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segunda-feira, 17 de junho de 2013

2398 - quem parte, leva 2


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4198                                  Data:  31 de  Maio de 2013
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89ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

-Antes de você se tornar a Hedy Lamarr, já tinha feito outros filmes em língua alemã além do famosíssimo “Êxtase” de que falamos?
-Ah, sim; iniciei a minha carreira de atriz com 17 anos de idade, com Das Geld liegt auf der Strasse que, nos Estados Unidos, se chamou Money on the Street.
-Com o seu aparecimento nas telas, os diretores a disputaram a tapa, imagino.
-Por isso, talvez, no ano seguinte, 1931, foram quatro os filmes em que atuei: Die Frau von Lindenau, Die Abenteuer des Herrn O.F., Man braucht kein Geld...
-Que nome este último filme recebeu na América? - interrompi, aproveitando uma pausa.
-We need no money,
-Ainda falta um... - puxou pela memória.
Em seguida, seu rosto se iluminou com essa pequena vitória sobre o esquecimento:
-Im Sturm Wasserglas, este foi dirigido por Georg Jacoby Na verdade, dois desses filmes que citei entraram em cartaz em 1932.
-Veio, então, o escandaloso “Êxtase”...
-Ekstase ou Symphonie der Liebe também foi chamado de Eva. O diretor foi Gustav Machaty, como esquecê-lo?... Ele queria que a cena do orgasmo parecesse verdadeira, para tanto, atrás das câmeras alisava-se com um objeto afiado, sei lá o que era aquilo.
E riu mais uma vez com essa reminiscência.
-Você era, então, a Hedwig Eva Maria Kiesler.
-Fiz por merecer o nome Eva. - brincou.
-Seus pais, já falamos sobre isso, eram judeus.
-Sim; minha mãe, Gertrud, nasceu em Lichtwitz. Ela pertencia a uma família burguesa e foi pianista em Budapeste.
-E o seu pai?
-Meu pai, Emil Kiesler era diretor de banco.
-Com o seu cérebro privilegiado, você procurou logo os livros?
-Eu tinha a vocação artística nas veias; estudei balé e piano até os dez anos de idade.
-Na adolescência, conheceu o legendário diretor de teatro, Max Reinhardt, que a considerou a mulher mais bela da Europa. Mais tarde, Walt Disney se inspiraria em você para desenhar Branca de Neve.
-Max Reinhardt era austríaco, como eu, de Baden. Já era um artista consagrado quando me apresentei a ele em Berlim. Fez coisas incríveis, como transformar um teatro em catedral ao encenar “O Milagre”. Também foi prodigioso na montagem de “Sonho de uma noite de verão”, de Shakespeare, que, anos depois, transformou em filme. Como era lúcido, saiu do caldeirão fervente em que foi transformada a Europa pelos nazistas e se estabeleceu nos Estados Unidos.
-Bem, você já tinha atraído a atenção dos magnatas de Hollywood, como Hedwig Eva Maria Kiesler, então, quando fugiu do seu marido e do fanatismo dos seus patrícios, não lhe foi difícil conseguir emprego.
-Apareceu o Louis B. Mayer, como já disse, com uma boa proposta, e lá fui eu para Hollywood com o nome de Hedy Lamarr.
-As telas dos cinemas não esperaram muito por você, pois em 1938, você já estreava com destaque no filme “Argélia”, o parceiro era Charles Boyer.
-Era uma refilmagem do clássico francês “Demônio da Argélia” protagonizado pelo Jean Gabin. - esclareceu.
-Quando a Segunda Guerra Mundial estourou, você filmava com Robert Taylor “A Flor dos Trópicos”?
-Fiz mais de um filme em 1939 e não posso, por isso, precisar em qual deles eu trabalhava quando a Alemanha invadiu a Polônia.
-Tudo bem que esses filmes e os demais em que você participou eram agradáveis, bons entretenimentos, mas você não se sentia incomodada em estar trabalhado em algo muito aquém da sua capacidade intelectual?
-De forma alguma, eu gostava de sentir a minha beleza sendo apreciada, isto é, gostava de parecer estúpida.
-Depois que os Estados Unidos entraram na guerra contra o nazismo, você se sentiu motivada a mostrar a sua criatividade no ramo tecnológico?
-Nos almoços do meu primeiro marido com a elite nazista, quando julgavam que eu era uma peça decorativa, eu absorvia as conversas que envolviam mísseis e torpedos rádio-controlados. Percebi, então, que as armas wireless, sem fio, ofereciam uma precisão bem mais eficiente que as controladas, que eram as que prevaleciam na época.
-Falando nesse seu marido, judeu que vendia armas a Hitler, o que aconteceu com ele depois que a Áustria foi anexada? - interrompia-a com a minha curiosidade.
-Ele fugiu para o Brasil. Depois, se estabeleceu na Argentina como conselheiro do presidente populista Juan Perón.
-Desculpe-me a interrupção.
Sorriu generosamente e prosseguiu:
-Em 1942, desenvolvi uma nova espécie de sistema de comunicação em que mensagens codificadas não poderiam ser capturadas pelo inimigo. Era um sistema que permitia que bombas e torpedos teleguiados atingissem com pleno êxito o alvo.
Enquanto falava, eu me encantava ainda mais com sua inteligência.
-O problema com que eu me deparava era como sincronizar as mudanças de frequência entre transmissor e receptor de maneira que inviabilizasse a sua descoberta pelo inimigo. Uma maneira de uma mensagem codificada atravessar uma larga área de espectro sem fio.
-E, assim, despistar os radares nazistas. Como você conseguiu?
-Quando conheci o primeiro tecno-instrumentista do mundo, George Anthiel. A ideia surgiu quando ele tocava piano e eu cantava.
-Como assim?
-Ele criava músicas complicadas. Numa delas, ele sincronizou suas melodias através de doze pianos, produzindo um som estereofônico jamais ouvido. Usei, então, a tecnologia de George Anthiel de sincronização de pianos; assim, fui capaz de sincronizar as mudanças de frequência entre o receptor das armas e seu transmissor.
-Não entendi muito bem...
-Era como se duas pessoas pudessem conversar entre si mudando frequentemente o canal de comunicação, desde que o fizessem simultaneamente,
-E depois desse invento?
-Eu e ele submetemos a ideia ao Departamento de Guerra norte-americano, que o recusou em junho de 1941.
-Os Estados Unidos não estavam ainda em guerra. - intervim.
-Em 1942, nós patenteamos o invento, quando usei meu nome verdadeiro.
-Eles acharam muito complicado... - deduzi.
-A sua concretização ocorreu em 1962, quando passou a ser utilizados pelos militares americanos em Cuba, mas a validade da patente já estava vencida.
-Você não ganhou, então, dinheiro com isso?
-Não, ganhei com o cinema; 30 milhões de dólares, que tratei de gastar enquanto viva.
-Bem, o cinema soube reconhecê-la. Você foi para a Calçada da Fama.
-Fiquei grata com isso.
-Falamos do seu primeiro marido, mas eles foram seis.
-Pule essa parte, por favor.
-Seu invento serviu de base para a moderna tecnologia de comunicação. Você é considerada a mãe da tecnologia celular.
-A beleza é temporária e a ciência é para sempre.
Disse isso, esboçou um sorriso e se desfez no ar.



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