O BISCOITO MOLHADO
Edição 5351 SX
Data: 12 de fevereiro de 2018
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO
NASCIMENTO - ANO: XXXV
TEM QUE TER SACO
Um dia como outro qualquer. Começa com o café da manhã ao
som da Rádio CBN, acompanhado pela leitura de "O Globo". Dois hábitos
que, um mínimo de reflexão, de bom senso, deveriam me conduzir a abandonar.
A CBN surgiu duas décadas atrás, com um jeitão de promissora
novidade. O rádio, então, já caía pelas tabelas. Programas voltados para a
pregação religiosa ganhavam cada vez mais espaço. A pauta musical se
deteriorava a olhos vistos, dando início a uma escalada que resultou no
panorama assustador que prevalece nos dias de hoje. Os refúgios eram a MEC e a
Jornal do Brasil. Mentes doentias podiam optar pela "Patrulha da Cidade",
programa policial transmitido pela Rádio Tupi.
O surgimento de uma estação voltada para a divulgação de
notícias, repito, parecia ser um bom sinal. E foi, durante algum tempo. Hoje, a
coisa segue ladeira a baixo. A CBN ainda conta com bons cronistas e também com
"âncoras" de grande categoria. Mas está infestada de estagiários
fraquíssimos, que a prudência recomenda manter afastados de um rádio de pilha,
quiçá de um microfone. Cronistas há, também, dedicados a temas completamente
desinteressantes, quando não incompreensíveis.
Essa programação matinal conduz à depressão e, em dias
especiais, à loucura. Começa com um panorama dos assaltos, crianças vitimadas
por balas perdidas e PMs assassinados. Atenção especial também é dedicada às
condições do trânsito. O tal do WhatsApp é uma desgraça. Os ouvintes,
especialmente os motoristas, são incentivados a entrar em contato com a CBN
para relatar o que está acontecendo em seus deslocamentos. Informam que estão
engarrafados na Linha Vermelha, na Ponte Rio-Niterói ou no Túnel Lagoa-Barra.
Como se isso fosse uma grande novidade. Por vezes, um colaborador mais intrépido
resolve passar para a rádio uma notícia bombástica : "Alguns pingos de
chuva começam a cair na Praça da Bandeira!" O recorde de babaquice foi
batido recentemente. Semanas atrás, a CBN dedicou imenso espaço a um cão que
estava transitando na Ponte Rio-Niterói. O evento foi sobrevoado por um
helicóptero e motivou uma dezena de intervenções do repórter. Haja emoção!
Ainda impactado por esse besteirol, fiz a opção de destruir
meus neurônios com a leitura do Globo. Infelizmente, foi o jornal que sobrou.
"Jornal do Brasil",
"Correio da Manhã", "Última Hora" e "Diário de
Notícias" são coisa do passado. Nos bons tempos -essa é uma expressão que
não paro de repetir- meu pai cantava uma ópera no Municipal e, no dia seguinte,
saía à cata dos jornais que fariam a apreciação do espetáculo, encargo confiado
a críticos de altíssima categoria: Renzo Massarani, Andrade Muricy, Magdala da
Gama Oliveira, Marques Porto... isso desapareceu. Faz poucas semanas, o mundo
da ópera perdeu o extraordinário barítono russo Dmitri Hvorostovsky, jovem, em
plena forma, vitimado por um tumor cerebral. Repercussão imensa, no mundo todo.
Sobre o assunto, "O Globo" não deu uma linha.
Certamente, impactado pela crise cultivada pelo "Poste
Dilma", o jornal está minguando. Cada vez com menos páginas, se aproxima
das publicações gratuitas distribuídas nas estações do Metrô. Esse espaço
reduzido poderia não resultar necessariamente em mau gosto e falta de
discernimento, o que está acontecendo. Não há espaço para anunciar a morte de
um grande artista lírico da atualidade. Ele é todo tomado pelo bloco da Preta
Gil, pelas idiotices que envolvem o casal Neymar e Bruna Marquezine, pelas
aparições da Gretchen no "Domingão do Faustão" e por cronistas que o
livro dos recordes destaca no quesito "Coisas idiotas a dizer".
Abandono o jornal, naquele dia especialmente voltado para as
maravilhas do mundo LGBT. Busco socorro na televisão. Entendo que sou um privilegiado,
que paga uma fortuna à NET para ter acesso a centenas de canais. Ledo engano.
Não há nada o que assistir. No Multishow, como sempre, música de arrepiar os
cabelos. Um monte de programas culinários, crianças chatíssimas cantando num
tal "The Voice Kids" e programas de humor que servem para lembrar o
quanto eram talentosos o Chico Anysio, o Walter D´Ávila e a Nádia Maria. O
"grand finale" é uma mulher horrorosa, mais feia que o dragão de
Komodo, esclarecendo dúvidas sobre práticas voltadas para o sexo selvagem.
