renovar a assinatura. - grasnou.

-É... eles tem essa pachorra. Liguei para a central de atendimentos, e eles enviaram, meia hora depois, o jornal dentro do prazo de 90 minutos que me prometeram.

-Já acabou de reler “Crime e Castigo”?

-Claudio, trata-se de um livro que deve ser lido vagarosamente. Cheguei à pagina 250, quase a metade do volume.

-A Roberta me deu o livro. Eu tenho de reler também.

-Creio que autor algum se aprofundou tanto na alma humana como Dostoievski.

-Dizem que Freud e Nietzsche não só leram, como foram influenciados pelo “Crime e Castigo”.

-Note a coincidência: antes de cometer o assassinato, Raskolnikov tem um pesadelo: um garoto desesperado com o sofrimento de uma pangaré baia que foi flagelada até a morte por populares ensandecidos; Nietzsche, por outro lado, quando se afundou na loucura, também se agarrou a um cavalo, em Turim, na Itália, que estava sendo cruelmente espancado por um camponês. Raskolnikov mergulhou  na loucura, mas veio à tona, Nietzsche, não. – tagarelei.

-A Clarice Lispector revelou que teve febre quando leu, pela primeira vez, “Crime e Castigo”.

-Não era para menos, Claudio, Dostoievski escrevia com muita intensidade.

-Você tem lido os intelectuais petistas que se queixam do ódio da direita?

-Claudio, quem deu o pontapé inicial, quem fez o discurso do nós contra eles, foi o Lula.

-O Lula, Carlinhos, não deu a mínima para o Papa, quando aqui esteve e pregou a união em todos os sentidos. Mas o Lula só ouve, ou melhor, só bebe, a cachaça São Francisco.

-O filho do Érico, por exemplo, se queixa do ódio nas confrontações políticas atuais, Logo ele que comparou os manifestantes, nas ruas de quase todo o Brasil, contra a corrupção, com cachorros vadios que correm, latindo, atrás dos carros. – lembrei.

-O Aldir Blanc também se queixou do ódio da direita, mas escreve salivando ódio.

-Este, Claudio, perdeu a qualidade de vida com o avanço do tempo e tem colocado a sua bílis no papel quando escreve sobre política. Ele compôs a letra do “Resposta ao Tempo”, mas quem ficou com a última palavra foi o tempo. Ele está envelhecendo mal.

-Muita gente se esquece de que ele atacou a Dilma, na campanha eleitoral de 2014, porque ela substituiu a Ana Buarque de Holanda pela Marta Suplicy no Ministério da Cultura.

-De onde se deduz que ele pode ter perdido alguma vantagem com essa mudança. O que não quer dizer que eu ache a Marta Suplicy à altura do ministério ou de qualquer outro cargo importante.

-O problema, Claudio, é essa dependência do dinheiro público no Brasil. Muitos intelectuais ficam, então, de rabo preso, cerceados na hora de colocar os seus neurônios para funcionar, pois é impossível que alguém, com o mínimo de inteligência, não veja os descalabros cometidos pelo Lula e pela Dilma Rousseff. Nem com o saque da Petrobras, eles veem o óbvio ululante como dizia o Nélson Rodrigues.

-Ferreira Gullar, Fernando Gabeira, Hélio Bicudo, para citar apenas três, viram o óbvio ululante.

-E o Chico Buarque? – indagou com um sorriso maroto.

-Claudio, é o que eu falava antes... o pai dele, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, que nada teve a ver com marinha mercante, construção naval, é nome de um dos maiores petroleiros do Brasil. A Maria Amélia Buarque de Holanda, que não foi ligada à medicina, é nome de hospital...

  -Alto lá, Carlinhos! O Chico Buarque revelou que é torcedor do Fluminense porque foi influenciado pela mãe mesmo quando eles moravam em São Paulo.  Memélia merecia ser nome de hospital. - brincou.

-A irmã dele se tornou Ministra da Cultura. Tudo isso depois de o Chico Buarque negociar o seu apoio à candidatura da Dilma em 2010.

-Sei; foi na festa dos 100 anos da Dona Memélia, quando o Lula compareceu com o seu poste. E este apoio, de que você falou, se deu com um discurso do Chico em louvor à Dilma no Teatro Casa Grande onde a classe artística se reuniu.

-Concluindo, Claudio, fica difícil para ele, agora, ir contra o PT com todas as barbaridades cometidas.

-Vão dizer que ele está cuspindo no prato em que comeu.

-Certa vez, o pai da Rosa Grieco, quando o governador da Guanabara, Negrão de Lima, quis dar o seu nome ao viaduto do Méier...

-O Viaduto Castro Alves?...

-Sim. O Agripino Grieco não aceitou, disse ao governador que ninguém passaria por cima dele enquanto vivesse. Ele não se alimentava de vaidades frívolas.

