O BISCOITO MOLHADO
Edição 5355 SX Data:
4 de março de 2018
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXV
O PAÍS DOS
MENTIROSOS
O título da crônica é " O País dos
Mentirosos ". Isso está decidido. Dele não arredo o pé. Mas previno os
leitores de que até chegar lá vou dar umas voltas.
Que começam nos anos 50 e 60, quando Paulo
Fortes apresentava, dirigia e redigia uma variedade de programas apresentados
na antiga TV-Rio. Era uma delícia acompanhá-lo nas suas idas à emissora, onde
ensaiava o "Carroussel Tonelux", "Folias Philips" e mais
uma série de programas que faziam muito sucesso, sendo transmitidos ao vivo, já
que não existia, ainda, o chamado "vídeo tape".
"Carroussel Tonelux" apresentava
grandes atrações. Integravam seu elenco os cantores Lucio Alves, Ernani Filho,
Fernando Barreto, Luciene Franco e Lueli Figueiró. O programa era enfeitado,
ainda, por duas figuras femininas às quais eu dedicava especial atenção: Norma
Bengell e Elizabeth Gasper.
Detalhista, perfeccionista, o barítono visitava
a TV-Rio com frequência. Disso eu me aproveitava para assistir ao vivo, no
auditório da emissora, grandes atrações. Lembro bem de um domingo em que meu
pai me "rebocou" para assistir ao "Calouros em Desfile", programa
de Ari Barroso. O responsável pelo "gongo", artefato utilizado para
eliminar candidatos com desempenho abaixo da crítica, era o Tião Macalé. Alguns
anos depois eu me postaria no calçadão de Copacabana para assistir aos jogos do
Dínamo, time de futebol de praia por ele dirigido.
Nesse dia especial, os calouros que
participavam do programa eram muito ruins. Eu e meu pai sentados na primeira
fila do auditório. A cada escorregadela, desafinação de um candidato, Ari
Barroso fazia um sinal para seu amigo Paulo Fortes, revelando seu
inconformismo. Terminado o programa, fez um pronunciamento breve: "E
assim, Senhoras e Senhores, chegamos ao final de mais um Calouros em Desfile.
Programa que tem por objetivo revelar novos valores para o panorama musical brasileiro.
E que desta feita, como em outras oportunidades, não revelou ninguém".
Da passagem de meu pai pela TV-Rio lembro
também de outro episódio singular. Ele tinha um primo, de nome Plínio, que
tinha, percebia-se, um parafuso a menos na cabeça. Pouco havia estudado e,
próximo dos quarenta anos, nunca havia trabalhado. Diante de sua insistência, Paulo
Fortes, penalizado, conseguiu para o primo um emprego na emissora. À altura de
suas limitações e quase nenhuma instrução. Plínio cuidaria do belíssimo saguão
de entrada da TV-Rio, todo revestido em mármore, concebido originalmente para
abrigar o Cassino Atlântico. A essa tarefa ele se dedicou com sofreguidão. Era
o que se convencionou denominar "Funcionário Padrão". Com a compulsão
própria dos perturbados, mantinha impecável o espaço que estava sob sua
responsabilidade. Trabalhava doze, quatorze horas por dia. Tudo brilhava, tudo
permanecia absolutamente limpo. Até que, um dia, deu-se a tragédia. João
Baptista do Amaral, o dono da TV-Rio, que por lá pouco aparecia, adentrou o
recinto apressado, acompanhado por um séquito de assessores. Fumando, para
desespero de Plínio. A horas tantas, jogou ao chão a cinza do cigarro. Plínio
partiu para cima dele. O certo é que o sujeito nunca apanhou tanto na vida.
Com a interferência de São Judas Tadeu, o
padroeiro das causas perdidas, o episódio pôde ser contornado. A trajetória de
sucesso de Paulo Fortes na TV-Rio ainda se estenderia por muitos e muitos anos.
Lembro Ari Barroso por conta de uma gravação do
YouTube que acessei recentemente. No Royal Albert Hall, em Londres, a Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo, regida por Marin Alsop, interpreta "Aquarela
do Brasil". Um arranjo extraordinário da música desse gênio brasileiro
levou milhares de pessoas ao delírio.