Sou salvo pelo telefone. Quase salvo, melhor dizendo.
Tratava-se da primeira das dezenas de ligações que recebo diariamente,
ofertando o "chip" da OI, o limite que posso acessar no crédito
consignado ou as maravilhas de um plano de auxílio funeral. Cumpridas as
imprecações que sempre transmito a essa corja, imagino que os consultórios dos
proctologistas estejam botando gente pelo ladrão.
Feitos meus xingamentos, sou alertado por minha mulher para
a necessidade de pagar o plano de saúde, que vencia naquele dia. E também fazer
uma breve incursão ao supermercado.
Não posso contar com a ajuda da Beth, abalroada que foi no domingo
por uma skatista que "voava" na faixa de pedestres da Avenida
Atlântica. O acidente aconteceu no momento em que ela se viu obrigada a desviar
de um ciclista que ali transitava a 100 km/h. O que é proibido pelos
regulamentos em vigor. Possivelmente mais preocupados em se bronzear, disso não
tomam ciência os guardas municipais. O que conduz à permanente repetição da
pergunta que vale um milhão de dólares: "Afinal, para que serve a Guarda
Municipal?"
Não serve, por exemplo, para evitar que a entrada do
supermercado se assemelhe a um acampamento do MST. O que, de resto, acontece em
todas as marquises de Copacabana.
Constato nas minhas compras que meu biscoito recheado
favorito, praga dos gordinhos, sofreu uma nova redução de peso. É a terceira ou
quarta vez que isso acontece, o que também se aplica especialmente às barras de
chocolate e às caixas de bombons. Por gentileza, poupem-me de responder se
aconteceu uma redução proporcional no preço desses produtos.
Em consequência, chego pré-emputecido ao Itaú para pagar o
tal plano de saúde, reajustado segundo um percentual dez vezes maior do que
aquele concedido aos aposentados. Sou um cara bacana, minha agência é
"Personnalité". Talvez por isso deva enfrentar no caixa uma fila
descomunal. O Itaú divulga um lucro de 24 bilhões de reais, não suficiente para
contratar funcionários que atenderiam à multidão que está à minha frente. Mas
só eu estou furioso. A idade média dos meus companheiros de fila é de 106 anos.
Eles conversam animadamente. Penso que fazem seus pagamentos e depósitos e,
depois, voltam para o final da fila. Só eu, jovem sexagenário agitado,
permaneço furioso.
Retorno ao lar. Preciso a todo custo me acalmar. Projeto
inviabilizado pela Beth, com duas informações relevantes: verão do Rio de
Janeiro, ar condicionado sempre ligado, a conta de luz, por conta das
trapalhadas do "Poste" , foi para a casa do chapéu. Recebo a
informação número dois, referente ao IPTU. Sobre o assunto, não vou falar nada,
tenho especial apreço pelas coronárias dos leitores do "Biscoito
Molhado".
Chego ao final dessa gloriosa manhã disposto a pular pela
janela. Desisto do projeto, Beth observa que as telas que instalamos em todas
as janelas do apartamento por conta dos nossos netos custaram uma nota preta.
Bom dia,
ResponderExcluirCreio que a maior qualidade da literatura é expor o sentimento universal.
Domingo reli páginas de alguns dos meus velhíssimos clássicos.
Tanto em Dostoiévski quanto em Borges a mesma inquietação.
Hoje, leio Sérgio Fortes. O que encontro? A minha, a sua, a nossa inquietação.
Haja vista que estrelinhas televisivas poluem e posam de intelectuais na mídia atual sem qualquer tipo de indignação por parte dos mesmos e do público, o que nos resta? Sonhar o Nada.
"Um peixe raro de asas
As águas altas
Um aguado de malva
Sonhando o Nada"
Como disse Hilda Hilst em Da morte. Odes mínimas.
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Havia sumido...
ResponderExcluirTalvez no Spam.
Morro de vergonha com os comentários da Elvira. Borges, Dostoievsky...permaneco sob a cama, abraçado ao penico, comemorando seus exageros...
ResponderExcluirSolte o penico, e, como diria minha sábia mãe:
ResponderExcluir"Não se desmereça, hombre de Dios".
Deus do Céu!! E eu perdendo isso, enquanto via a Pabllo Vittar...
ResponderExcluirJá que o assunto entrou em pauta, vem a tona a pergunta inevitavel: qual a utilidade dessa impublicavel figura ? Canta, dança , sapateia ? Costura ? Sabe pregar um botão ? Ou, definitivamente, os aculturados e idiotas tomaram o poder ?
ResponderExcluirJá que o assunto entrou em pauta, vem a tona a pergunta inevitavel: qual a utilidade dessa impublicavel figura ? Canta, dança , sapateia ? Costura ? Sabe pregar um botão ? Ou, definitivamente, os aculturados e idiotas tomaram o poder ?
ResponderExcluirO gênio do computador faz tudo duas vezes...
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