-Depois, ele já estava bem morto, deram o nome do Agripino Grico a uma praça no Méier.- assinalou;

-Nada como você ser livre para falar o que quiser. - declarei.

-E o Eduardo Cunha, quando vai cair? Ele disse, aos mais chegados, que a Dilma cai antes dele.

-Escreveram no Facebook, que a mulher do Eduardo Cunha aprendeu a jogar tênis nos Estados Unidos, mas só sacava na Suíça.

-Boa piada. - riu.

-Apesar de todas as suas ardilezas, muitos deputados o apoiam.

-São trapaças de todos os lados. – revoltou-se.

-Quando a Inglaterra se aliou à União Soviética, depois de ter sido bombardeada incessantemente pelos aviões da Luftwaffe, movidos com combustível russo, Churchill declarou que se aliaria até ao demônio, caso Hitler invadisse o inferno (*). No caso, o inimigo maior é o PT.

-Carlinhos, eu acho que você exagerou na comparação.

-Exagerei?!... Vamos mudar, então. Quando o Franklin Delano Roosevelt foi eleito, ele criou a SEC, um órgão para moralizar as compras e vendas de ações em Wall Street e colocou para presidi-la o patriarca dos Kennedy, Joseph Kennedy, conhecido como um dos maiores trampolineiros da Bolsa de Valores. Criticado, Roosevelt se defendeu: “É fogo contra fogo”. Ele quis dizer que só quem conhece as manobras ilícitas pode combatê-las.

-Você quer dizer que o Eduardo Cunha enfrentando o PT é fogo contra fogo? Ainda não é uma boa comparação, porque o Eduardo Cunha não vai combater as manobras ilícitas.

-Tem razão, Claudio.

-O jeito é esperarmos o que vai sair dessa briga de cachorros grandes e ladrões.

(*) Churchill fez a aliança com Stalin, mas jamais confiou nele, e vice-versa. Sempre com um pé atrás, ele discutia com Roosevelt – com quem se entendia à perfeição – o tamanho da ajuda direta americana, que não podia deixar de privilegiar o front ocidental. E ele conseguiu manter o conta-gotas e Stalin sabia disso. Sorte dos alemães, que ficaram divididos e não completamente soviéticos, graças a isso.

Isto vale em termos de guerra, quando a instituição é o país e vida ou morte têm o exato significado que as palavras contêm. No caso brasileiro, tem que se fazer as instituições funcionarem, independentemente de cronogramas de quem sai primeiro, ou de como ficará o país depois. Esse negócio de ruim com ele, pior sem ela, funciona para núcleos familiares e orçamentos de mesada. Câmaras, Procuradorias e Ministérios têm que funcionar por si, como instituições, esteja quem estiver dependendo, ou comandando. Parece estranho, mas é assim em boa parte do mundo. Por coincidência, na parte boa do mundo.

 

 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

2957 - orlandices fraternas


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5207                                      Data:  10  de outubro  de 2015

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SABADOIDO

 

Claudio me viu no portão, para mais uma sessão do Sabadoido, e gritou para dentro de casa:

-Daniel, traz a chave, que o Carlinhos já chegou.

Minutos depois, surgiu meu sobrinho, meio revoltado, com o aro do molhe de chaves pendurado em um dos seus dedos.

-Ô velho, você mesmo não poderia fazer isso?

-Agora, não posso; estou fazendo um trabalho urgente.

-Qual?... Está estocando vento para a Dilma?

-Foi bom lembrar, Daniel. Você me traz, depois, caixas de papelão que eu vou colocar o vento dentro delas e enviar para o Palácio do Planalto. – aproveitou a deixa.

-Se não houver vento, dê uma abanada. – sugeri, quando guinei portão adentro.

-Como ela diz uma coisa dessas, Carlão? – perguntou meu sobrinho quando rumávamos para a cozinha.

-Porque ela tem muito vento estocado na cabeça. - foi a explicação que encontrei.

-Imagina, Carlão, essa asneira traduzida para dezenas de idiomas, pois isso foi dito na ONU.

Depois de uma breve pausa, completou:

-Coitados dos tradutores estrangeiros, pois o dilmês já é difícil vertido para o português. Já pensou em quem faz a tradução do dilmês para o mandarim?

-Daniel, vai se vestir. Daqui a pouco a Roberta aparece. - soou a voz da Gina do interior da casa.

-Carlão, eu vou me vestir, mas, antes, passo pelo banheiro, pois tenho vento estocado nos intestinos.

-Se eles moverem as hélices da energia eólica, o problema da nossa presidente está resolvido. - vali-me da sua piada.

Como no teatro, mal saiu um personagem, veio outro, no caso, a Gina, que apareceu meio emperiquitada.

-A Roberta (sua sobrinha), quando não passa o fim de semana fora, inventa uns passeios e me carrega, com o Daniel, junto.

-Sábado passado, vocês foram ao Parque da Cidade.

-Hoje, eu nem sei aonde vamos.

