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domingo, 3 de julho de 2022

3119 - Os Fenianos (reedição)

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 2125                                                    Data: 28 de julho de 2004       

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O POVO DA REAÇÃO CARNAVALESCA


- “Onde fica esse troço?”

De vez em quando uma pergunta dessas é ouvida no Departamento de Afretamentos, e porque o clima por lá é normalmente esquentado, as palavras não são suaves.

Não faz muito tempo, o “troço” cuja existência se desconhecia era St Kitts e Nevis; pois “esse troço” esteve colocado no ano de 2003 em qüinquagésimo primeiro lugar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), enquanto o Brasil ocupou o sexagésimo quinto lugar.

Mas o que impressiona é a Irlanda que, dia desses, lembrávamos aqui, na edição sobre a batata; mais precisamente quando a grande fome provocada por um fungo no tubérculo matou centenas de milhares de irlandeses e jogou outros tantos nos chamados navios-caixões para os Estados Unidos, incluindo os ascendentes do presidente John Kennedy. Pois a Irlanda supera, atualmente, a Grã-Bretanha em desenvolvimento humano, segundo a ONU; acha-se em décimo segundo lugar, logo atrás da Suíça e da Dinamarca, enquanto a Grã-Bretanha fica com o décimo terceiro. E pensar que além da grande fome da batata, ainda houve na Irlanda, poucos anos depois, uma temível sociedade secreta com o nome “Feniano”. Era, na realidade, uma sociedade terrorista cuja finalidade era libertar a Irlanda da dominação britânica. Praticaram os fenianos inúmeros atentados, principalmente entre 1866 e 1867 quando tentaram, sem êxito, provocar um levante na Irlanda.

Recordo-me que li um artigo do Eugênio Gudin, o decano dos economistas brasileiros, em que ele, pretendendo acentuar a carnavalização que o povo brasileiro faz dos problemas políticos, escreveu mais ou menos isso:

“...basta dizer que aqui, no Brasil, Feniano virou  clube carnavalesco.”

De fato, em 1869 surgiu, no Rio de Janeiro, o clube carnavalesco Feniano, inspirando-se no nome da temível sociedade irlandesa que surgira oito anos antes, ou seja, 1861. O clube carnavalesco Feniano dava, assim, seqüência a uma animação, digamos,  mais organizada  do carnaval  no Brasil, pois em 1855 já fora fundada a 1ª  sociedade carnavalesca, a Tenentes do Diabo, com os seus trajes nas cores vermelha e negra. 

Também me recordo de outra leitura, “Minha Mocidade”, não do Eugenio Gudin, mas do Churchill, em que este se referia, ainda criança, ao temor que o nome Feniano suscitava na Grã-Bretanha. Era nome para se pegar no fuzil e no lança-chamas, enquanto no Brasil, Feniano era nome para se pegar na serpentina e no lança-perfume.  

Voltando à grande fome da batata na Irlanda, ocorrida na segunda metade da década de 1840, as morte não foram provocadas apenas pelo fungo na batata (potato blight), pois os grandes proprietários, ingleses, alegando a óbvia inadimplência dos arrendatários e dos humildes lavradores, tocou-os para fora das habitações – só no ano de 1850, foram despejados 104 mil camponeses irlandeses. A reação, como vimos, veio de forma mais incisiva onze anos depois. 

Na França, uns setenta anos antes, o problema não foi a falta de batata, mas a falta de pão, e a rainha Maria Antonieta fez um comentário humorístico num momento que não era para rir: “Senão tem pão, comam brioches.”  Eis um exemplo histórico que ilustra o que escrevíamos há pouco tempo: o humor é a tragédia mais o tempo; e a rainha, com a insensibilidade das rainhas, não esperou o tempo passar, pelo contrário, lançou a piada quando a tragédia mal começava, e o resultado foi a guilhotina.

Pulamos de época e de lugar, da Irlanda dos fenianos para a França da Revolução Francesa, mas já vamos voltar para o Brasil.

Não existem mais os fenianos brasileiros, creio que terminaram junto com as grandes sociedades e ranchos que desfilavam  nas terças-feiras de carnaval pela avenida Presidente Vargas, se é que esse grupo fazia parte desse desfile. Não sei; o que sei é que a reação do povo brasileiro permanece carnavalesca.

Agora, com o início da campanha eleitoral, o carnaval fora de época nos parece, mais uma vez, mais digno do nome do que aquele sacramentado nos calendários para durar três dias. Os exemplos dignos de folia nesta campanha são muitos que seria tedioso relembrar, como o candidato a prefeito, sócio de alguns canais de televisão, que apresenta uma renda menor que o salário do Dieckmann como divulgador do Biscoito Molhado. No entanto, temos de reviver uma peripécia da campanha do Maluf para a prefeitura da cidade de São Dimas... digo: São Paulo.

Ele, Maluf, com o bloco da imprensa, saudou os enfermos, pediu votos, abriu alas pela enfermaria de um hospital, e entrou na Unidade de Tratamento Intensivo. No outro dia, víamos em vários jornais a fotografia do candidato a prefeito cumprimentado um doente dessa UTI, e prometendo que ele ficaria bom. Um ou dois dias depois, é estampada a notícia com a morte do tal enfermo.

Se o caso acima fosse exceção no Brasil... além de não ser, quase repetiu, em escala infinitamente menor, o que aconteceu com aquele que seria o primeiro presidente civil a tomar posse depois de 20 anos de ditadura militar no Brasil. É o próprio, Ronaldo Costa Couto, que seria o ministro do Interior do governo José Sarney, que conta em livro, depois de entrevistar várias testemunhas, como foi a  cirurgia de emergência do Tancredo Neves na véspera do dia em que deveria tomar posse como  presidente da República:  mais de vinte pessoas invadiram a sala de operação, como populares num evento concorrido; algumas delas saíram, mas uma importante figura da República, lembrando a todos que era médico, puxou uma cadeira e assistiu a tudo sem roupa esterilizada com outros que lá não deveriam estar. Não é difícil deduzir que o médico fantasiado de político, como os outros fantasiados, era o Antonio Carlos Magalhães. Depois, apontaram três culpadas por tudo o que aconteceu de ruim, inclusive os cinco anos do governo Sarney: a Pseudomona Cepácia, a Citrobacter Freundii e a Klebsiella Pneumoniae. Não fossem os  nomes tão pouco melódicos,  e seriam estas três bactérias um dia, talvez, tema de um enredo de Escola de Samba.        

Já andaram estranhando, na mencionada repartição a existência de “uma tal de Ilhas Maurício”. Ah, sim: as Ilhas  Maurício possui o 62º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, enquanto o Brasil, repetindo, está em 65°.  



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