Começo, finalmente, a tangenciar o problema da
mentira, que é, afinal, o tema desta crônica. Meu contraponto é uma notícia que
tive a oportunidade de ler na edição de 24 de fevereiro de O Globo. Um
tresloucado jornalista declara : "Depois de encarnar 'A Mulher do Fim Do
Mundo', nome do álbum de 2015 que rendeu prêmios e uma turnê pelo Brasil e pelo
mundo com shows arrebatadores, Elza Soares renasce como deusa, anunciando não o
fim, mas um começo, pós-apocalipse." Inverossímil, tresloucada, a notícia
vem reforçar o que todo mundo já sabe. O Brasil é o país dos mentirosos.
Prolixo que sou, não resisto a mais um adendo.
Uma das últimas operetas produzidas pelo extraordinário compositor húngaro
Franz Lehár foi "O País dos Sorrisos". Esse país é a China. Na
avaliação do compositor, os chineses, com seus olhos rasgados e lábios muito
finos, aparentavam estar sempre sorrindo.
A opereta fez muito sucesso. Não tanto em sua
primeira versão, que estreou em Viena em 1923. Sucesso para valer aconteceu a
partir da apresentação da versão reformulada do trabalho, dada a conhecer em
Berlim no ano de 1929.
Como de costume, o compositor incluiu nessa
produção uma canção belíssima, para fazer estrondoso sucesso na voz privilegiada
do grande tenor Richard Tauber. "Dein ist mein ganzes Herz" passou a
constar, desde então, no repertório de dezenas de grandes cantores, à frente
possivelmente Placido Domingo, recordista mundial dessa cantoria.
Franz Lehár morreu em 1948. Não teve tempo - já
que inspiração não lhe faltaria - para escrever uma opereta sobre o Brasil. Seu
título seria "O País dos Mentirosos".
O leitor já percebeu que chegamos lá. Mente-se
muito no Brasil. Torna-se difícil avaliar o que é pior: a mentira, em si, ou um
povo auto-indulgente, que acredita em tudo, tudo releva e convive com todo tipo
de barbaridades.
Na arte de mentir ninguém supera políticos e
governantes. O Prefeito-viajante Marcelo Crivella finge que administra a cidade
do Rio de Janeiro. Passeando na Europa, não tomou conhecimento de uma chuva
monumental que quase fez a cidade submergir. Tampouco que uma multidão de
vândalos invadiu a praia de Copacabana, depois de depredar o Metrô. Essa corja
integrava o chamado "Bloco da Favorita". Que tinha até madrinha, a
"atriz" e "namorada do Neymar" Bruna Marquezine.
Em outra oportunidade, também carnavalesca, a
"atriz", "cantora", "promoter" e
"ativista" Preta Gil mobilizou milhares de foliões num desfile
promovido no centro da cidade. Consta que patrocinado por uma cervejaria. A
nós, idiotas, compete pagar os impostos que vão financiar centenas de banheiros
químicos necessários para -quem sabe?- dar vazão à metade do xixi produzido
pela rapaziada.
Mas tudo se justifica. Repete-se à larga que
somos um povo extraordinariamente alegre. O que pode ser mais divertido do que
invadir o Aeroporto Santos Dumont? Prejudicando o embarque e o desembarque de
centenas de passageiros? Divertidíssimo.
Existe, também, o consenso de que somos um povo
muito bonito. Possivelmente a amostra dessa beleza foi colhida num domingo de
sol, no Posto 9 da praia de Ipanema.
E pode haver povo mais gentil, de melhor
índole? Caminhões assaltados na Avenida Brasil são esvaziados em questão de
minutos nas ruas paralelas, pela vizinhança que acorre ao local. Gente da
melhor qualidade. Faz algum tempo os telejornais noticiaram um acidente
terrível na Via Dutra, envolvendo um caminhão carregado com engradados de
cerveja. Seu motorista, morto, permanecia na cabine, preso às ferragens. Ainda
assim a carga do caminhão foi saqueada, por uma multidão que não disfarçava sua
incontida alegria.
No país dos mentirosos, as escolas não ensinam
e, via Internet, milhares de analfabetos obtêm diploma de curso superior.
