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terça-feira, 19 de julho de 2022

3125 - Matarazzo (Reedição)

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 360                                       Data: 12 de dezembro de 2004

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OS MATARAZZO E ASSIS CHATEAUBRIAND

                     

A comparação entre o maior empresário do Segundo Império, Barão de Mauá, e o maior da República Velha, Francesco Matarazzo, era inevitável. Em dado momento, o entrevistador não se conteve, interrompeu o entrevistado e fez a comparação. Ronaldo Costa Couto concordou inteiramente.

- “O Barão de Mauá é agora mais reconhecido pelo excelente livro do Jorge Caldeira, mas o Conde Francesco Matarazzo está mais esquecido ainda...”.

A força empreendedora dos dois empresários era inigualável ou só comparável entre si, mas há diferenças entre os gigantes: o Barão de Mauá era bem mais aristocrático do que o Conde Francesco Matarazzo. O conde, no início da construção do seu império, sacrificou porcos com facão, derreteu banhas e foi açougueiro do açougue em que era dono. Teve o cérebro do empresário, sem perder os músculos do operário. Chegava às sete horas no escritório e só não chegava às cinco horas da manhã, porque a esposa, Filomena, protestava com a gesticulação própria das italianas. Não podemos afirmar com certeza absoluta que os treze filhos do casal sejam provas do poder de convencimento da Filomena... Desses treze filhos, nove nasceram no Brasil, e quatro na Itália.

Ronaldo Costa Couto, comentando a intervenção do Roberto D' Ávila com o Barão de Mauá, inseriu a figura do Assis Chateaubriand, que também o impressionava:

- “... Décimo segundo filho de um casal de Umbuzeiro, interior da Paraíba, que construiu um império jornalístico, Roberto. Impressionante também”.

Em 1920, Assis Chateaubriand, escrevendo no Jornal do Brasil, ainda sonhava com o seu primeiro jornal. Morre Ermelino Matarazzo e Assis Chateaubriand capricha tanto no obituário que redigiu, que o telefone da redação do Jornal do Brasil toca: era o Conde Francesco Matarazzo, que pretendia conhecê-lo. Um encontro entre os dois é então marcado. Conhecem-se, Chateaubriand o saúda, e recebe, em seguida, os agradecimentos pelas palavras elogiosas que dedicara ao seu filho morto. Na despedida, o Conde Matarazzo lhe estende a ponta do paletó e pede que Assis Chateaubriand raspe os dedos nessa ponta de paletó. Diante do espanto do jornalista paraibano, o Conde Matarazzo lhe explica que se trata de uma tradição da Calábria:

- “Fazendo isto, a minha sorte passará para você”.

Não sabemos se o Ronaldo Costa Couto narra esta passagem na sua obra sobre os Matarazzo, mas Fernando Morais a narrou no “Chatô, o Rei do Brasil”.

Os modos aristocráticos, diríamos mais, e o refinamento, chegam aos Matarazzo do Brasil com o sobrinho do conde, o Ciccilo. Ele, como já foi assinalado, tinha uma inclinação irresistível pelas artes e a cultivou sem esmorecimento enquanto viveu.

- “Baby Pignatari, o Francesco Matarazzo Pignatari, foi o maior amigo de Assis Chateaubriand, mas Ciccilo também foi seu grande amigo”.- enfatizou o Ronaldo Costa Couto na entrevista.

A sorte do paletó do Conde passara para Chateaubriand e este já era o proprietário da mais poderosa rede de comunicações da América Latina quando criou, em 1947, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), associado ao galerista italiano Pietro Maria Bardi. No ano seguinte, o Museu de Arte Moderna era criado por Francisco Matarazzo Sobrinho e, ao contrário do MASP, contou desde o início com a representação de todas as áreas das artes e da cultura, que traçaram o perfil e a política de aquisição e de formação do seu acervo. Ciccilo Matarazzo financiou de seu próprio bolso a compra das obras para a coleção do Museu e fomentou seu posterior crescimento com o “Prêmio Aquisição” promovido pelas futuras bienais. Os estatutos do Museu previam a criação de comissões de cinema, arquitetura, folclore, fotografia, gráfica, música, pintura e escultura. Sua sede foi instalada numa sede do edifício dos Diários Associados, na rua 7 de abril, cedida por Assis  Chateaubriand. 

O endereço do MASP prova que o historiador não exagerou, na entrevista, sobre a amizade entre Ciccilo e Chatô. Outra prova dessa amizade foi a Esplanada do Trianon – o espaço cedido por Assis Chateaubriand para a I Bienal promovida por Ciccilo Matarazzo. 

É a autora do livro “Bienal, 50 Anos”, Rosa Artigas que conta:

- “O êxito da I Bienal, apesar de toda a improvisação, mostrou a capacidade de realização de Ciccilo e da equipe do MAM. Ainda sob o impacto do sucesso, já se programava a II Bienal, que viria acontecer no final de 1953, abrindo as comemorações do IV Centenário de São Paulo, sob o comando de Ciccilo Matarazzo, como presidente da Comissão organizadora dos festejos. O local escolhido foi a área do Ibirapuera, na época uma várzea distante e sem nenhuma infra-estrutura urbana”.

“Oscar Niemeyer foi convidado a projetar o conjunto de edificações. Considerando suas dimensões, o Parque, seus edifícios e os jardins de Burle Marx foram construídos em tempo recorde. Dos sete prédios – entre pavilhões e centros de cultura propostos – foram edificados o Pavilhão das Indústrias dos estados e o Pavilhão das Nações, ligados por uma elegante marquise”.

“Considerada uma das mais importantes Bienais, esta 2ª edição reuniu obras dos mais importantes artistas modernos e, como destaque maior, 51 telas, de todas as fases de Picasso, entre as quais Guernica, que, por vontade do pintor, tinha o MoMA como depositário enquanto a Espanha estivesse sob a ditadura franquista. Até então, a grande tela nunca havia deixado Nova York.”

“Em novembro de 1953, a II Bienal começou a ser montada ocupando o Pavilhão das Nações, onde ficaram expostas as representações dos países da Europa e do Oriente, e o Pavilhão dos Estados que recebeu a Mostra Internacional de Agricultura. Eram, no conjunto, 24 000 m2 de exposição. Em 12 de dezembro a mostra foi inaugurada com a representação de 33 países e 3 374 obras”.

“Em 1957, a IV Bienal de São Paulo passou a ocupar definitivamente sua atual sede no Parque Ibirapuera, o Pavilhão Ciccilo Matarazzo”.

Se Ciccilo Matarazzo era um mecenas, era o maior do Brasil, sem a menor dúvida. Assis Chateaubriand, para muitos autores, era um mecenas entre aspas. Esperto, sempre, percebeu, com o fim da Segunda Grande Guerra, o momento de adquirir grandes pinturas de empresários europeus empobrecidos. Adquiriu-as, então, de todo jeito, principalmente com o dinheiro alheio. Resumia a sua filosofia numa frase:

- “Crédito é melhor do que dinheiro; dinheiro acaba, mas crédito a gente sempre estica”.

Assis Chateaubriand foi amigo de Ciccilo, repetimos, mas Chiquinho Matarazzo, que substituíra o grande Francesco à frente do império, o odiava.

- “Na briga entre os dois, a terra tremeu”.- afirmou Ronaldo Costa Couto, enquanto Roberto D' Ávila sorria.



Um comentário:

  1. "Crédito é melhor do que dinheiro; dinheiro acaba, mas crédito a gente sempre estica”.
    Uma grande verdade!
    😄😄😄😄

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