-O marido dela topa tudo o que ela decide?

-O Valtencir adora dirigir, então, desde que ele rode alguns quilômetros com o carro, está ótimo; e, para as crianças, a Mariana e o Luquinha, tudo é festa.

-Tem sabido da Rosa, Carlinhos?

-Eu sei dela através do Luca. A notícia mais recente que o Luca me comunicou sobre ela foi sobre um presente para mim...

-Já sei: um livro.

-Um livro é pouco, Gina; ela pretendia me dar três volumes em que estão catalogados os mais de 40 mil livros da biblioteca do pai dela, o Agripino Grieco, doados para uma instituição de Brasília.

-Ela me deu um livro que só de notas bibliográficas eram mais de 200 páginas. O Claudio até dizia que as notas bibliográficas formavam outro livro.- lembrou.

-No meu caso, Gina, eu não tenho mais espaço para livros e revistas, não se esqueça de que sou assinante da VEJA. Um dia, resolvi colocar no lixo alguns livros que estão com camadas de poeira e que não pretendo mais manusear. Aproximei-me da estante para ensacá-los, mas não consegui me desfazer de nenhum.

-Depois de muita briga, consegui que o Claudio jogasse fora alguns livros. Afinal, quem arruma a casa, sou eu; e eles, quando são muitos, deixam tudo bagunçado.

Parou para atender o celular.

-É a Roberta.

Alteando a voz:

-Vamos, Daniel; eles já chegaram.

-Carlão, depois a gente continua a nossa conversa. – disse-me, enquanto saía acompanhado pela mãe.

Aproveitei o isolamento momentâneo para adiantar a leitura do Globo, que costumo ler em casa a tarde.

Não fiquei muito tempo sozinho, meu irmão adentrou a cozinha com a expressão de cansaço.

-Fazer bicicleta às 4 horas da manhã e, agora, cortar galhos cansam.

-Ainda não parou a poda?

-Estou aparando as arestas.

-O que me diz do centenário do Orlando Silva? – perguntei.

-Não passou em brancas nuvens, mas o Globo...

-Foi uma decepção o Globo. Ancelmo Gois, entrevistando o Jonas Vieira e o José Serra, foi a honrosa exceção. - manifestei-me.

-O papai dizia que as mulheres tentavam o suicídio, apaixonadas que estavam pela voz do Orlando Silva.

-Lembro-me, Claudio, de que o papai falou disso quando roubaram o busto dele na Praça Orlando Silva.

-Eu acho que levaram só a cabeça dele.

-Naquele pornô sofisticado do Walter Hugo Khouri, “Amor Estranho Amor”...

-O filme que a Xuxa proibiu porque ela transa com um garoto, o filho da prostituta mais importante, que era a Vera Fisher?

-Você deve se lembrar também, Claudio, que, naquele bordel da época do Estado Novo, as músicas de fundo eram cantadas pelo Orlando Silva.

-Foi o auge dele – não é? – de 1935 a 1942. 

-Eu já contei isso tempos atrás – retomei a palavra – eu vinha de um cinema da Tijuca para casa quando, na parte traseira do ônibus, uma pessoa, visivelmente embriagada, falava do Orlando Silva, anunciando-se como irmão dele. Virei-me e não tive dúvidas que falava a verdade. Como era parecido!

-Quando foi isso?

-1980... 1981... eu era cinéfilo nos anos 80, continuo, mas não vou mais  ao cinema.

Com pruridos detetivescos, meu irmão se pôs a raciocinar:

-O Orlando Silva era de 1915... digamos que o irmão dele fosse de 1917. Em 1980, teria 63 anos de idade... É possível.

-Devia ser a idade da pessoa de que falei, Claudio.

-Pena que também não resistiu ao vício. - lastimou.

-Eu descobri, no Youtube, Claudio, um depoimento do Orlando Silva bastante significativo. Deduz-se pelas suas palavras, que tomou como referência vocal o Tito Schipa.

-O tenor?

-Isso. Ele conta que, ainda garoto, cantou para o grande Tito Schipa  que, encantado, o aconselhou a não estudar canto, porque perderia a naturalidade, o dom que a natureza lhe dera. “Mas você estudou canto”. “Estudei por cauda dei mio padre, que queria que io cantasse ópera.” O Orlando Silva tentou reproduzir o italiano do tenor.

-Só tentou, Carlinhos.

-Quando se ouve Tito Schipa, não se sabe o momento em que ele respira, tem-se a impressão que é tudo num só fôlego e o mesmo acontece com o Orlando Silva. Eu penso, por isso, que ele tinha o tenor como modelo vocal.

-Afinal, ele estudou ou não canto?

-O Orlando Silva afirma que não, mas muitos afirmam que sim. Tal diamante não surgiu assim, teve de ser lapidado – argumentam os especialistas.

-Há gravações dele em que a voz não é lá essas coisas.

-O vício das drogas, Claudio, esculhambou com tudo.