Cantores não sabem cantar, uma nova geração de atores surge sem saber
representar e comediantes não fazem rir. Salários malucos ornamentam o
currículo de técnicos e jogadores de futebol completamente idiotas.
No país dos mentirosos, acredita-se em almoço
grátis, redução de tarifas de energia em plena crise hídrica e palestras
proferidas por um líder mal e porcamente alfabetizado. Uma recessão monumental
e índices tenebrosos de desemprego são provocados por uma gerente inteiramente
desprovida de miolos, eleita depois de mentir muito para milhões de mentirosos
que com ela se solidarizaram.
Agradeço a paciência dos leitores. Somos, ou
não, "O País dos Mentirosos"?
Perfeito! Parabéns.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir1. Após duas semanas ainda não consegui colocar em ordem a minha casa.
ResponderExcluirA mudança no local do ponto de ônibus se deu há anos e o motivo foi o empréstimo de uma grande loja para uso de um partido político onde funcionava o antigo ponto. Mas precisavam de estacionamento e o ponto foi trocado.
A mim, que entrei com requerimento na Prefeitura, foi explicado que, na verdade (?) era uma adequação à nova Lei.
Cobertura, banco, aço inoxidável, uma beleza para a população.
Menos para os moradores do prédio. Imagine o pessoal que chega da balada pela madrugada! Gritarias, barulho pq o baile continua no ponto.
E o advento das kombis e suas algazarras lá pelas cinco da manhã?
E o comércio de comida em volta?
E o lixo atirado no bueiro em frente? Frascos de água, refrigerantes, latinhas, cocos que entopem qualquer saída de água.
Eu estava na casa de minha filha, em Icaraí, tb transformado num caos, no dia da enchente, mas felizmente, no nono andar.
Duro você pagar impostos durante sessenta anos, este ano o valor dobrou, enquanto prédios, lojas, completamente irregulares, são construídas em tempo recorde e antes do término coloca-se a placa Aluga-se quitinete. Quem aluga, quem ganha, quem não paga impostos e legalizações? Quem faz a ligação da água e luz nestas obras clandestinas?
E para a minoria pagante? Nada é feito.
A quem interessa a propagação de tantas mentiras. Não aguento mais assistir televisão.
Forma-se um ambiente propício para uma guerra civil. Cresci ouvindo minha mãe contar seus horrores.
A minha presença, aqui, pela manhã todos os dias e em outros sites de literatura deve-se a uma alienação proposital da minha parte.
Esquecer este Brasil que não reconheço. Ser feliz e despreocupada antes de iniciar o meu dia.
Razões dos meus chamados "exageros", quem sabe? rs.
Quando vi a história da diva na televisão não sei pq lembrei de El Cid.
'Jesus, perdoa estou sendo cruel'.
Amém.
Sim, somos o país dos mentirosos e vc o diz com toda a elegância possível.
O país se inviabiliza a cada dia, em progressão geométrica. Pessoas de bem, sérias, cumpridoras das normas, educadas, devem procurar o aeroporto, em busca de um lugar civilizado para viver.
ResponderExcluirConsta que isso está acontecendo em ritmo acelerado.
O importante é não deixar o sonho para depois da aposentadoria.
ResponderExcluirNa terceira idade, perdas, doenças, família com compromissos aqui, torna o projeto quase impossível.
Tenho dupla cidadania, mas... passou da hora.
O que está acontecendo agora é quase um êxodo.
Famílias que saem contando apenas com um cônjuge empregado.
Portugal, Austrália, Canadá são lugares concorridos.
Acabei se saber que a filha da minha dentista que foi para a Holanda e que o marido pediu demissão em seu emprego aqui para acompanhá-la veio no Natal visitar a família e que o esposo já está trabalhando, efetivado em uma grande multinacional.
ResponderExcluirPerguntei sobre eles devido ao tema tratado aqui, pois temi pelo jovem casal quando foram embora.
Estão muitíssimo bem lá.
Retificando...
ResponderExcluirquando foi embora.
Isso acontece sem parar. É claro que muita coisa tem que ser avaliada. mas que somos dramaticamente incentivados pela cambada
ResponderExcluirque manda no país, lá isso somos !